Acórdão nº 510/08.1TBCMN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | FERNANDO FERNANDES FREITAS |
Data da Resolução | 09 de Novembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.- M. S.; M. N.; e J. M., o qual veio a falecer no decurso da acção, tendo sido habilitadas, como suas únicas e universais herdeiras, A. M.; F. M.; e A. M., todos com os sinais de identificação nos autos, moveram a presente acção, com processo comum ordinário, contra (para o que ora interessa) a Ré “Empresa A – Empreendimentos Turísticos, Ld.ª”, pedindo a condenação desta a: a) fechar a abertura rectangular e a porta com respiradouro, abertas na sua fracção ao nível do passeio e a deixar aí de armazenar gás, repondo o aspecto primitivo desse espaço; b) afectar a cave da fracção "A" apenas a arrecadação; c) remover a estrutura metálica e em vidro implantada em frente ao prédio e à fracção “A” do tipo "corta-vento"; d) retirar os lampiões colocados em frente ao prédio; e) remover o toldo colocado ao nível do restaurante e na fachada do prédio; f) substituir a “parede em vidro” do lado sul do restaurante virada para a entrada do prédio por uma parede opaca em consonância com a estrutura e estética dessa entrada; g) retirar a placa publicitária do restaurante implantada na vertical e na parte frontal a toda a altura do prédio; h) destruir a cobertura do terraço na parte de trás da sua fracção, retirando do local quaisquer tubos, tanques, botijas de gás ou qualquer outro equipamento; i) retirar as chaminés degradadas e ineficazes para exaustão de fumos e cheiros, colocadas junto às fracções dos autores, ou, quando assim não se entenda, a substituir as chaminés existentes por outras que façam a exaustão de fumos e cheiros sem emissão de ruídos propagados pelos equipamentos existentes no restaurante; j) fechar a acesso da cave para o pequeno compartimento de arrumos; k) não permitir a passagem pelo interior do prédio de quaisquer pessoas estranhas ao mesmo.
Foram apresentadas contestações e os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente: - condenou a Ré “EMPRESA A-EMPREENDIMENTOS, Lda.”: “1. a remover a placa publicitária existente na parte frontal do prédio urbano, destinado a atividades comerciais ou similares de hotelaria, serviços ou profissões liberais e a habitação, composto de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, com a área coberta de 150 m2, sito na Avenida …, na freguesia de Vila Praia de Âncora, artéria deste concelho de Caminha, (ao nível do 1º e 2º andar) com a indicação de “Restaurante”, com uma altura aproximada de 5,00m e uma largura de cerca de 0,90m.
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a retirar da cobertura do terraço na parte de trás da fração “A” desse prédio, as botijas de gás.
- Absolveu a mesma Ré dos demais pedidos formulados pelos Autores.
Estes Autores, inconformados, trazem o presente recurso pedindo a revogação da decisão e que se delibere no sentido que referem nas conclusões, ou seja, no sentido da procedência dos pedidos acima transcritos sob as alíneas b); c); d); e); f); h); j) e k), mais pedindo que se inclua no ponto 2. da condenação o dever da Ré assegurar a limpeza e a manutenção dos elementos existentes na cobertura do terraço, em conformidade com o que ficou referido na fundamentação.
Contra-alegou a Ré, e apresentou recurso subordinado, propugnando pela improcedência do recurso dos Autores, e pedindo se reduza o âmbito da condenação relativamente ao segmento n.º 1, por modo a que sejam apenas desligadas as luzes, ou retirado o material eléctrico, mantendo-se, porém, a placa publicitária, mais pedindo a revogação do segmento n.º 2, da supra transcrita decisão.
Contra-alegaram os Autores propugnando para que se recuse provimento à pretensão da Ré.
Ambos os recursos foram recebidos como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos que se mostram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
**II.- Os Apelantes/Autores fundam o seu recurso nas seguintes conclusões: 1.ª - O abuso de direito é um regime especial e único, uma vez que retira ao titular do direito a proteção da lei para o efetivar, o que ocorre apenas e quando se evidencia que o titular desse direito não o pretende exercer de boa-fé e age contra uma posição já antes expressamente tomada - vd. 1ª parte art.º 334.º CC 2.ª - Os direitos que os recorrentes pretendem fazer valer nesta ação têm a ver com o seu bem-estar físico e psíquico, direito ao descanso, reserva da vida privada, direito de vistas e usufruição plena das suas frações, direitos esses fundamentais, que devem sobrepor-se ao mero interesse económico da recorrida - vd. 2.ª parte art.º 334.º CC 3.ª - A recorrida não invocou o abuso de direito para obstar aos pedidos dos recorrentes, nem foram dados como provados quaisquer factos suscetíveis de preencher os requisitos deste regime - vd. citado art.º 334.º CC e n.º 3 art.º 607.° CPC 4.ª - A mera inação dos recorrentes quanto ao fecho pela recorrida do terraço exterior na parte de trás da sua fração “A” e a utilização da respetiva cobertura para colocação de materiais afetos ao restaurante, não impede o direito dos recorrentes - vd. art.º 334.° CC e Ac. TRC de 06.07.2006 citado na folha 16 das alegações.
