Acórdão nº 3388/15.5T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Julho de 2017
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A) FB - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, SA.
, veio intentar ação com processo comum contra Aires A.
e Autoridade Tributária e Aduaneira, onde conclui pedindo que a ação seja julgada provada e procedente e, em consequência, seja declarada a invalidade dos títulos de constituição de hipoteca ajuizados, ora por enfermarem de nulidade, ora de anulabilidade, ora por serem ineficazes relativamente à autora.
O MP, em representação do Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou contestação onde conclui dever a ação ser julgada não provada e improcedente e o réu Estado absolvido do pedido.
* Realizou-se audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
* Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que decidiu julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolver os réus do pedido formulado.
* B) Inconformada com esta decisão, veio a autora FB - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, SA., interpor recurso, através do seu requerimento de fls. 74 vº e seguintes, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 111).
* Nas alegações de recurso da apelante FB - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, SA., são formuladas as seguintes conclusões: 1. Afigura-se que a sentença proferida não terá, salvo o devido respeito, enquadrado acertadamente de jure a questão posta à apreciação do Tribunal, assim como não terá acertadamente considerado como «não provados» os factos que como tal considerou.
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Em termos factuais e em síntese, o anterior administrador da autora, na pendência desse seu mandato, por via de dois instrumentos notariais, em que outorgou por si e em representação dela autora, deu de garantia à Administração Tributária um bem imóvel pertença da autora, em ordem a obter a suspensão de execuções fiscais em que ele era pessoalmente executado.
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A sentença recorrida julgou a ação improcedente, basicamente centrando-se no art. 6º nº 3 do CSC, que considerou ser aplicável ao caso, na medida em que apresentou o argumento de que cabia à autora, ora recorrente, o ónus de provar que a prestação de garantias por parte do anterior administrador dela autora não o teria sido no interesse da sociedade e que ela não teria feito essa prova, assim como considerou que a autora teria estado devidamente representada na outorga das garantias face ao art. 406º al. f) do mesmo diploma.
O que por forma alguma se tratam de argumentos rigorosos, aliás em várias sedes: I) 4. No objeto social da autora não está incluída a oneração de imóveis da autora (cfr. doc. 1 junto à p.i.) – que foi aquilo a que o então administrador, ora 1º réu e co-recorrido, procedeu pela outorga dos referidos títulos.
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Ao administrador (único, se a administração não for plural) compete representar a sociedade nos seus atos e contratos, «gerir as atividades da sociedade», em que ela intervenha que estejam compreendidos no respetivo objeto social (salvo autorização noutro sentido da assembleia geral – cfr. art. 405º nº 1 do CSC).
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Ora, a oficial pública que presidiu à outorga de ambos os títulos deixou neles consignado que «A qualidade e suficiência dos poderes invocados pelo representante da parte hipotecante foram verificados por consulta hoje ao Portal da Empresa – Certidão Permanente com o código de acesso válido (…)».
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Todavia, tal não podia corresponder nem corresponde à verdade, pois que, não constando do objeto social da autora a «oneração» de imóveis, segue-se que quer a afirmação do ora 1º Réu, quer sobretudo a suposta constatação afirmada pela oficial pública, são afirmações falsas – que, como tal, geram a nulidade dos títulos em causa (Cód. Notariado, art. 71º nº 2).
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Na esteira do entendido pelo oficial público, a sentença recorrida considerou que o administrador detinha poderes para outorgar os títulos e que por isso estes seriam válidos, tendo principiado por invocar o art. 6º nº 3 do CSC, que estabelece que «considera-se contrário ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo» (destaque nosso).
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E em seguida, em manifesto lapso, a sentença traz à colação o art. 406º al. f) do mesmo Código, ao afirmar que este consigna que compete ao conselho de administração (ou, como era o caso, ao administrador único) «a prestação de cauções ou de garantias pessoais ou reais pela sociedade», daí tendo extraído a suposta legitimidade do administrador ao ter feito o que fez; 10. quando, na realidade, este último preceito se reporta à prestação de garantias em dívidas da própria sociedade e de que esta seja por isso a direta beneficiária, pois no preceito «Estão em causa, em primeiro lugar, cauções e garantias relativas dívidas da própria sociedade (…)» (Jorge M. Coutinho de Abreu (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina, 2013, Vol. VI, pág. 415) – que não, pois, de terceiros, como era o caso.
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E como não era o caso, não se trata de asserção acertada a feita na decisão recorrida de que os aludidos atos do administrador estariam legitimados pelo citado preceito, devendo, desde logo por esta via, considerarem-se os títulos, e por lógica implicância os negócios que eles titulam, nulos, por falta de poderes de quem deles se apresentou a outorgar.
