Acórdão nº 158/11.3TBMDR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução04 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O autor H. M.

instaurou, em 22-11-2011, no Tribunal de Miranda do Douro, acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra a ré C. P..

Formulou o pedido de que, julgando-se provada e procedente a acção, em consequência seja esta condenada: 1. A restituir-lhe a quantia de 254.343,44 €; 2. A pagar-lhe juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Invocou, como causa de pedir: incumprimento pela ré da sua obrigação de restituir-lhe quantia com que enriqueceu sem para tal ter havido causa justificativa (artº 473º e sgs. CC).

Alegou, como fundamentos, em síntese, na petição, que, depois de terem vivido desde finais de 1990 em união de facto, casaram civilmente em 17-04-1993 (vindo a divorciar-se por sentença de 19-05-2010). O autor estava divorciado do seu primeiro casamento, deste havendo um filho. Só por isso, autor e ré decidiram e acordaram celebrar (formalmente) convenção antenupcial nela tendo optado pelo regime de separação de bens (escritura de 16-04-1992), “a fim de que o património que o casal viesse a constituir após o seu casamento ficasse resguardado das consequências desse primeiro matrimónio e da filiação envolvente”, pois, embora nenhum deles tivesse qualquer imóvel, foi seu (verdadeiro) “propósito constituírem entre si uma comunhão patrimonial no interesse comum e a benefício de ambos e da família que decidiram formar” já que, além daquele referido motivo, nada os determinava ou “entre si os levava afastarem o regime legal supletivo de comunhão de adquiridos que entendiam ser o que melhor se ajustava à sua efectiva vivência e expectativas como casal”.

Por tal razão e “com base na confiança existente entre ambos, acordaram que o património que viesse a ser adquirido após o casamento fosse atribuído ao uso e ao interesse patrimonial de ambos, como se o regime matrimonial que efectivamente vigorasse entre si fosse o de comunhão de adquiridos”. Nesse espírito e em plena confiança recíproca, “embora casados sob regime de separação de bens, ambos vinham assumindo, sem dúvidas ou reservas, que tudo que fossem comprando reverteria a benefício do casal” e acordaram que as despesas conjuntas seriam assumidas em comum. Assim, organizaram e desenvolveram a vida do casal, embora, pela razão apontada, os diversos actos e negócios realizados, mormente de aquisição de património, fossem, pelo mesmo motivo que os determinou a convencionar a separação de bens, sendo apenas titulados em nome da ré, como sucedeu quanto à constituição da sociedade “B.” (através da qual ambos “acharam prudente «ocultar» o verdadeiro património do A.”), aquisição de veículos e de imóveis e arrendamento.

O autor, “ao longo dos anos da sua vida em comum” com a ré, foi alicerçando “a convicção de que estaria a construir um património comum com a A e que, não obstante o regime patrimonial que haviam estabelecido para as suas relações patrimoniais por interesse de ambos, não estaria jamais em causa o seu justo direito a partilhar a universalidade dos bens que foram alcançando, mesmo que sob a titularidade da Autora” [rectius: ré].

A relação, porém, foi-se deteriorando e rompeu-se, acabando a ré por se arrogar “como sendo a única dona e legítima possuidora de todos os bens adquiridos pelo esforço do casal após o seu casamento mas com especial contributo do A.” (que suportou elevados montantes na aquisição de bens, como imóveis e viaturas, na satisfação de despesas, pagamento de passivos “injectando em benefício comum elevados montantes em dinheiro”) e negando-se a colocar os bens em nome dos dois ou a restitui-los “na parte que a este caberia”, desonrando o verdadeiro acordo e os “motivos de interesse comum” que nortearam o procedimento de ambos, a pretexto da referida titularidade e sendo certo que não existe “qualquer documento de suporte” da aludida “confiança”. Aliás, a ré apregoa “que todo o património adquirido durante a vida em conjunto com o A. é apenas seu, dele não tendo que devolver nada ao A. ou sobre fazer contas”.

Assim, já depois de instaurada a acção de divórcio, o autor intentou, contra a ré, uma outra acção declarativa na qual peticionou a nulidade, por simulação, de alguns (ali identificados) negócios aquisitivos em nome da ré (celebrados com terceiros) e sua convalidação como adquiridos em compropriedade por ambos, nela invocando complementarmente o enriquecimento sem causa.

Porém, tal acção soçobrou por se haver nela entendido não estar demonstrado o “pactum simulationis” entre os respectivos outorgantes (apesar do acordo simulatório entre autora e ré, mormente relativo à opção pelo convencionado regime de separação determinada pela existência do filho do primeiro matrimónio, conforme ali foi dado como provado) e por se considerar não poder ser nela conhecido o eventual enriquecimento por não estar formulado pedido concomitante.