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- Sendo essa obra manifestamente ofensiva das regras da propriedade horizontal e sendo a sanção correspondente a sua demolição, o pedido a tal respeito dos recorrentes está de harmonia com a lei - vd. al. a) n.º 2 art.º 1422.º CC 6.ª - Os recorrentes nunca agiram de forma a criar na recorrida a confiança de que aceitavam os candeeiros, os toldos e os lampiões pela mesma colocados na fachada do prédio, não podendo, por isso, ser impedidos de reclamar a retirada dessas inovações - vd. n.º 1 art.º 1425.° CC 7.ª - Os recorrentes nunca praticaram qualquer ato concreto de modo a incutir na recorrida a confiança de que aceitavam o vão envidraçado do restaurante – que deita diretamente para a entrada do prédio - podendo, pois, reclamar a sua substituição por uma parede opaca - vd. art.º 334.º e n.º 2 art.º 335.° CC 8.ª - A cave da fração “A”, ao estar afeta ao serviço de refeições, viola o fim a que se destina constante do título da propriedade horizontal e, por outro lado, os recorrentes nunca aceitaram expressamente essa situação, não agindo, pois, em abuso de direito - vd. art.º 334.º CC 9.ª - Os recorrentes nunca agiram de forma a incutir na recorrida a confiança de que não iriam pôr em causa a circulação pelo interior do prédio das pessoas (funcionários) afetas ao restaurante, através da porta da cave para o compartimento de arrumos, podendo, pois, reclamar o fecho dessa porta - vd. art.º 334.º CC 10.ª - A circulação de coisas e pessoas afetas ao restaurante pelo interior do prédio, através da porta de comunicação da cave para o compartimento de arrumos, atenta contra a privacidade dos recorrentes e acarreta grave incómodo e sentimento de insegurança, sendo, pois, legítimo o pedido dos recorrentes de fecho dessa porta e impedimento de circulação através da mesma - vd. art.º 334.º CC 11.ª - A estrutura metálica e em vidro implantada na frente do prédio, afeta como esplanada em exclusivo ao proveito da fração “A”, causa graves incómodos aos recorrentes pelo bulício e acumulação de pessoas na entrada do prédio, limitando consideravelmente a usufruição pelos recorrentes das suas frações - vd. art.ºs 70.º e 80.º CC 12.ª - O tribunal "a quo", a fls. 33 da sentença, reconhece que a recorrida deve abster-se de depositar na cobertura do terraço, na parte de trás da fração "A", botijas de gás e retirar as ali existentes, bem como deve assegurar a limpeza e a manutenção dos elementos aí existentes, pelo que, a decisão proferida no ponto 2. da sentença deve corresponder a essa fundamentação - vd. n.º 3 art.º 607.º CPC.
**III.- A Apelante/Ré formulou as seguintes conclusões: 1ª A ré foi condenada a remover a placa publicitária existente na parte frontal do prédio urbano.
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Ora, é bem evidente que o tribunal considera que a lesão dos direitos dos autores tem origem na luz da placa publicitária e não da própria placa em si.
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Donde, em nosso entender e sempre com o devido respeito, a condenação da ré não deveria ser mais do que ficar obrigada a manter apagadas as luzes da placa publicitária e não na remoção da própria placa publicitária que, por si só, não lesa nenhum direito dos autores.
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Com efeito, estando provado, tal como se referiu, que só a luz da placa é que lesa o direito dos autores, inexiste fundamento na sentença para a ordenada remoção da placa publicitária, pois que esta, por si só, não é susceptível de lesar qualquer direito de outrem.
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O mesmo é dizer que a condenação da ré deve ser circunscrita à obrigação de manter as luzes da placa publicitária apagadas e/ou de dela remover os elementos eléctricos de modo a impedir que a mesma produza luminosidade.
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A ré foi condenada a retirar da cobertura do terraço na parte de trás da fracção “A” desse prédio, as botijas de gás.
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Era aos autores que incumbia a prova, de que as garrafas de gás que existiam na cobertura aquando da inspecção ao local realizada em 28.04.2015 pertenciam à ré.
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A verdade, porém, é que os autores não lograram fazer tal prova e, antes pelo contrário, deu-se como não provado que a ré deposita ali garrafas de gás (ponto 13. dos factos não provados).
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A sentença recorrida viola, na parte aqui sob recurso subordinado, entre outros, o disposto nas als. b) e c) do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil.
**IV.- Como resulta do disposto nos art.
os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.
os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões acima transcritas, cumpre saber: - se são ilícitas as alterações produzidas ao nível do terraço e se devem ser removidos o toldo, os candeeiros, e as placas...
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