Acórdão nº 216/14.2T8EPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução16 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrente: P. A..

Recorrida: Seguradora X, S.A.

* P. A., residente na Rua do … Mar, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra Seguradora X, S.A. (anteriormente Companhia de Seguros Y, S.A.), com sede no largo da … Ponta Delgada, pedindo a condenação desta a pagar-lhe: 1- a quantia de 26.499,99 euros, correspondente ao valor contratualmente atribuído ao veículo; 2- juros sobre o valor de 26.499,99 euros, contados desde a interpelação da Ré em janeiro de 2012, até à presente data, no montante de 3.150,96 euros; 3- a quantia de 5.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais sofridos; 4- a quantia que se vier a apurar em execução de sentença, a título de danos patrimoniais; 5- juros vincendos até integral e efetivo pagamento.

Para tanto alega, em síntese, ser proprietário do veículo automóvel de matrícula MI, e ter celebrado um contrato de seguro com a Ré, mediante o qual esta garantiu os danos próprios e os emergentes da responsabilidade civil pela condução daquele veículo, incluindo o risco de furto ou roubo, obrigando-se, em caso de furto, a pagar ao Autor a quantia de 26.499,99 euros; Esse veículo foi furtado na Holanda e nunca mais apareceu, facto que participou às autoridades policiais holandesas e à Ré, que se recusa a indemnizá-lo, causando-lhe com esse seu comportamento danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização reclama.

A Ré contestou, aceitando a existência do contrato de seguro, mas impugnando parte da factualidade alegada pelo Autor.

Conclui, pedindo que se absolva aquela do pedido.

Realizou-se audiência prévia e frustrada a conciliação entre as partes, fixou-se o valor da causa, proferiu-se despacho saneador e conheceu-se parcialmente do pedido, julgando-se improcedente a ação quanto aos pedidos formulados pelo Autor sob os pontos 3 e 4 do petitório e absolveu-se a Ré destes pedidos.

Fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, tendo o Autor apresentado reclamação, que não foi atendida.

Realizada audiência final foi proferida sentença, julgando a ação totalmente improcedente e absolvendo a Ré do pedido, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido: Julgar a ação totalmente improcedente e, por consequência, absolver do pedido a ré Seguradora X, S.A.

Condenar o autor P. A. no pagamento das custas do processo”.

Inconformado com o assim decidido, o Autor veio interpor recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1) A questão decidenda a mais se não reconduz do que à de esclarecer os exactos termos em que a Ré, “ Seguradora X, S.A.” (inicialmente designada de “Companhia de Seguros Y, S.A.”) terá assumido a cobertura dos danos decorrentes do furto do veículo automóvel de matrícula MI (objecto seguro), propriedade do A., e, designadamente, se à luz das cláusulas contratualmente acordadas, e para accionar essa cobertura, era exigível que este, na dupla condição de tomar de seguro e segurado, tivesse feito prova perante a Ré, na condição de seguradora, da verificação do risco coberto, ou seja, do furto, tal como é repetidamente sustentado pelo tribunal a quo, na sua douta decisão sob recurso; 2) Antes de mais, o pedido do A. move-se no domínio da responsabilidade contratual e emerge de um contrato de seguro facultativo, celebrado exclusivamente por força da autonomia das partes, destinado a eliminar os danos causados no património do segurado, por virtude de furto do veículo seguro; 3) Ora, não existindo regulamentação legal específica para o contrato de seguro contra furtos, parece evidente que a fonte do direito para resolver o presente caso está no contrato de seguro celebrado, pois deste é que brotam os direitos e obrigações para os dois outorgantes (A. e R.); isto, como é óbvio, sem deixar de convocar para o efeito o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), plasmado no DL n.º 72/2008, de 16 de Abril.