Daí que “não resta ao autor, na defesa da sua justíssima pretensão, outro caminho que não seja o de trilhar a senda judicial que lhe foi imposta” e, assim, enveredar pela presente acção “ao abrigo das regras do enriquecimento sem causa”, para obter a restituição daquilo com que a ré se locupletou, pois não há “outro meio” nem “qualquer outra fonte de obrigação de restituir” senão aquela.

Com efeito, o enriquecimento da ré “não assentou em qualquer causa justificativa”, não houve contrato de compra e venda, doação, de mútuo ou qualquer outro causante das deslocações patrimoniais; “não se perfila acrescidamente viável” pretender a declaração de nulidade ou anulabilidade da convenção antenupcial “que formalmente viria a permitir a situação de enriquecimento ilegítimo”, “seja por força da caducidade, seja pela regra da sua imutabilidade fundada nos princípios da segurança jurídica e da protecção de terceiros de boa-fé”; além disso, improcedeu a dita acção de simulação; Arrolou, de seguida, valores – no mínimo somando o do pedido – com que, a diversos títulos, “no respeito deste compromisso e na convicção de que o mesmo seria respeitado pela Ré” (o de que tudo se passaria como se vigorasse o regime matrimonial de comunhão de adquiridos), contribuiu com dinheiro na maior parte seu para o “património comum” (veículos, imóveis, obras, rendas, actividade comercial, etc.) e com que a ré enriqueceu (e ele empobreceu) mas se recusa a compensar.

Juntou documentos.

O réu foi citado em 24-11-2011.

Na sua contestação, excepcionou: -a prescrição do direito alegado pelo autor (artº 482º, CC), pugnando pela absolvição do pedido; -a “inaplicabilidade” do instituto do enriquecimento sem causa invocado como causa de pedir, dada a sua natureza subsidiária, alegando que a lei faculta ao autor outros meios para sustentar e realizar a sua pretensão, quais sejam o processo de inventário e/ou a acção especial de prestação de contas, defendendo a absolvição da instância; -violação do princípio da boa-fé processual e do abuso de direito, por o divórcio ter sido decretado com fundamento na culpa exclusiva do autor (violação de deveres conjugais) e na acção se terem provado factos a tal respeito contrários aos pelo autor alegados nesta e, assim, ele agir em venire contra factum proprium.

E impugnou, quiçá motivadamente, a maior parte da factualidade alegada, dizendo que, a conselho de seus pais, nunca teve intenção de constituir qualquer comunhão conjugal, uma vez que, ao contrário dela, o autor não tinha quaisquer bens próprios à data do casamento e sempre quis separar as questões patrimoniais das sentimentais, nada tendo a ver a convenção antenupcial celebrada com a questão do filho dele, do anterior casamento. O autor praticamente nunca contribuiu para as despesas, pois não auferia rendimentos para tal, valendo-se do seu ordenado de professora e ajudas dos pais e outros familiares para pagar as despesas necessárias. Concluiu, culminando exposição diametralmente oposta à da autora, que não houve atribuições pelo autor com que enriquecesse nem empobrecimento dele, pelo contrário, pelo que, caso não procedam as excepções alegadas, deve improceder a acção e ser absolvida do pedido.

O autor replicou, refutando as excepções (percutindo que, atento o regime matrimonial de separação de bens, nunca lograria obter a restituição das quantias pedidas por via do inventário e/ou da prestação de contas) e a tese fáctica alegada pela ré, juntando mais documentos.

Na audiência preliminar, determinou-se a junção aos autos de certidão da aludida acção de simulação e, após contraditório, proferiu-se saneador, no qual, além do mais, foi julgada improcedente a excepção de prescrição, se relegou para a decisão final o conhecimento da excepção de inaplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa (a pretexto de ser matéria de direito), bem como a de violação do princípio da boa-fé processual e do abuso de direito (por falta de elementos de facto), tendo-se, acto contínuo, procedido à selecção dos factos assentes e enumeração na base instrutória dos controvertidos, com reclamação parcialmente atendida.

Apresentados os meios de prova, designou-se e, após adiamentos e junção de vasta documentação, realizou-se a audiência de julgamento, em várias sessões, nos termos e com as formalidades descritas nas actas respectivas, no seu decurso tendo sido tomados os depoimentos de ambas as partes (nada, segundo a acta respectiva, resultando confessado), inquiridas diversas testemunhas e juntos inúmeros documentos, finalizando-se com a apresentação de alegações escritas, nas quais cada uma das partes defendeu estar assente a tese fáctica e jurídica já antes por si preconizada.

Por fim, com data de 18-09-2016, foi proferida a sentença (fls. 1357 a 1395-5º volume) que culminou na seguinte decisão: “[…] julgo a presente acção parcialmente procedente e provada, nos termos sobreditos e, consequentemente, condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia global de 127.193,18 € (cento e vinte e sete mil cento e noventa e três...

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