Acórdão nº 175/13.9TACBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Junho de 2017
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES SILVA |
Data da Resolução | 19 de Junho de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO: Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, foi submetida a julgamento a arguida M. J.
, tendo sido proferida sentença com o dispositivo seguinte: Nos termos e pelos fundamentos expostos, o presente Tribunal decide: a) Condenar a arguida M. J., pela prática de um crime de insolvência dolosa agravada, p. e p. pelos art.ºs 227.º, n.º 1, al. a), e 229.º-A, ambos do Cód. Penal, numa pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 2.000,00 (dois mil euros); b) Declarar perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial obtida pela arguida M. J. com a sua conduta, no valor de € 26.051,90 (vinte e seis mil e cinquenta e um euros e noventa cêntimos); c) Condenar a arguida M. J. nas custas do processo, nos termos dos art.ºs 513.º, 514º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e art.ºs 1.º, 2.º, 3.º, 5.º, 8.º, 13.º, e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s,.
* Após trânsito, remeta boletim ao Registo Criminal e cópia da presente sentença à Direcção-Geral de Reinserção Social.
* Notifique.
* Inconformada com o decidido, a arguida interpôs recurso, tendo apresentado a motivação que remata com as seguintes CONCLUSÕES: 1- A prova testemunhal e documental carreada para estes autos mostra-se manifestamente insuficiente para imputar à arguida a prática do crime de que vinha acusada e pelo qual foi condenada; 2- A arguida não praticou o crime de insolvência dolosa pelo qual foi condenada; 3- Não ficou provado nos presentes autos, nomeadamente em sede de julgamento, que a arguida e aqui recorrente, tivesse praticado os factos constantes da acusação; 4- Deve ser dado como NÃO PROVADO o ponto 18 - “Acresce ainda que a arguida retirou do património da sociedade …, Lda todos os restantes bens que integravam o património desta e deu-lhe destino não concretamente apurado, colocando-o fora do alcance dos seus credores.” 5- Existe contradição entre o ponto da matéria de facto dada como provada e o n.º 11, pois se no primeiro é dito que a sociedade …, Lda, tinha 22 trabalhadores, já no ponto 11 vem dito que eram apenas 21.
6- Devem os pontos 9, 11 ser dados como NÃO PROVADOS, atenta a notória contradição dos factos daí constantes; 7- Deve ser dado como NÃO PROVADA matéria de facto constante do ponto 16 pois está em plena contradição com o ponto 18; 8- As contradições supra referidas e constantes de uma sentença condenatória, em que está em causa um crime de insolvência dolosa, levam a que a mesma padeça de nulidade.
9- Da análise da matéria dada como provada ficamos, assim, sem saber ao certo quais os bens que a dita sociedade detinha à data da sua insolvência e quais é que efectivamente desapareceram.
10- O que leva a que a arguida não possa ser condenada pela prática do crime de insolvência dolosa com base no desaparecimento de bens da sociedade sem que seja possível ao tribunal identificá-los e individualizá-los; 11- Por outro lado, nos presentes autos não se provou que a actuação da arguida fosse dolosa; 12- Se estivesse perante uma actuação dolosa não seria a própria insolvente a apresentar-se à insolvência, como efectivamente o foi, além de que a venda das máquinas está refletida em facturas constantes da contabilidade da insolvente.
13- A actuação da arguida foi sempre na tentativa de salvar a sua empresa, recorrendo à venda do património para fazer face às despesas e dívidas já vencidas; 14- Nunca houve intenção da arguida de prejudicar quem quer que fosse e muito menos os credores da insolvência; 15- Tudo foi feito pela arguida em prol da sua empresa e dos seus funcionários.
16- O facto de não ter tido sucesso na gestão da sua sociedade apenas demonstrou que talvez houvesse negligência da parte da arguida.
17- A justificação do Tribunal recorrido para os factos dados como não provados, foi a de que não se provou a existência de saldos bancários e de matérias-primas e como tal foi dado como não provado que a arguida tenha subtraído tais montantes.
18- Devia o tribunal recorrido ter procedido da mesma forma quanto aos bens de que a arguida estava acusada de ter feito desaparecer; 19- Ao não ser possível apurar e concretizar quais os bens que existiam à data da insolvência não pode a arguida ser condenada pelo seu desaparecimento.
20- Assim deve ser dado como NÃO PROVADO o ponto 18 - “Acresce ainda que a arguida retirou do património da sociedade …, Lda todos os restantes bens que integravam o património desta e deu-lhe destino não concretamente apurado, colocando-o fora do alcance dos seus credores.” 21- Aliás já foi este o entendimento inicial vertido no despacho de fls.,. 216 dos presentes autos, pelo MP; 22- Entendeu o MP do DIAP de Cabeceiras de Basto que era necessária a narração da específica conduta levada a efeito pela arguida no que concerne ao destino dado a tais bens e quantia monetária.