Sem prescindir, II) 12. Como se disse, a sentença recorrida centrou-se na questão de que, quando uma sociedade celebra um negócio jurídico com outra, caberia sobre aquela o ónus de provar que a prestação de garantias por parte do seu administrador não o teria sido no interesse da sociedade por ele administrada (e que, no caso, a autora não teria feito essa prova).
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A referida questão, versada na sentença recorrida (que, como se verá, nem é a aqui em causa), que é referida como controversa, foi nela exposta citando em seu abono o Acórdão do STJ de 2013.05.28 (Proc. nº 300/04) e a doutrina no mesmo relatada (não seguindo tal doutrina, aliás, os respetivos considerandos nem a conclusão deles extraída).
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Ora, tal Acórdão versava sobre uma situação de negócios entre duas sociedades, em que uma terceira sociedade se constituiu garante da devedora, situação essa completamente diferente à dos presentes autos e sem paralelismo com esta, não podendo merecer o mesmo tratamento: 15. Independentemente do conteúdo e finalidade dos títulos em causa (constituição de uma garantia), a relação contratual que ficou a constar dos mesmos não foi criada entre a sociedade e uma entidade estranha a ela, mas sim entre a sociedade e o seu administrador – o que faz toda diferença relativamente às situações a que o douto Acórdão se reporta, posto que o beneficiário da garantia nem sequer intervém na outorga.
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O que conduz à constatação de que essa concessão de garantias a favor de um administrador sempre constituiria ato proibido, expressamente vedado pelo art. 397º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais e, como tal, nulo – independentemente da determinação de sobre quem impenderia o ónus da prova na situação contemplada no art. 6º nº 3 do mesmo Código.
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Como refere Jorge M. Coutinho de Abreu (loc. cit., Vol. VI, pág. 327): «É assim vedada, sob pena de nulidade (cfr. o art. 294º do CCiv) a celebração de contratos de crédito em sentido amplo entre sociedade e administrador».
Por outro lado: 18. Afirma a sentença que, nos atos em questão, a sociedade «estava legalmente representada pelo seu administrador único», por – diz a sentença – «a prestação de garantias reais e pessoais é considerada matéria de gestão», mais referindo que «Decorre do disposto no art. 406º al. f) do CSC que compete ao conselho de administração deliberar (…) nomeadamente sobre a prestação de cauções e garantias pessoais ou reais pela sociedade».
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E por o 1º réu ser à altura administrador único da autora, daí decorria, segundo a sentença, a «legal representação» da autora nos atos. Mas tal não é exato, salvo o devido respeito: citando novamente o Doutrinador atrás referido, a pág.s 328/9 da mesma obra: «Regressando ao nº 2 do art. 397º. Este preceito requer, para que os contratos entre sociedade e administrador não sejam nulos, autorização dada por deliberação do conselho de administração. Mas nem todas as sociedades anónimas têm ou têm de ter conselho de administração. As de estrutura tradicional e as estrutura dualística (…) podem ter um único administrador (art.s 278º, 2, 390º, 2, 424º, 2). Quid juris quando o administrador único de uma sociedade anónima (…) pretenda celebrar com a sociedade um contrato da espécie dos que entram no campo de aplicação do nº 2 do art. 397º? E responde: 20. «Porque a ideia reguladora subjacente a essa norma é fazer intervir um órgão deliberativo autorizador para neutralizar o conflito de interesses, na impossibilidade de esse órgão ser o conselho de administração referido na norma, venho propondo assim: “Se a sociedade (com estrutura organizatória tradicional) tiver um só administrador (art. 390º, 2), parece exigível, além do parecer favorável do órgão fiscalizador, deliberação dos sócios autorizando o negócio» (no mesmo sentido, os doutrinadores e o Acórdão aí citados).` 21. Ou seja, ao contrário do afirmado na sentença recorrida, a sociedade autora não estava «legalmente representada pelo seu administrador único». O que também reforça a nulidade decorrente de o oficial público ter, ele também, consignado o inverso.
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Conclui-se que a situação dos autos nada tem a ver com a versada no douto Acórdão e que a sentença recorrida subscreveu, pois que os mesmos se centram no art. 6º nº 3 do CSC, olvidando a situação concreta – negócio de garantia diretamente celebrado entre a sociedade e o seu administrador, negócio esse ab inicio ferido de nulidade, nos termos do art. 397º nº 1 do CSC.
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Do exposto resulta também que o facto nº 1 «não provado» («Apenas mediante...
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