Acórdão nº 6101/15.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | EUG |
Data da Resolução | 19 de Outubro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I.
RELATÓRIO D. N.
, residente na Rua …, Barcelos, intentou a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra Companhia de Seguros A, SA., com sede no Largo …, Lisboa, Pirotécnica A, Lda., com sede em …, Ponte de Lima e J. S., residente no largo de …, Barcelos, pedindo a condenação da primeira Ré no pagamento ao autor da quantia global de 75.000,00 € (setenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação e até integral pagamento da quantia que se vier a liquidar em incidente de liquidação de sentença, a título de danos patrimoniais sofridos pelo Autor; caso o Tribunal entenda não dever ser condenada a primeira Ré, serem a segunda e terceiro réus condenados, solidariamente, no pagamento ao autor da quantia de 75.000,00 € a título de danos não patrimoniais e bem assim da quantia que se vier a liquidar em incidente de liquidação de sentença a título de danos patrimoniais e ainda os juros de mora calculados desde a citação até integral pagamento.
Alega, para tanto, que, no dia seguinte a uma festa, num ato de brincadeira entre amigos, procedeu ao lançamento do fogo de artifício que tinha ficado guardado, pelo fogueteiro, na casa paroquial a que tinham acesso, o qual não tinha estoirado na noite anterior devido a uma anomalia no fogo, que, aquando do lançamento da segunda bomba, houve uma explosão e que, devido ao fogo e ao seu mau acondicionamento e guarda, sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais que aponta.
A 1ª Ré Companhia de Seguros A contestou defendendo-se por exceção, invocando, desde logo, a sua ilegitimidade, por em causa estar um seguro facultativo, em que não é admissível a ação direta contra a seguradora, e por impugnação, negando factualidade alegada pelo autor.
Contestaram a 2ª Ré e o 3º Réu, Pirotécnica A, Lda. e J. S., imputando a culpa na produção do acidente ao autor e impugnando a sua culpa e, consequentemente, a invocada obrigação de indemnizar.
*Foi proferido despacho saneador onde se relegou para final o conhecimento das exceções invocadas pela 1ª Ré, Companhia de Seguros A, se fixou o objeto do litígio e se selecionaram os temas da prova.
*Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
* Foi proferida sentença a: - julgar admissível a demanda direta da Ré seguradora, para quem foi transferida a responsabilidade civil emergente dos danos causados a terceiro por sinistro decorrente da atividade de comércio de produtos pirotécnicos; - julgar ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, a: a) Condenar a Ré Companhia de Seguros A, S.A. a pagar ao autor D. N. a quantia de 43.500,00 € (quarenta e três mil e quinhentos euros), já deduzida da quantia de € 500,00 de franquia, quantia devida a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, contados desde a presente data e até efetivo pagamento; b) Condenar solidariamente os réus Pirotécnica A, Lda., e J. S., a pagar ao autor a quantia de 500,00 € (quinhentos euros), referente ao valor da franquia contratada no contrato de seguro celebrado com a 1ª Ré, acrescida de juros, contados desde a presente data e até efetivo pagamento.
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Relegar para liquidação de sentença, o montante devido a título de danos patrimoniais.
*A Ré Companhia de Seguros A apresentou recurso de apelação, que versa sobre matéria de facto e de direito, pugnando por que seja revogada a sentença e, em consequência, seja absolvida do pedido e, subsidiariamente, se julgue procedente a exceção da ilegitimidade passiva, convolando-se a posição da recorrente em interveniente acessória.
Formulou as seguintes CONCLUSÕES: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 1. Lê-se na petição inicial (arts. 23º e 24º): “No entanto, algum do fogo de artifício não estoirou, para espanto de todos os presentes, tendo referido o segundo réu, que era o fogueteiro, que o mesmo apresentava defeito, que não era a primeira vez que tal acontecia, sendo que depois procederia à devolução do mesmo.” 2. Lê-se na contestação da recorrente (art. 52º): “Antes de mais, a respeito da actuação do lesado, para os efeitos do disposto no art. 46º do CPC, a demandada aceita especificadamente as afirmações e confissões constantes dos referidos arts. 7, 19, 24, 25 (…) da petição inicial.” 3. Até pelas regras da experiência se pode concluir que se o fogo, electronicamente deflagrado, não estourou, porque a bomba estava desprovida de rastilho temporizador, é porque o mesmo apresentava defeito! 4. Mas para o que aqui até importa mais, o relevante é que o demandante sabia (!) e confessou que sabia (!) que o fogo que não estourou apresentava defeito e tinha de ser devolvido! 5. Aquela confissão efectuada pelo mandatário do demandante, no seu articulado, e especificadamente aceite pela demandada, tem de ter algum reflexo na matéria de facto julgada provada, nos termos do disposto no art. 46º do CPC.
