Acórdão nº 4785/16.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | HELENA MELO |
Data da Resolução | 16 de Novembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório L. N.
instaurou contra M. S.
, na qualidade de herdeira de J. S.
, os presentes autos de investigação da paternidade, peticionando que seja declarado que é filha do J. S..
Para tanto alega, e em síntese, que nasceu a 30 de Abril de 1948, tendo sido registada na Conservatória do Registo Civil apenas como filha de A. N., registada como A. R.; que a Autora é filha de A. R. e de J. S., filho de D. S., nascido a 18 de Janeiro de 1918, e falecido em Fafe, a 07 de Janeiro de 1963; que J. S. faleceu no estado de casado com a Ré M. S., e sem deixar descendentes nem ascendentes vivos; que a mãe da Autora faleceu a 22 de Dezembro de 2012; que J. S. e A. R. namoraram vários anos, tendo mantido relações sexuais de cópula completa nos primeiros 180 dias dos 300 que antecederam o nascimento da Autora; que a Autora foi concebida e nasceu fruto das relações sexuais mantidas entre J. S. e A. R.; que, aquando do nascimento, J. S. não declarou a paternidade da Autora nem a perfilhou, por se ter incompatibilizado com A. R., e depois por ter contraído casamento com a Ré; que, não obstante, J. S. sempre a reconheceu e tratou como filha, permitindo-lhe que o chamasse de pai, presenteando-a nos aniversários e festas de ano, preocupando-se com o seu estado de saúde e com tudo o que se relacionasse com a sua vida, e dedicando-lhe grande afeto e amor; que contribuída com dinheiro para os alimentos da Autora; que, não fora o seu prematuro falecimento, teria perfilhado a Autora; que todos quanto conheciam o falecido J. S. e a mãe da Autora, bem sabem que aquele é o pai da Autora e que a Autora é sua filha; que a mãe da Autora era uma senhora séria e honesta, com elevada reputação pública de integridade moral, tendo mantido relações de sexo exclusivamente com J. S. nos primeiros 180 dias dos 300 que antecederam o nascimento da Autora e ao longo de toda a sua vida, tendo-se mantido e falecido no estado de solteira, só tendo como filha a Autora; e que só neste momento, já após o falecimento da sua mãe, instaurou a presente ação, para não a incomodar, pois sofria com este assunto.
Concluiu pedindo que a presente ação seja julgada procedente, por provada, e que, em consequência, seja a Autora reconhecida como filha de J. S., ordenando-se o respectivo averbamento de tal paternidade no assento de nascimento daquela.
Juntou três certidões de nascimento, dois assentos de óbito, comprovativo de liquidação da taxa de justiça e procuração forense.
Arrolou testemunhas.
A Ré M. S.
, regularmente citada, não apresentou contestação.
Foi proferido despacho saneador, o qual fixou o objeto do litígio e os temas de prova.
Mais foram admitidos os meios de prova e designada data para a realização da audiência de julgamento.
*Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença que julgou procedente a exceção da caducidade e absolveu a R. do pedido.
A A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma: I– A problemática da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da fixação de prazos legais para a propositura das acções de investigação da maternidade ou paternidade estabelecidas nos arts. 1817e 1873 do CC não acabou com o surgimento da lei nº 14/2009, de 01/04, depois da força obrigatória da inconstitucionalidade declarada sobre o prazo anterior estabelecido do referido art. 1817, pelo acordão do Tribunal Constitucional nº 23/2006 de 10/01, publicado em D. R. em 08 de Fevereiro de 2006.
II – Continuando a ter de se entender que também os prazos novos estabelecidos no art. 1817 do CC não são prazos cegos e ininterruptos, conforme doutrina do acordão do STJ de 02 de Fevereiro de 2017, proferido no proc. 200/11.8TBFVN.C2.S1; III – Sendo que os prazos do nº 3 do art. 1817, de três anos, é cumulativo com o prazo estabelecido de dez anos estabelecido no nº 1.
IV – Ou seja, o prazo da circunstância superveniente, nunca se esgota nem começa sem ter decorrido o prazo de dez anos.
V – Mas, e independentemente da circunstância superveniente, o prazo estabelecido na nova lei, de dez anos posteriores à maioridade, impede o exercício do direito de personalidade, de constituir família e a identidade genética, a todas as pessoas que nascem antes de 1979; VI – Porque não podem propôr a acção por virtude de uma lei que era inconstitucional, e não poderem usar o prazo da nova lei, por já serem maiores há dez anos, à data da entrada em vigor da nova lei.
VII – A norma nº 1 do art. 1817 aplicável ao presente caso por força do art. 1873 do CC, na dimensão interpretativa que prevê um prazo limitador da possibilidade da A. recorrente, enquanto filha, propor a presente acção de investigação de paternidade, com fundamento no facto biológico da filiação, é inconstitucional, uma vez que o direito a conhecer a ascendência biológica constitui dimensão essencial do direito à identidade pessoal previsto no art. 26 nº 1 da Constituição da República Portuguesa, e o direito a estabelecer os concomitantes vínculos jurídicos traduz uma dimensão do direito de constituir família previsto no art. 36 nº 1 do CRP, consubstanciando tal prazo limitador uma restrição excessiva e desproporcionada ao assinalado direito fundamental à identidade pessoal e direito de constituir família, bem como ao próprio direito geral de personalidade dos investigantes defendido pelo art. 70 do Código Civil; VIII – Conforme decisão proferida pelo acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 2017 proferida no proc. 440/12.2TBBCL.G1.S1.
IX – Acresce que, mesmo que os prazos previstos no art. 1817 pudessem ser considerados “aceitável restrição” ao exercício do direito fundamental da personalidade, no seu núcleo essencial do direito à identidade genética e à constituição de vínculos familiares, para futuro da entrada em vigor da lei 14/2009; X – Nunca tal limitação poderia ser imposta retroactivamente, a quem nunca teve tal prazo para exercer a defesa do seu direito fundamental e inviolável.
XI – No caso concreto, a A. esteve impedida de propôr acção de investigação de paternidade até 2009 por virtude de uma lei inconstitucional; XII – E estaria impedida pela própria lei de 2009 por já ter mais de 28 anos, há mais de 10 anos, quando aquela lei entrou em vigor; XIII – É que, contrariamente ao comum da jurisprudência limitadora do direito de intentar acção, que entende que as decisões judiciais não originam novo direito (geral e abstrato) nem expectativas jurídicas, que tornam inconstitucional o novo prazo estabelecido no art. 1817; XIV – A recorrente entende que o novo...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO