Acórdão nº 8872/12.0TBBRG-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução09 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I Nos presentes autos de reclamação, verificação e graduação de créditos, que correm por apenso ao processo em que foi declarada a insolvência de Sociedade de Construções F. F., Lda, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a impugnação apresentada pela credora Banco A, relativamente ao reconhecimento e qualificação do crédito reclamado pela credora A. P., Lda (crédito nº 1, da relação de créditos reconhecidos de fls. 1000 a 1006, inclusive), por banda do Sr. Administrador da Insolvência, com o valor de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros) qualificado como garantido por direito de retenção sobre a verba nº 40 do auto de apreensão de bens imóveis, mantendo-se o mesmo reconhecido nesses exactos termos.

E de seguida, a sentença procedeu à graduação dos créditos reconhecidos, da forma que consta dos autos, que aqui damos por reproduzida.

Inconformado, veio o credor BANCO A interpor recurso dessa decisão, por em síntese entender que o seu crédito deveria ter sido graduado em primeiro lugar, e por entender ainda que àquele credor não deve ser reconhecido direito de retenção sobre o imóvel que constitui a verba nº 40 do auto de apreensão de bens.

Contra-alegou a recorrida A. P., LDA, suscitando em primeiro lugar em sede de questão prévia que o Tribunal da Relação não deve tomar conhecimento do recurso de apelação interposto pela recorrente, quanto à reapreciação da matéria de facto assente na prova testemunhal e documental produzida nas sessões de julgamento, atenta a forma como foi efectuada pela recorrente a abordagem de tal matéria, por inobservância do disposto no art. 640º CPC. E quanto à substância, defende que a sentença recorrida não merece quaisquer reparos, e que o recurso interposto pela impugnante/recorrente deve ser julgado improcedente.

O recurso foi admitido como de apelação, com efeito suspensivo dos pagamentos a efectuar e subida nos próprios autos (arts. 14º,1,5,6,b e 173º do CIRE e 627º,1,2, 629º,1, 631º,1, 637º,1,2, 638º,1 e 639º, todos do CPC).

II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, são as seguintes as conclusões da recorrente (transcrição): 1) A douta sentença apelada, não deve manter-se pois não só padece de nulidades como consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e princípios jurídicos competentes pois, 2) Não gradua os créditos da aqui Apelante em primeiro lugar, conforme esta entende que tal é legalmente correcto.

3) A A. P., Lda credora em causa celebrou com a insolvente um contrato promessa de compra e venda do prédio – fracção autónoma designada pela letra “L” – descrito na verba 40 do auto de apreensão de bens - pelo valor de € 190.000,00 (cfr. fls. dos autos), e, em resultado de tal contrato, reclamou um crédito de 170.000,000,00 correspondente ao dobro do sinal prestado pelo pretenso incumprimento do contrato promessa de compra e venda; 4) A credora em causa, nunca poderia ter invocado o incumprimento definitivo do contrato promessa quando sabia que a realização do contrato definitivo dependia da extinção do ónus de hipoteca a favor da aqui Apelante sobre o prédio em causa, o que implicaria o pagamento da dívida que a sociedade insolvente tinha para com a Apelante.

5) A credora, apesar de ter interpelado a ora insolvente para comparecer no Cartório para outorgar a devida escritura e ter enviado cartas interpelatórias à sociedade em causa – que nem sequer provou terem chegado ao seu conhecimento - sempre se mostrou interessada na concretização desse negócio; 6) Nunca, verdadeiramente, demonstrou desinteresse na celebração do mesmo.

7) A própria insolvente nunca recusou frontalmente celebrar o contrato definitivo.

8) Pelo que, terá de se entender que estamos perante uma mora no cumprimento – dada a dificuldade económica que a insolvente sentia para obter o necessário distrate junto da aqui Apelante – e não de um incumprimento definitivo.

9) Até porque, a credora, ora Apelada, mantendo-se interessada na concretização da operação de compra, adquiriu, em 13 de Maio de 2014, pelo valor de € 170.000,00, o imóvel em causa ao Administrador de Insolvência da Sociedade de Construções F. F., Lda (cfr. fls. dos autos).

10) Assim, apesar da tradição do imóvel que a credora se arroga e da posição que fez crer assumir, a aqui Apelante entende nunca ter existido incumprimento definitivo ou culposo do contrato promessa de compra e venda, imputável à insolvente.

11) Até porque, vem sendo entendimento na doutrina e jurisprudência, que, no âmbito de uma insolvência, os contratos promessa para aquisição de propriedade, com tradição da coisa, resultantes de contratos de natureza obrigacional e não para fins habitacionais (o que é o caso, pois as sociedades nem sequer “habitam”), não constitui fundamento bastante do direito de retenção, pois como é entendido, o promitente adquirente frui um direito de gozo, que exerce em nome do proprietário e por tolerância mas não age com o “animus possidendi”, mas apenas com o corpus possessório sendo nesta perspectiva equiparado a um mero detentor precário (art. 1253º do C.C.), - in Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.08.2013, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça in www.dgsi.pt em que é relator o Ex.mo Senhor Conselheiro Fonseca Ramos; Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol.III, 2º Ed. Pág. 6 e Antunes Varela, na RLJ, Ano 124, pág. 348.

12) Mais, também não é pelo facto de ter, entretanto, existido a declaração de insolvência da sociedade insolvente que se poderá falar em incumprimento definitivo ou culposo do contrato promessa de compra e venda.

13) Na verdade, a recusa do Administrador de Insolvência em executar o contrato não exprime incumprimento mas “reconfiguração da relação”, tendo em vista a especificidade do processo de insolvência, não sendo sequer aplicável a norma do art. 442º, nº 2 do C.C. (incumprimento imputável a uma das partes – que pressupõe um juízo de censura em que se traduz o conceito de culpa (neste caso ficcionando que a parte que incumpre seria o administrador de insolvência na veste de promitente ora insolvente ou em representação dele), pelo que, não tem a promitente adquirente direito ao dobro do sinal, até por força do regime imperativo do art. 119º do CIRE (que estabelece a nulidade das convenções que excluam ou limitem a aplicação das normas contidas naqueles preceitos – arts. 102º a 118º); 14) E, repita-se, ao tempo da declaração de insolvência, este continuava a ser um negócio em curso, porque ainda não estava cumprido, nem definitivamente incumprido.

15) Ora, o princípio geral quanto aos negócios bilaterais ainda não cumpridos, à data da declaração de insolvência, é que o cumprimento fica suspenso até que o administrador de insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento – art. 102º nº 1 do CIRE.

16) Assim, compete ao administrador da insolvência, no interesse dos credores da insolvente, decidir se é mais vantajoso o cumprimento ou incumprimento e, 17) Quando este não o cumpre não se poderá falar de um incumprimento do contrato mas como supra se referiu, em consonância com a tese do Prof. Oliveira Ascensão, de uma reconfiguração da relação tendo em vista a especificidade do processo de insolvência, não sendo assim aplicável o conceito civilista de incumprimento imputável a uma das partes.

18) Mais, se este não o quis cumprir, muito se estranha que, repita-se, ulteriormente, tenha sido optado por efectuar a escritura de compra e venda com a referida credora pelo valor de € 170.000,00 (corresponde ao valor que a Credora entende ser-lhe devido e correspondente ao dobro do sinal) e não pelo valor de € 190.000,00, valor esse igual ao que a Insolvente e Credora entenderem fixar nesse contrato promessa.

19) Por outro lado, esta credora, conforme já se referiu, também não deverá beneficiar de qualquer direito de retenção pois, contrariamente ao que foi entendido pela Mm.º Juiz a quo, nem sequer poderá ser considerada “consumidora” nos termos em que essa figura no está definida no AUJ nº 4/2014.

20) AUJ que deve ser aplicado a esta situação concreta.

21) Na verdade, conforme aí se refere e é entendimento da diversa jurisprudência em torno desta noção, o consumidor promitente-comprador (e que aqui nem é o caso), no sentido estrito, é então “a pessoa singular que actue para a prossecução de fins alheios ao âmbito da sua actividade profissional, através do estabelecimento de relações jurídicas com quem, pessoa singular ou colectiva, se apresenta como profissional (Miguel Pestana de Vasconcelos, em cadernos de Direito Privado, nº 33, 3 e seguintes). “Podendo estender-se o conceito às pessoas colectivas, se provarem que não dispõem nem deveriam dispor de competência específica para a transacção em causa e desde que a solução se mostre de acordo com a equidade.” 22) Assim, este conceito de “consumidor” não é aplicável à credora em causa.

23) Aliás, o próprio Ac. do STJ de 25/11/2014, em que é relator o Ex.mo Senhor Conselheiro Fernandes do Vale, também invocado pela Mm.ª Juiz a quo, é bem elucidativo que não se poderá socorrer dessa figura para “proteger” a credora em causa (dadas as consequências existentes em torno da figura do direito de retenção), quando refere “A Uniformização operada pelo AUJ nº 4/2004, de 20-03-2014, publicado no DR. I Série, nº 95, de 19-05-2014, e acessível em www.dgsi.pt, reporta-se exclusivamente, ao promitente-comprador que detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor. II- Esta deve ser entendida no seu sentido estrito, correspondente à pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, não abrangendo quem obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou...

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