Acórdão nº 1889/15.4T9GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução05 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 1889/15.4T9GMR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Guimarães - J3, foi proferido despacho, ao abrigo do art. 311º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d), do Código de Processo Penal, a rejeitar a acusação particular deduzida pelas assistentes, I. M. e M. V., contra as arguidas, “Associação VCUPV", M. P. e M. C., na parte em que lhes imputa a prática de um crime de difamação agravado, previsto e punido pelos art.s 180º e 183º, n.º 2, do Código Penal.

Face a essa rejeição parcial da acusação, foi igualmente rejeitado liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido pelas demandantes/assistentes, no segmento relativo ao imputado crime de difamação.

  1. Desta decisão recorreu a assistente M. V., motivando o recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem [1]: «1ª – O despacho recorrido traduz-se num pré-julgamento, na medida em que, ignorando a prova oferecida pelas assistentes, se exime à observação e discussão da mesma em audiência de julgamento.

    1. – A acusação particular deduzida pela recorrente possui factos demonstrativos de uma conduta tipificadora do crime de difamação p. e p. no artigo 180.º do Código Penal.

    2. – Não pode o juiz "a quo" extrapolar das suas funções e considerar a acusação manifestamente infundada, ao fazer juízos de valor sobre os factos ali descritos.

    3. – O tribunal recorrido deveria apenas ter recebido a acusação pública e ter designado hora e data da audiência de discussão e julgamento.

    4. – A decisão recorrida violou, expressamente, os artigos 180.º n.º 1 e 183.º, n.º 2, do C.P., o art.º 32.º n.º 5 da C.R.P. e o art.º 311.º do C.P.P.

    5. – Caso assim não se entenda, o comunicado no Jornal de Publicação Periódica – Semanário “O Comércio de Guimarães” (Ano 132 – Edição n.º 8.849) subscrito pelas arguidas extravasa claramente o carácter informativo que lhe devia ser ínsito, com o intuito de, através do mesmo, tornar a pessoa das assistentes passível de descrédito na opinião pública, conformando, por isso, o seu conteúdo, uma ofensa à honra e consideração da assistentes prevista e punível pelo artigo 180.º do Código Penal Português.

    6. – A informação prestada não se conteve dentro dos limites da necessidade de informar e dos fins éticos-sociais do direito de informar.

    7. – Segundo um juízo de idoneidade, formulado por qualquer homem/leitor médio, o comunicado em referência atentou claramente contra a credibilidade, o prestígio, a confiança, a honra e a consideração devidas às assistentes, de forma grave e irreversível, tendo sido utilizado para acusar as assistentes de utilizarem indevidamente o nome da associação, sem consentimento desta, praticando atos em seu nome.

    8. – O comportamento ofensivo perpetrado pelas arguidas – da publicação do comunicado – não teve por base a realização de interesses legítimos.

    9. – As arguidas não poderiam fazer prova da verdade das especulações/insinuações constantes do comunicado que subscreveram, ou que tinham fundamento sério para, em boa fé, as reputar por verdadeiras.

    10. – A liberdade de informação – de informar e ser informado – é uma manifestação essencial nas sociedades que vivem em regimes democráticos e pluralistas, encontrando-se prevista no art.º 37.º da Constituição da República Portuguesa.

    11. – O direito ao bom nome e reputação é um direito fundamental de idêntico valor, também previsto na nossa Constituição, no art.º 26.º, bem como no art.º 70.º do Código Civil.

    12. – Não existem direitos absolutos e ilimitados.

      14º - Não foi o interesse público – e legítimo – de informar que ditou as acusações/informação veiculada(s) pelas arguidas.

    13. – A atuação das arguidas extravasou, de forma manifestamente excessiva, o direito de informar, em representação da associação e invadiu ilicitamente a esfera do direito ao bom nome das assistentes.

    14. – Verificam-se os pressupostos objetivos de que depende a sujeição das arguidas a julgamento pelo crime de difamação p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, do Código Penal.

    15. – A decisão recorrida violou, expressamente, os artigos 180.º n.º 1 e 183.º, n.º 2, do C.P. e o art.º 26.º da C.R.P.

      Nestes termos e nos demais de direito que V/ Exias. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o despacho de fls… e substituído por outro que admita a acusação particular deduzida a fls. 108, na parte em que imputa às arguidas a prática de um crime de difamação p. e p. nos termos do art.º 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, do Código Penal, e que designe dia, hora e local para a audiência, assim se fazendo JUSTIÇA!» 3.

      A Exma. Procuradora-Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, entendendo que no texto em questão não é imputado qualquer facto nem existe formulação de juízo relativamente às assistentes, suscetíveis de ofender a sua honra, dignidade e consideração, pelo que o recurso deverá improceder, referindo ainda que relativamente à associação arguida não se encontra consagrada a sua responsabilidade criminal pela prática do crime de difamação, nos termos do art. 11º, n.º 2, do Código Penal, pelo que também nessa parte deve ser mantida a decisão recorrida.

  2. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, entendeu que o Ministério Público na primeira instância respondeu de forma clara e cabal, analisando detalhadamente e com muito acerto as questões levantadas, concordando inteiramente com essa posição e com a defendida do despacho recorrido, porquanto, em suma, o teor do comunicado em causa não tem qualquer carga depreciativa, não se revela desrespeitoso para a recorrente, não se mostra eticamente censurável nem sequer deselegante, apresentando-se como uma simples informação insuscetível de censura penal, sendo incapaz de ofender a honra e a consideração de quem quer que seja, termos em que o recurso deve ser julgado improcedente.

  3. No âmbito do disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer resposta a esse parecer.

  4. Após exame preliminar, o processo foi presente à conferência, em conformidade com o disposto no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Sendo entendimento pacífico que o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [2], no caso presente, atentas as conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, a questão a decidir consiste em saber se a acusação particular, na parte em que foi rejeitada pelo despacho recorrido, é manifestamente infundada, por os factos nela descritos não constituírem crime, o que é pressuposto da sua rejeição ao abrigo do art. 311º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d), do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os demais preceitos citados sem qualquer menção.

  5. O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição, na parte relevante para a apreciação do recurso): «O Tribunal é competente.

    Não há nulidades.

    *** As assistentes I. M. e M. V. requereram, em processo comum e Tribunal Singular, o julgamento de Associação VCUPV, M. P. e M. C.

    , imputando-lhes a prática de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180º e 183º, nº 2, do Código Penal (cfr. fls. 104/107).

    * O Ministério Público não acompanhou a acusação particular no que à imputação daquele crime diz respeito (cfr. fls. 122/123).

    * Conforme resulta do artigo 11º, nº 1, do Código Penal, salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são suscetíveis de responsabilidade criminal.

    Ora, do elenco de crimes previstos no nº 2 do citado artigo, não consta o crime de difamação, agravado ou não, nem está especialmente prevista noutra lei a responsabilidade das pessoas coletivas pela prática daquela infração, pelo que é manifesto que a acusação particular deverá ser rejeitada quanto à Associação VCUPV, nos termos do artigo 311º, nº 2, alínea a) e nº 3, alínea d), do CPP.

    * Dispõe o artigo 180º, nº 1, do Código Penal: “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.” Na verdade, o artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra, entre outros direitos de personalidade, o direito ao “bom nome e reputação”.

    A tutela penal desse direito é assegurada, em primeira linha, pelos artigos 180º e 181º do Código Penal, que, na descrição típica, utilizam a expressão “ofensivos da honra e consideração”.

    E percebe-se porquê.

    Na verdade, e como referia BELEZA DOS SANTOS, “ a honra e consideração demoram anos a construir e a estabilizar, enriquecem-nos como pessoas, e quando são destruídas, demoram, por vezes, outros tantos anos a recuperar” ("Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria" in Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 92 e 95).

    No sentido de se apreender o bem jurídico tutelado, não se pode prescindir de definir o conceito de “honra”.

    A honra reporta-se, essencialmente, ao sentimento de autoestima, de dignidade subjetiva ou, por outras palavras, à imagem que o indivíduo tem de si mesmo; enquanto que a consideração designa a reputação, a boa fama e a estima de que o indivíduo é merecedor por parte da comunidade na qual se insere (Código Penal Anotado, Simas Santos e Leal-Henriques, 2º Volume., 2000, Lisboa, Rei dos Livros, p. 469).

    Segundo ainda o ensinamento de BELEZA DOS SANTOS, Algumas considerações sobre crimes de difamação e injúria, Revista de Legislação e Jurisprudência 92º, pp. 164, “a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que...

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