Acórdão nº 142/14.5TBMTR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução22 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO I.

    - A S, representada pela Junta de Freguesia, com sede na Rua do Outeiro, em S, Montalegre, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra P, residente na Rua do Quartel, n.º …, daquela freguesia, pedindo a condenação do Réu a: 1.

    Reconhecer que entre a extrema Sul do prédio urbano de sua propriedade, inscrito na matriz predial da freguesia de S sob o n.º … e o prédio rústico da mesma freguesia, inscrito com o n.º …, existe um caminho público com um comprimento aproximado de 20 metros e com cerca de 2,70 metros de largura; 2.

    Reconhecer que tal caminho se encontra sob a administração da Junta de Freguesia local e, em consequência, não detém o réu sobre o mesmo qualquer direito de propriedade; 3.

    Abster-se da prática de qualquer acto que, por qualquer meio e de qualquer forma, vise impedir, obstar ou dificultar a circulação de pessoas e animais, alfaias agrícolas e veículos, motorizados ou não, no mencionado caminho público.

    Alegou para o efeito, e em síntese que, na área territorial de S, existe, desde tempos imemoriais, um caminho público, perpendicular à Rua do Quartel, que liga esta rua à Rua da Ribeira Brava, que serve e sempre serviu a população da freguesia no acesso aos terrenos ali existentes e que sempre por ali transitaram pessoas e animais, alfaias agrícolas e veículos.

    O referido caminho passa entre o prédio urbano propriedade do Réu e o prédio rústico com o n.º …, com um comprimento aproximado de 20 metros e uma largura de cerca de 2,70 metros.

    Alegou ainda a Autora que, em 2010, o Réu adquiriu o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Santo André sob o n.º 301, o qual confina, do lado Sul, com o dito caminho, sendo então aí visíveis sebes delimitadoras do prédio. Porém, cerca de dois anos após a aquisição, em meados de 2012, o réu retirou as referidas sebes e estacionou naquele caminho uma carrinha e, depois, em Dezembro de 2012, colocou entre a sua casa e o armazém do prédio contíguo uma barreira de pedras a toda a largura do caminho, impedindo dessa forma a circulação. Com vista à restituição da posse do referido caminho, ela, Autora intentou a providência cautelar que correu termos neste Tribunal, sob o n.º 159/13.7TBMTR, na qual veio a ser dada como demonstrada a existência do caminho público, tendo sido apenas por razões de natureza formal que a dita providência cautelar improcedeu.

    Finalmente, alegou ainda a Autora que, já no decurso do ano de 2014, o Réu voltou a colocar uma barreira de pedras com o propósito de impedir a circulação pelo supramencionado caminho.

    Regularmente citado, o Réu apresentou contestação, apresentando defesa por excepção e por impugnação.

    Por excepção arguiu a ilegitimidade activa porquanto a Autora nunca deliberou no sentido de instaurar a presente acção e o seu Presidente não ter, por si só, legitimidade para o efeito.

    Por impugnação, o Réu defende-se negando a existência do dito caminho público no local indicado pela autora e afirmando que o seu prédio confronta, a Sul, directamente com o prédio rústico inscrito no artigo …, de Olinda Mourão, estando tal estrema assinalada por dois marcos de pedra.

    Mais alega que antes da abertura da Rua da Ribeira Brava, em finais da década de 70, a Rua do Quartel seguia no sentido Norte-Sul, passando em frente ao seu prédio e ao armazém de Olinda Mourão e, uns metros mais à frente, inflectia para Nascente, seguindo numa extensão de cerca de 100 metros, sendo esse o caminho que dava acesso às várias parcelas de terreno que ali existiam.

    Na construção do quartel da Guarda Fiscal que existia no seu prédio, o proprietário da parcela teve de salvaguardar uma servidão de passagem, com cerca de 2,5 metros, para aceder ao resto da parcela que se estendia a partir das traseiras do Quartel, numa extensão de 130 metros, e a plantação da dita sebe foi feita pelos soldados daquela Guarda Fiscal, com vista a protegerem o Quartel, nunca tendo tido qualquer intenção delimitadora do prédio.

    O uso dado por outros proprietários à referida servidão era feita por mera tolerância do proprietário, sendo que os antepossuidores e proprietários do prédio sempre lavraram e semearam o terreno por onde se passava, sem que alguma vez alguém se tenha oposto a tais actos.

    Por outro lado, sustentou o Réu que, com a construção da Rua da Ribeira Brava, as parcelas servidas pela dita Rua do Quartel ficaram cortadas e passaram a beneficiar de um acesso melhor, o que fez com que aquela Rua do Quartel ficasse parcialmente sem uso e fosse absorvida pelos proprietários das parcelas que servia.

    Finalmente, alegou o réu que o percurso pela passagem pelo seu prédio é inferior apenas em 15 metros em relação ao trajecto que se faça pela Rua dos Poços e pela Rua da Ribeira Brava até ao ponto de confluência com o seu prédio, sendo, por isso, irrelevante o encurtamento de distâncias.

    Concluiu pugnando pela procedência da excepção de ilegitimidade e pela sua absolvição da instância ou, não sendo este o entendimento, pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

    Foi proferido despacho saneador que, conhecendo da excepção dilatória da ilegitimidade activa invocada pelo réu, julgou-a improcedente.

    Os autos prosseguiram depois os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando totalmente procedente a acção: 1.

    Condenou o réu P a reconhecer que entre a estrema Sul do seu prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Montalegre, sob o n.º …, registado a seu favor e o prédio rústico da mesma freguesia, inscrito na matriz predial sob o n.º … existe um caminho público com o comprimento de 22,50 metros e 2,70 metros de largura.

    1. Condenou o réu P a reconhecer que tal caminho se encontra sob a administração da Junta de Freguesia e que não detém o Réu sobre o mesmo qualquer direito de propriedade.

    2. Condenou o réu P a abster-se da prática de qualquer acto que, por qualquer meio e de qualquer forma, vise impedir, obstar ou dificultar a circulação de pessoas e animais, alfaias agrícolas e veículos, motorizados ou não, no mencionado caminho público.

    Inconformado, traz o Réu o presente recurso pedindo que seja julgada procedente a excepção de incompetência absoluta, que argui em sede de recurso, por violação das regras de competência em razão da matéria, com as consequências daí decorrentes, ou seja revogada a decisão que impugna e seja substituída por outra que decida consoante o que alega.

    Contra-alegou a Autora propugnando pela improcedência da excepção invocada pelo Réu e para que se mantenha a decisão.

    O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.

    Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre apreciar e decidir.

    ** II.

    - O Réu/Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões: Segunda: São os seguintes os fundamentos do presente recurso: A – Incompetência absoluta do Tribunal, por infracção das regras de competência em razão da matéria.

    B – Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto – pedido de reapreciação da prova gravada.

    C – Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de direito – violação de normas jurídicas.

    Terceira: Como tem sido reafirmado pelo Tribunal dos Conflitos, e é pacífico na doutrina e na jurisprudência, a competência afere-se face ao pedido e à causa de pedir, ou seja, pelo quid disputatum e não pelo quid decisum. A competência do Tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes, nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos da pretensão - cf. Professor A. Reis, in “Comentário ao CPC”, 2.º vol. 375; Prof. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1.º, p. 88; e, por todos, o Acórdão do Tribunal dos Conflitos proferido no processo n.º 11/06, de 04.07.2006. Logo, a questão da competência material para conhecer da presente acção e, consequentemente, a definição da jurisdição competente para a mesma, apenas terá que ser analisada à luz da pretensão da autora, aqui recorrida.

    Quarta: A recorrida, pessoa colectiva de direito público, pretende com a presente acção a salvaguarda de um bem alegadamente do domínio público, existente na área da sua circunscrição territorial. Pretende que ao caminho em causa nos autos seja reconhecida a qualidade de bem do domínio público, condenando-se o réu a reconhecer que entre a extrema Sul do prédio urbano de sua propriedade, inscrito na matriz predial da freguesia de S sob o n.º … e o prédio rústico da mesma freguesia, inscrito com o n.º …, existe um caminho público com um comprimento aproximado de 20 metros e com cerca de 2,70 metros de largura; a reconhecer que tal caminho se encontra sob a administração da Junta de Freguesia local e, em consequência, não detém o réu sobre o mesmo qualquer direito de propriedade; e a abster-se da prática de qualquer acto que, por qualquer meio e de qualquer forma, vise impedir, obstar ou dificultar a circulação de pessoas e animais, alfaias agrícolas e veículos, motorizados ou não, no mencionado caminho público.

    Quinta: “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” - artigo 211.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 64.º do Código de Processo Civil). Consequentemente, tendo os Tribunais comuns uma competência residual, a presente acção só cairá na competência dos Tribunais judiciais, se não for da competência de uma outra ordem jurisdicional.

    Sexta: Como regra, “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas …” – artigo 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e artigo 1.º, n. º 1 do Estatuto dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT