Acórdão nº 332/16.6PBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelALDA CASIMIRO
Data da Resolução05 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, Relatório No âmbito do processo comum (intervenção do Tribunal Singular) nº 332/16.6PB VCT que corre termos no Juízo Local Criminal de Viana do Castelo (J1), Comarca de Viana do Castelo, foi o arguido, M. S.

, casado, desempregado, nascido a ..~..-.., em …, Ponte da Barca, filho de J. M. e de M. J. e residente na Rua …, Lote.., …, absolvido da prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152º, nºs 1, al. a), 2 e 4 do Cód. Penal, pelo qual vinha acusado; e, condenado, como autor material de um crime de perseguição, p. e p. pelo art.154º -A, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e com regime de prova assente em plano de reinserção social.

* Sem se conformar com a decisão, o arguido interpôs o presente recurso em que pede a revogação da sentença e onde formula as conclusões que se transcrevem: 1-. O crime p. e p. pelo artigo 154º-A, nº 1 do Código Penal para se verificar exige uma actuação dolosa do agente no sentido de atuar com intenção de realizar o crime em causa.

2- Da motivação da decisão de facto, resulta que o envio das cartas pelo arguido à ofendida, ainda sua mulher, “se destinavam apenas a resolver situações relativas ao casal e à casa que têm em comum e onde ela habita, sendo a sua escrita inofensiva”.

3- Da matéria de facto provada e não provada resulta que o teor das cartas nem sempre foi possível perceber, mas não resulta desse teor qualquer ofensa, ameaça ou qualquer imputação de factos que culpabilizassem a ofendida, sendo ainda certo que algumas das cartas entregues eram cartas de terceiros dirigidas à ofendida.

4- Sendo a ofendida, ainda casada com o arguido, quem assegura “todos os encargos com a manutenção da habitação…, nomeadamente o pagamento dos consumos de energia eléctrica, água, TV/telefone, entre outros…” – cf. Ponto 32 dos factos provados – é razoável que o Recorrente entrasse em contacto através das cartas com a ofendida para se inteirar dessas questões e pagamentos.

5- O arguido quando envia as cartas está convencido que age correctamente e que não incomoda ninguém, apenas pretendendo resolver as situações relativas ao casal e à casa que têm em comum, não tendo qualquer intenção de provocar medo ou inquietação ou de prejudicar a liberdade de autodeterminação da ofendida.

6- Não está demonstrado que o arguido agisse com dolo nos termos do disposto no artigo 14º do Código Penal e faltando este elemento subjectivo do tipo de crime definido no artigo 154º-A, nº 1 do Código Penal, não poderia ter sido condenado.

7- Um cidadão médio, colocando-se na situação do arguido, desconhece que o envio de cartas possa constituir um crime.

8- Ora a censurabilidade de uma conduta é de afastar se e quando se trata de proibições cuja ilicitude material não esteja devidamente sedimentada na consciência ético social.

9- Age sem dolo, quem desconhece a proibição legal cujo conhecimento for razoavelmente indispensável: não tendo o arguido consciência da ilicitude dos atos que praticou, fica excluído o dolo da sua atuação nos termos do disposto no artigo 16º do Código Penal, e logo não poderia ter sido condenado pela prática do crime de perseguição p. e p. no artigo 154º-A, nº 1 do Código Penal.

10- Não foi assim feita a melhor interpretação e aplicação do disposto nos artigos 14º, 16º e 154º-A, nº 1 do Código Penal, devendo esta decisão ser reapreciada por este Venerando Tribunal e substituída por outra que observe os preceitos que se mostram violados.

* A Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença, ainda que sem apresentar conclusões.

* Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção do decidido.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

* * * Fundamentação Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos: 1- O arguido casou com a ofendida M. F. no dia 3 de Outubro de 1981; 2- Deste casamento nasceram dois filhos: R. M., no dia ..de Outubro de …, e M. R., no dia .. de … de ….; 3- Durante o período em que viveram sob o mesmo tecto, o casal fixou a sua residência na Rua …, Lote.., nesta cidade e comarca; 4- No dia 7 de Julho de 2011, a hora não indicada, a ofendida abandonou definitivamente o lar conjugal; 5- Julgando que este afastamento faria com que o arguido a deixasse de procurar, há cerca de dois anos para cá, este passou a contactar telefonicamente a ofendida, a horas diversas, perturbando quer o seu desempenho profissional, quer o seu descanso; 6- Como esta ignorava as suas chamadas, o arguido passou a deslocar-se ao seu local de trabalho, na … de V…, sita na…, nº.., nesta cidade e comarca, para conversar com a mesma; 7- A ofendida rejeitou sempre o contacto com o arguido, o que o motivou a passar a entregar quase diariamente à segurança-porteira desta Loja, H. C., cartas e sacas de papel com embrulhos dentro; 8- A ofendida, inicialmente, leu algumas dessas cartas; 9- Desde o final do ano de 2015, em data que não se logrou apurar, o arguido passou também a deslocar-se ao local de trabalho da ofendida, durante o período de almoço e à hora de saída, pelas 17h, na ânsia de se encontrar com a mesma; 10- Com receio do que lhe pudesse fazer, a ofendida, perante a presença assídua do arguido no seu local de trabalho, deixou de almoçar fora e de andar só, na rua; 11- O arguido passou também a deslocar-se, com frequência, à residência da ofendida, sita na Rua …, nº…, , em …, nesta comarca, ora para colocar bilhetes no pára-brisas do seu veículo automóvel, ora aguardando a sua chegada, quer à porta da entrada do prédio, quer à porta da garagem, ora, então, rondando-a, para controlar a sua rotina diária; 12- No dia 2 de Abril de 2016, pelas 18.50h., quando a ofendida regressava a casa na companhia da sua filha M., foi surpreendida pelo arguido que aguardava a sua chegada junto à porta da garagem; 13- Como esta o ignorou, o arguido dirigiu-se às gateiras da garagem e chamou a sua filha, motivando ambas, com medo do que este lhes pudesse fazer, a refugiar-se em casa; 14- No dia 15 de Abril de 2016, pelas 19.30h., a ofendida deslocou-se na companhia da sua amiga A. P. ao ginásio; 15- Pelas 20.30h., quando regressou a casa, na companhia desta testemunha, a ofendida avistou o arguido, que aguardava a sua chegada junto à porta da garagem da sua residência; 16- O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, ciente que a sua conduta era proibida e punida por lei; 17- Com o propósito, reiterado de, através das condutas supra descritas, perpetradas na pessoa da ofendida M. F., sua ainda mulher, lhe provocar medo e a prejudicar e limitar nos seus movimentos, bem sabendo que desse modo a lesava na sua liberdade pessoal, como pretendeu e conseguiu; 18- O arguido não tem antecedentes criminais; 19- O arguido apresenta traços sugestivos de personalidade obsessiva; 20- O arguido é o segundo descendente de uma fratria de cinco elementos; o pai foi sempre uma figura ausente do quotidiano do agregado que constituiu, passando longos períodos de tempo embarcado; a mãe, por sua vez, era proprietária de uma pequena mercearia, que servia as freguesias vizinhas (o agregado residia em …, em …); 21- No decurso da infância, o arguido e os irmãos estiveram expostos a evidentes situações de maus tratos físicos e sobretudo psicológicos, desencadeados pelo quadro de doença mental (esquizofrenia) que afetava a mãe, levando-a em períodos de crise mais severos a agredir fisicamente os filhos e a expô-los a situações de risco; chegou a cumprir penas de prisão efetiva, ainda que por curtos períodos de tempo, pelos desacatos que provocava; acabaria por falecer em …; 22- Era a irmã mais velha do arguido, embora à data ainda uma criança, quem procurava ajuda junto dos vizinhos, com o intuito de internar a mãe numa unidade hospitalar e era ela quem cuidava dos irmãos e da mercearia, sem contar sequer com o apoio da família alargada ou do próprio pai; 23- Após o falecimento da mãe, foi também esta irmã quem assumiu o processo de crescimento e educativo dos irmãos, levando-os para junto de si, na altura em que casou e fixou residência em Braga; não obstante as dificuldades...

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