Acórdão nº 649/16.0T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Julho de 2017
Magistrado Responsável | JORGE BISPO |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.
RELATÓRIO 1.
Nos autos de instrução com o NUIPC 649/16.0T9BRG, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo de Instrução Criminal de Braga - J2 (anterior 1ª Secção de Instrução Criminal da Instância Central - J2, da Comarca de Braga), por despacho de 04-01-2017, a Exma. Juíza rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente C. A., por inadmissibilidade legal da instrução, dada a falta de objeto, nos termos do art. 287º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
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Inconformada com essa decisão, dela recorreu a assistente, extraindo da sua motivação as conclusões que a seguir se transcrevem [1]: «III – Conclusões: 1.ª – Notificada da decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução apresentado, e com ela não se conformando, a Assistente dela vem interpor RECURSO, por legalmente admissível, 2.ª – Com o devido respeito, não pode a Assistente, ora recorrente, deixar de recorrer desta decisão, por entender que a mesma não promove a devida justiça.
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- A recorrente impugna, assim a decisão de rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado, por violação do artigo 287º, nº 2 e n.º 3 do Código Processo Penal; 4.ª - Por se verificar que o requerimento de abertura de instrução obedece aos requisitos previstos na lei e por essa razão, deve ser admitido liminarmente.
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– Por se verificar que o requerimento de abertura de instrução obedece ao disposto no artigo 283 nº 3, al. b) e c) do Código Processo Penal.
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- A Assistente ora Recorrente no seu requerimento de abertura de instrução nos termos do disposto no artigo 287º n.º 2 e 3 do CPP, expôs as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação.
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- A Assistente, na parte inicial do seu requerimento de abertura de instrução, e nos termos do artigo 287º, n.º 2 do CPP expôs as razões de facto e de direito de discordância relativamente à decisão do Digno Procurador Adjunto de não acusar.
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- Seguidamente a Assistente na segunda parte do seu requerimento de abertura de Instrução e nos termos do disposto na parte final do artigo 287, n.º 2, fez a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, tendo incluído o lugar, o tempo, e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deveria ser aplicada.
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- Mais indicou as disposições legais aplicáveis aos factos em apreço.
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- Tendo desse modo a Assistente, descrito os elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico pelo qual a Assistente pretende a pronúncia do arguido denunciado.
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- Concretizando os factos que permitirão aferir da verificação dos elementos subjetivos dos ilícitos típicos pelos quais ao arguido devia ser imputado os crimes denunciados.
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- A Assistente observou os requisitos das alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283 do CPP, pois narrou os factos que integram os crimes, cumprindo desse modo o princípio do acusatório, tendo desse modo obedecido à boa disciplina processual, e observou os valores essências do processo penal, com a delimitação inequívoca do objeto do processo penal.
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- Fixou o objeto do processo, traçando os limites dentro dos quais se haveria de desenvolver a atividade investigatória e cognitiva do Digno Juiz de Instrução.
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- Razão pela qual deve a decisão recorrida, de rejeição do requerimento de abertura de instrução ser substituída por outra, que declare a aberta a instrução requerida, por legalmente admissível.
Nestes termos, Deve a decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução, ser revogada e substituída por outra, que declare a abertura de instrução requerida por legalmente admissível, assim se fazendo JUSTIÇA!» 3.
Na primeira instância, o Exmo. Procurador da República respondeu ao recurso, entendendo que a assistente não narra no seu requerimento de abertura de instrução quaisquer factos que preencham os elementos subjetivos de qualquer tipo legal de crime e designadamente dos crimes de burla, um na forma consumada e dois na forma tentada, coação e prevaricação de advogado pelos quais pretende que o arguido seja pronunciado, e, quanto ao crime de coação, nem os elementos objetivos, motivo pelo qual a instrução é inexequível, por falta de objeto e, por conseguinte, legalmente inadmissível, nos termos do artigo 287º, n.º 3, do Código de Processo Penal, cuja consequência é a rejeição do requerimento para abertura de instrução, pelo que a decisão recorrida não é merecedora de censura, devendo ser confirmada.
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Em sentido idêntico se pronunciou o arguido, F. P., na sua resposta ao recurso.