Concretizando: 4) Da Parte I das “Condições Gerais” da Apólice avulta, com interesse, o estipulado nos artigos 28º e 30º (aqui aplicáveis, com as necessárias adaptações, por força da conjugação do disposto no artigo 39º da Parte II das referidas condições gerais e no Artigo Preliminar da Condição Especial 704 das “Condições Especiais”) que definem os direitos e obrigações das partes; 5) Assim, sob a epígrafe «Obrigações do Tomador do Seguro e do Segurado», o n.º 1 do citado art.º 28º consigna que «Em caso de sinistro coberto pelo presente contrato, o tomador do seguro ou o segurado, sob pena de responder por perdas e danos, obrigam-se», designadamente, «A comunicar tal facto, por escrito, ao segurador, no mais curto prazo de tempo possível, nunca superior a 8 dias a contar do dia da ocorrência ou do dia em que tenha conhecimento da mesma, fornecendo todas as indicações e provas documentais e ou testemunhais relevantes para uma correcta determinação das responsabilidades.» (cf. al. a)), 6) A respeito da “realização da prestação do segurador”, preceitua o n.º 1 do art.º 102º do RJCS que «O segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências»; 7) E o art.º 104º do mesmo regime jurídico, a propósito do vencimento da prestação do segurador, estatui que «A prestação do segurador vence-se decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos a que se refere o art.º 102º»; 8) Nos termos do art.º 13º do RJCS, as disposições constantes dos citados art.ºs 102º e 104º são “imperativas”, podendo, no entanto, «ser estabelecido um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro»; 9) É o que sucede in casu. Na realidade, nos termos do disposto no n.º 6 do citado art.º 30º da Parte I das “Condições Gerais” da Apólice (aqui aplicável, com as necessárias adaptações, por força da conjugação do disposto no artigo 39º da Parte II das referidas condições gerais e no Artigo Preliminar da Condição Especial 704 das “Condições Especiais”), a indemnização deve ser paga, e, por conseguinte, vence-se, logo que concluídas as investigações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à fixação do montante dos danos; 10) Mas, em seguros como o de furto, a incerteza sobre a efectiva verificação do dano, consubstanciado/materializado no desaparecimento do objecto seguro, explica a inserção nos contratos de cláusulas que estabelecem um prazo a partir do qual se considera haver uma perda definitiva do objecto seguro; 11) Nestes casos, esgotado o prazo, o segurador assume a obrigação de indemnizar automaticamente o segurado, i.é, o segurador, esgotado o prazo, constitui-se na obrigação de pagar ao segurado a indemnização corresponde ao valor da coisa segura, o que, naturalmente, pode suceder antes de concluídas as investigações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à fixação do montante dos danos; 12) Ao ser estipulado no contrato de seguro um tal prazo limite, o que se pretende reconhecer, nesses casos, é que o segurado, uma vez decorrido o mesmo, deixou de ter interesse objetivo na recuperação do objecto seguro, ficando o segurador, como vimos, constituído na obrigação de indemnizar, porquanto se entendeu como razoável e suficiente para que se opere o vencimento automático desse direito, que o segurado não se veja obrigado a suportar a privação da utilização do objeto seguro por um período de tempo mais prolongado, conferindo-se, assim, segurança jurídica às relações contratuais entre as partes; 13) Ora, no caso sub judice, verifica-se, precisamente, a inserção no contrato de seguro, mais concretamente no n.º 5 do art.º 45º da Parte II (“Do Seguro Facultativo”) das “Condições Gerais” da Apólice, de um prazo com um significado e alcance igual àquele que temos vindo a expor, com o seguinte teor: «Ocorrendo furto, roubo, ou furto de uso que dê origem ao desaparecimento do veiculo que se prolongue por mais de 60 dias contados desde a data de participação dessa ocorrência às autoridades competentes, o segurador decorrido esse prazo, obriga-se ao pagamento da indemnização devida, nos termos do presente contrato, sendo que, para liquidação da mesma o tomador do seguro e o segurado deverá apresentar os documentos do veículo, chaves, declaração de venda, bem como documentação que comprove não ter o veículo seguro sido localizado pelas autoridades.»; 14) Todavia, o nº 4 desse mesmo art.º 45º da Parte II das “Condições Gerais” faz recair sobre o tomador do seguro uma obrigação acrescida relativamente aquelas outras que figuram no já citado art.º 28º da Parte I das referidas condições gerais, obrigação essa condicionante do exercício, por parte do tomador do seguro, dos direitos que o contrato de seguro lhe confere, e que se traduz no dever de «apresentar, logo que possível, queixa às autoridades competentes e promover todas as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime»; 15) Com interesse, nenhuma outra obrigação/dever a lei comercial e/ou as disposições constantes do contrato de seguro impõem ao A. para accionar a cobertura de furto, na sua dupla condição de tomador de seguro e de segurado, e para a Ré, na sua condição de seguradora, se constituir na obrigação de pagar a indemnização devida; 16) Serve tudo isto para dizer que, em face de todo o exposto, e à luz da economia do contrato de seguro, por um lado, e da lei comercial, por outro, em nenhum sítio das disposições constantes de ambos se exige que o A., enquanto tomador de seguro/segurado, comprove perante a Ré, enquanto seguradora, a concreta ocorrência do furto, para poder accionar a cobertura facultativa de “Furto ou Roubo”; 17) Apenas se exige, como vimos, que «Em caso de sinistro», o tomador de seguro ou o segurado comunique «tal facto» ao segurador, «no mais curto espaço de tempo possível, nunca superior a 8 dias a contar do dia da ocorrência ou do dia...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT