Acórdão nº 942/12.0TAFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelALDA CASIMIRO
Data da Resolução23 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, Relatório No âmbito do processo comum (Tribunal Singular) com o nº 942/12.0TAFAF que corre termos no Juízo Local Criminal de Fafe (J1) do Tribunal da Comarca de Braga, em que é arguido, R. F.

, divorciado, operário da construção civil, nascido a … em Fafe, filho de A. F. e de F. N., residente em França, foi declarado extinto o procedimento criminal.

* Sem se conformar com a decisão, o Ministério Público interpôs o presente recurso pedindo que se revogue a sentença recorrida e se substitua a mesma por outra que, não declarando extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido R. F., conheça do mérito da acusação pública deduzida nos autos, considerando a prova produzida em sede de audiência de julgamento, julgue como provados todos os factos que aí lhe são imputados, condenando, a final, o arguido pela prática de três crimes de violação da obrigação de alimentos, infracção prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 250º, nº 3, 14º e 26º, todos do Código Penal.

Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:

  1. Não foi o Tribunal a quo capaz de discernir que a dedução de um incidente de incumprimento das responsabilidades parentais referente ao incumprimento das prestações de alimentos devidos a filhos menores não constitui um pedido de indemnização civil e que, nessa medida, não está sujeita à disciplina regulada no artigo 72º do Código de Processo Penal.

  2. E que não o sendo, também não lhe é aplicável o regime de renúncia ao direito de queixa previsto no nº 2 do referido normativo.

  3. O incidente de incumprimento das responsabilidades parentais referente ao incumprimento das prestações de alimentos devidos a filhos menores encontrava-se, à data dos factos aqui imputados ao arguido, regulado nas disposições conjugadas dos artigos 181º e 189º da Organização Tutelar de Menores (O.T.M.).

  4. O mecanismo previsto no artigo 189º da O.T.M. ocupa-se da cobrança coerciva da prestação de alimentos através de meios que usualmente se designam de pré-executivos, no sentido de que têm em vista tornar efectiva a prestação de alimentos à margem de uma execução de alimentos propriamente dita, e não no sentido de que necessariamente a precedem.

  5. Com a dedução do referido incidente apenas é peticionado ao Tribunal que reconheça a existência do incumprimento e, eventualmente e caso seja possível, desencadeie os mecanismos de efectivação da respectiva obrigação de prestação alimentícia previstos no artigo 189º da O.T.M..

  6. Tanto assim é que, na decisão que recaiu sobre o incidente de incumprimento em causa nos autos (à semelhança do que acontece em todos os outros), o Tribunal limitou-se a julgar verificado o respectivo incumprimento por parte do aqui arguido, determinando, num momento ulterior, o desconto no seu vencimento das prestações alimentícias futuras acrescido de um valor respeitante às que se encontravam em dívida.

  7. Em tal incidente não foi, assim, deduzido qualquer pedido de indemnização civil nem atribuída qualquer indeminização.

  8. A progenitora, aqui assistente, limitou-se a diligenciar pela efectivação de um direito que nem sequer é próprio (pertence às filhas menores) e é irrenunciável.

  9. O mesmo se diga em relação à acção executiva ulteriormente proposta pela aqui assistente contra o arguido, relativa aos referidos montantes em dívida a título de prestação alimentícia.

  10. A acção executiva (neste caso na modalidade de pagamento de quantia certa) não constitui um pedido de indemnização civil mas um mero meio legal de cobrança coerciva de montantes decorrentes de uma obrigação pré-existente, sendo certo que, no caso em apreço, o título executivo é o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e a respectiva sentença homologatória.

  11. É jurisprudencialmente unânime que o “pedido” a que se refere o nº 2 do artigo 72º do Código de Processo Penal é tão só e apenas o “pedido de indemnização civil” regulado no número n° do mesmo normativo, mais especificamente na sua alínea c), ou seja, quando o procedimento criminal depender de queixa ou acusação particular.

  12. Uma vez que a circunstância da assistente ter suscitado no Tribunal de Família e Menores o competente incidente de incumprimento da obrigação de alimentos não constitui a dedução de nenhum pedido de indemnização civil, não é aplicável ao caso o regime de renúncia ao direito de queixa, neste caso pela eventual prática do crime de violação de obrigação de alimentos, previsto no artigo 72º, nº 2, do Código de Processo Penal.

  13. Mal andou, por isso, o Tribunal a quo ao considerar que se verificava a circunstância prevista em tal normativo legal e, consequentemente, ao declarar extinto o procedimento criminal instaurado nestes autos contra o arguido R. F..

  14. Ao invés, deveria o Tribunal a quo conhecer do mérito da acusação pública deduzida nos autos e, considerando a prova produzida em sede de audiência de julgamento, julgar como provados todos os factos que aí lhe são imputados, condenando, a final, o arguido pela prática de três crimes de violação da obrigação de alimentos, infracção prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 250º, nº 3, 14º e 26º, todos do Código Penal.

  15. Ao decidir como decidiu, declarando extinto o procedimento criminal instaurado nestes autos contra o arguido R. F., violou o Tribunal a quo os artigos 72º e 116º, nº 1, do Código de Processo Penal, 181º e 189º da O.T.M. e 250º, nº 3, do Código Penal.

    * O arguido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e apresentando as seguintes conclusões: 1. As razões de discordância do Ministério Público em relação à douta sentença assentam, exclusivamente, numa questão de interpretação e semântica, mormente quanto ao conceito de “pedido de indemnização civil” a que se reporta o art. 72º nº 2 do Código de Processo Penal.

    1. Entende o Ministério Público que, quer a dedução do incidente de incumprimento das responsabilidades parentais referente ao incumprimento das pensões de alimentos devidas aos menores, quer a ação executiva ulteriormente instaurada (ambas antes da dedução da queixa crime) não consubstanciam a dedução de “pedido de indemnização civil” para efeitos do disposto no art. 72º nº 2 do Código de Processo Penal.

    2. Todavia a douta sentença não merece qualquer censura.

    3. Quer o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais (23-03-2012) quer a execução proposta posteriormente (26-09-2012) são anteriores à apresentação da queixa crime que despoletou o presente processo crime (14-11-2012).

    4. A interpretação restritiva operada pelo Ministério Público ao conceito de “pedido de indemnização cível” a que se reporta o art. 72º nº 2 do Código de Processo Penal é, salvo o devido respeito, singular, andando ao arrepio da maioria da doutrina e jurisprudência.

    5. Quer o incidente de incumprimento da obrigação alimentícia quer a ulterior acção executiva, ambos propostos em momento anterior à apresentação da queixa crime que despoletou os presentes autos, consubstanciam a dedução de “pedido de indemnização civil” para efeitos do disposto no art. 72º nº 2 do Código de Processo Penal, com a inerente renúncia ao direito de queixa.

    6. O incidente de incumprimento da obrigação alimentícia, do qual a ofendida, em representação dos menores, lançou mão em momento anterior à apresentação de queixa crime, pedindo não só o reconhecimento do montante em dívida mas também o acionamento do mecanismo de desconto previsto no art. 189º da OTM, consubstancia a dedução de pedido de indemnização civil para efeitos do art. 72º nº 2 do Código de Processo Penal (entendimento esse sufragado no Acórdão da Relação do Porto de 11-06-2014, CJ, tomo III, p. 252 e invocado na douta sentença) 8. O mesmo se passa com a execução movida pela ofendida contra o arguido em momento anterior à apresentação da queixa crime.

    7. Conforme resulta do douto entendimento vertido no Acórdão do TRL, de 10.2.1999, in CJ, XXIV, 1, 145 (in Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada (anotação 7 ao artigo 72º, página 219): “Também a apresentação simultânea de queixa-crime e de ação executiva para pagamento de quantia certa implica renúncia ao direito de queixa.” 10. Pelo que, socorrendo-nos destes doutos ensinamentos, forçoso é de concluir que, tal como entendeu o Tribunal a quo, a ofendida ao ter-se socorrido daqueles mecanismos de natureza cível para efetivar o seu direito (incidente de incumprimento da obrigação da prestação alimentícia e ação executiva) renunciou ao seu direito de queixa nos termos do art. 72º nº 2 do CPP.

    8. Consubstanciando aqueles mecanismos cíveis a dedução de pedido de indemnização civil para efeitos...

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