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Assim sendo, ainda que não se considere provado que o fogo apresentava defeito, devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: “O fogo que não estoirou apresentava defeito.” “O autor sabia, pelo fogueteiro, que o fogo apresentava defeito, que não era a primeira vez que tal acontecia, sendo que depois procederia à devolução do mesmo.” DO DIREITO DE ACÇÃO DIRECTA – DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA RECORRENTE 7. O direito de acção directa do lesado contra a seguradora é uma prerrogativa especial dos seguros de responsabilidade civil obrigatórios – cfr. nº 1 do art. 146º da LCS (Lei do Contrato de Seguro – DL 72/2008, de 16 de Abril).
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Aquele regime vem regulado, precisamente, na subsecção “Disposições Especiais de seguro obrigatório”, na secção “ Seguro de Responsabilidade Civil” do Título II do Diploma “Seguros de Danos”. A interpretação sistemática da norma não poderá levar a qualquer outra conclusão: o direito de acção directa está reservado ao lesado no âmbito dos sinistros cobertos por seguros de responsabilidade civil obrigatórios, a não ser que o próprio contrato de seguro preveja situação distinta (o que não é o caso do contrato dos autos) – vd. nº 2 do art. 140º da LCS; “O contrato de seguro pode prever o direito de o lesado demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado”.
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Por outras palavras, como já alegado na contestação, a ora recorrente não tem legitimidade passiva, excepção dilatória que expressamente se invoca para todos os legais efeitos.
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Poderia, eventualmente, ser a recorrente admitida a intervir nestes autos mas apenas e só na qualidade de interveniente acessória, como previsto no nº 1 do art. 321º do CPC; “O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal”.
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Debruçando-se sobre a presente questão, e fazendo, com o devido respeito, “tábua rasa” do legalmente previsto no mencionado art. 140º da LCS, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão da seguinte forma: “Atenta a natureza do contrato de seguro de responsabilidade civil, assumidamente concebido como um contrato a favor de terceiro (art. 444º, do Código Civil), a seguradora obriga-se para com o lesado a satisfazer a indemnização devida, ficando aquele com o direito de demandar diretamente a seguradora, ou o segurado, ou ambos, em litisconsórcio voluntário. Perante o lesado, segurado e seguradora são solidariamente responsáveis, nos termos do art. 497º do Código Civil, pelo que o segurado não fica desonerado perante o terceiro (lesado) por virtude da existência de um contrato de seguro. Na verdade, pelo contrato de seguro apenas se transferiu o pagamento do quantum indemnizatório para a seguradora, mas não a responsabilidade jurídica pelo evento.
Ao passo que no seguro obrigatório o lesado tem de demandar obrigatoriamente a seguradora, e só esta se o montante da indemnização reclamada couber no capital seguro, no seguro facultativo constitui uma faculdade concedida ao lesado, o recurso à ação direta da seguradora.
E foi neste quadro normativo que o autor a par dos responsáveis civis demandou (conjuntamente) a seguradora, para quem foi transferida a obrigação de indemnizar terceiros, até determinado montante, pelos danos invocados.
Em reforço do que se vem de dizer, e vem espelhado na ação, é manifesto o interesse da Ré seguradora em contradizer o alegado nos autos, pois demonstrada a responsabilidade da sua segurada deriva para ela a obrigação de pagamento do montante indemnizatório, até ao limite do capital seguro (1).
Assim, julgamos admissível a demanda direta da Ré seguradora para quem foi transferida a responsabilidade civil emergente dos danos causados a terceiro por sinistro decorrente da atividade de comércio de produtos pirotécnicos.” 12. Antes de mais, esclareça-se que, atento o disposto na LCS, nos seguros de responsabilidade civil obrigatórios (que não o automóvel), o sinistrado pode optar por demandar só o lesante, só a seguradora ou ambos, em regime de litisconsórcio voluntário passivo.
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Isto posto, recordando que o contrato dos autos não é um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória, o regime a aplicar será, sempre, o previsto na LCS e não o que resulte da interpretação de normas previstas no CC ou no CPC, atenta a natureza especial da LCS.
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Em anotação ao art 140º da LCS, (LCS Anotada, Pedro Romano Martinez, Leonor Cunha Torres e outros, Almedina, 2009, p. 405), José Vasques esclarece o seguinte: “O facto de a própria lei remeter para o contrato o direito de o lesado demandar directamente o segurador evidencia a natureza excepcional da possibilidade de o credor demandar o devedor do seu devedor (…) Ainda quando inexista previsão contratual da acção directa, a lei admite que o lesado possa demandar directamente o segurador quando ocorram cumulativamente os seguintes requisitos: que o segurado...
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