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Já a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se refere o art. 416º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado procedente, por entender que o requerimento de abertura de instrução contém, ainda que porventura sem grandes rigores de forma quanto a alguns parâmetros, para além das razões de discordância relativamente ao despacho de arquivamento (a fls. 355 a 367), os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de burla e de prevaricação imputados ao arguido (a fls. 367 - ponto 66, e 375 - pontos 29 e 33) e as disposições legais aplicáveis (a fls. 375), pelo que a instrução requerida se apresenta exequível e perfeitamente legal.
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Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido respondeu ao referido parecer, defendendo que o mesmo deve ser desatendido e reafirmando que o que ressalta com evidência do requerimento de abertura de instrução é que este se revela absolutamente omisso no que concerne à narração dos factos suscetíveis de integrarem os elementos objetivos e subjetivos dos tipos de crimes denunciados e, no que concerne ao crime de coação, nem sequer os elementos objetivos.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do mesmo código.
II.
FUNDAMENTAÇÃO 1. A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição): «C. A.
veio a fls 382 e ss requerer a abertura de Instrução por não se conformar com o despacho de arquivamento proferido nos autos.
No entanto, não concretiza no seu requerimento os factos que permitiriam aferir da verificação dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico pelos quais ao arguido se imputa qualquer crime.
Ora, a instrução é legalmente inadmissível quando lhe falte objeto. O objeto da instrução, como explica Rui Castro, em Instrução, Quid Iuris, Sociedade Editora, Lisboa, 2011, página 94, “prende- se assim com as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação e, no caso de ser requerida pelo assistente, com a referida narração dos factos e com as disposições legais aplicáveis. Se o requerimento não contiver tais elementos de fundamentação, para além de ser nulo, nos termos do disposto no artigo 283º, nº3 CPP, fica a instrução sem objecto. Não sendo a fase da instrução um novo inquérito, é essencial que contenha um objecto delimitado, em relação ao que consta da acusação ou do despacho de arquivamento”.
Há que considerar também que o artigo 287º, nº2 CPP dispõe que o requerimento de abertura de instrução tem de conter as razões de facto e de direito de discordância relativamente à decisão de acusar ou não acusar, os atos de instrução, os meios de prova e os factos que se espera provar, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 283º, nº3, alíneas b) e c) CPP. Esta última alínea remete expressamente para a indicação das disposições legais aplicáveis. O que nem sequer consta do requerimento de abertura de instrução.
A jurisprudência é unânime em considerar que deve ser rejeitado, sem despacho que permita o aperfeiçoamento, o requerimento do assistente para abertura da instrução que não descreve os elementos objetivo e subjetivo do ilícito típico pelo qual os assistentes pretendem a pronúncia dos denunciados.
Assim sendo, decido rejeitar o requerimento de abertura da instrução apresentado pela assistente, por legalmente inadmissível dada a falta de objeto- artigo 287º, nº3 CPP.
Sem custas- 515º e 520º CPP “a contrario senso”.
Notifique.» 2.
De acordo com o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os preceitos citados sem qualquer menção, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente das respetivas motivações, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões formuladas, a questão a decidir consiste em saber se o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente não deve ser admitido, por inadmissibilidade legal da instrução.
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Pelo teor do despacho recorrido, verifica-se que o referido requerimento foi rejeitado com o fundamento de não concretizar os factos que permitam aferir da verificação dos elementos objetivos e subjetivos dos crimes de burla, de coação e de prevaricação imputados ao arguido, bem como por não constarem dele as disposições legais aplicáveis.
A recorrente, inversamente, sustenta a perfeição desse requerimento de abertura de instrução.
Quanto à posição assumida pelo Ministério Público, enquanto o Exmo. Procurador da República junto da primeira instância defende o acerto da decisão recorrida, já a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação entende que o requerimento de abertura de instrução satisfaz de forma suficiente as exigências legais.
3.1 - Vejamos de que lado está a razão, tendo presente o quadro normativo em que deve mover-se a apreciação da questão suscitada.
De acordo com o disposto no art. 286º, n.º 1, a instrução é uma fase processual destinada a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter, ou...
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