23- Tendo posteriormente, sido proferida nova acusação com diferente concretização dos factos e indicação das circunstâncias que agravam a responsabilidade penal pela conduta imputada à arguida.
24- Além de tal dedução estar vedada ao MP, por se tratar de uma alteração substancial dos factos, não ficou provada a existência de tais bens; 25- Contudo e sem prescindir, ainda que se entenda que a arguida cometeu o crime pelo qual foi condenada, o que só por mera hipótese aqui se coloca, sempre se dirá que a pena de multa aplicada é exagerada atenta a sua situação económica e o facto de já ter sido “penalizada” no âmbito do processo de insolvência em sede de qualificação; 26- O mesmo se dizendo quanto à quantia declarada perdida a favor do Estado, pois já em sede de qualificação de insolvência, foi a arguida condenada em semelhante sanção.
27- Assim, tendo o tribunal “a quo” condenado a aqui recorrente pela prática dos crimes de que vinha acusada, violou entre outras a normas constante do artigo 227° do Código Penal, bem como as constantes dos artigos 410, 2 aI. b) do CPP Termos em que se requer a V.Exas. Se dignem proferir douto acórdão que revogue a sentença ora recorrida e absolva a arguida do crime em que foi condenada, ou no caso de assim não se entender, ser a pena de multa reduzida, no que farão V.Exas a Inteira e Costumada JUSTIÇA.
* O Ministério Público apresentou resposta, na qual pugnou pela improcedência do recurso.
* Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
* Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
* Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
* * II. FUNDAMENTAÇÃO: A. Na sentença recorrida foram fixados os seguintes Factos Provados: 1. “…Lda.”, era uma sociedade por quotas matriculada na conservatória do registo comercial de Cabeceiras de Basto com o NUIPC ……..
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Esta sociedade tinha sede em Zona Industrial de …, em ….
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O seu objecto social era a confecção de vestuário, com o CAE ….
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Desde a data da constituição da sociedade em Novembro de 2009, e pelo menos até Outubro de 2011 a arguida M. J. assumiu as funções de gerente desta sociedade, decidindo todas as questões relativas à actividade económica da sociedade.
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Desempenhava funções como contactar clientes, proceder aos fornecimentos, dar instruções aos empregados, celebrar e/ou rescindir contratos de trabalho, fazer os contactos com fornecedores, decidir do pagamento das dívidas da sociedade e da obtenção de crédito e ordenar o pagamento dos salários bem como fornecer a documentação e as informações necessárias à elaboração da contabilidade da sociedade e decidir e ordenar todas as questões relevantes para o funcionamento da sociedade.
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A sociedade “…Lda.” não tinha produção própria e prestava apenas trabalho a feitio para outras empresas do ramo têxtil que conseguia angariar.
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Desde meados de 2010 as encomendas de serviços prestados pela sociedade “…Lda.” diminuíram progressivamente, e desde inícios de 2011 que as encomendas não eram suficientes para satisfazer as despesas fixas desta sociedade.
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Durante o ano de 2011, e pelo menos até Agosto, a sociedade “…Lda.” possuía património integrante do activo fixo tangível no valor de € 34.350,00 repartidos por equipamento básico (€ 27.850,00) composto essencialmente por máquinas de laboração, e equipamento de transporte, composto por um veículo.
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Por outro lado, a sociedade “…Lda.” tinha um passivo composto por dívidas a 33 credores, sendo 22 deles seus trabalhadores a quem a arguida não pagou o respectivo salário.
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Com efeito, entre os meses de Fevereiro e Setembro de 2011 a arguida manteve ao serviço da sociedade insolvente entre 19 e 25 trabalhadores em permanência, com vencimentos que em média se cifravam em € 485,00 mensais.
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O valor dos créditos da sociedade “...Lda” ascendia a € 203.647,94, sendo destes o montante de € 108.319,34 relativo aos créditos dos 21 trabalhadores desta sociedade que não foram pagos pelo trabalho para esta prestado.
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Face às dificuldades financeiras da referida empresa que a arguida bem conhecia, em data não concretamente apurada, mas que se situa em finais do ano de 2010 e meados de 2011, a arguida delineou um plano de actuação que visava impedir o ressarcimento dos credores da “…, Lda.” designadamente dos trabalhadores, mediante a dissipação do património da empresa através da transferência ou oneração de activos da mesma para a esfera patrimonial terceiros que não possuíam qualquer participação social naquela, assim como por via da ocultação de equipamentos e valores integrantes do seu activo.
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Em execução de tal plano, e ciente da situação de insolvência em que a sociedade “...Lda” já se encontrava e com intenção de assegurar que o património da dita sociedade não seria executado pelos seus credores, para satisfação dos respectivos créditos, a arguida procedeu à venda de diversos bens da propriedade da sociedade “...Lda” que compunham o seu activo fixo tangível.
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