Acórdão nº 1108/14.0TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | PEDRO DAMI |
Data da Resolução | 04 de Outubro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
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RELATÓRIO.
Recorrente(s):- D. S.
; Recorrido(a)(s):- A. C., M. A. e M. C.,*A. C., M. A. e M. C.
intentaram a presente acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum, contra D. S.
, formulando o seguinte pedido: «a) Deve declarar-se nulo ou anulável o testamento supra identificado, lavrado em 09 de Agosto de 2007, no Cartório Notarial de A. C. C., que instituiu a ré como única herdeira testamentária, da quota disponível da testadora E. M., com todas as devidas e legais consequências; b) Deve a ré ser condenada no pagamento das custas, procuradoria condigna e demais encargos legais».
Invocam, para tanto e em suma, que, na sequência de um quadro clínico de degeneração neurológica, inerente à de doença de “Alzheimer” de que padecia e que lhe foi diagnosticada em 2003, E. M. foi, paulatinamente, perdendo as suas capacidade intelectuais e volitivas, até que, a partir de Janeiro de 2007, se tornou incapaz exprimir, de modo livre e esclarecido, a sua vontade, tendo sido neste estado de ausência da capacidade de querer ou entender o sentido ou conteúdo dos actos por si praticados, que veio a outorgar o testamento acima identificado.
*Citada, contestou a Ré, impugnando (por oposição e motivadamente) a versão carreada pelos Autores, concluindo no sentido de que, aquando da outorga do referido testamento, a testadora (já falecida) achava-se capaz de compreendeu o teor e o alcance das declarações que, de forma consciente e esclarecida, ali proferiu, mais tendo actuado desse modo, com o propósito de compensar a Ré pela dedicação que esta lhe demonstrava.
*Dispensado o saneamento dos autos, a delimitação do objecto do litígio ou fixação de temas da prova, foi designada data para audiência final, a qual decorreu com observância das formalidades legais.
*Na sequência foi proferida a seguinte sentença: “V – DECISÃO Pelo exposto, julgando a presente acção totalmente procedente, por provada, declaro ANULADO o testamento efectuado, no dia 09 de Agosto de 2007, por E. M., no Cartório Notarial de A. C. C. e que aí se acha exarado de fls. 34 a 34 (verso), do livro de Testamentos n.º 3-T, mais se condenando a ré D. S. a suportar a totalidade das custas processuais.
*É justamente desta decisão que a Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “- a sentença recorrida violou o disposto nos nº 2 do arts. 2308, nº 3 e art. 333 ambos do CC, ao não tomar conhecimento oficioso da caducidade do direito dos AA. requererem a anulabilidade da escritura do testamento.
- caducidade que e sempre para os devidos efeitos legais e por agora em tempo e por cautela se invoca.
-E sendo que se e na eventualidade de se entender que os factos não são suficientes para determinar tal caducidade, deve ordenar a repetição do julgamento com a ampliação da matéria de facto que entender necessário para tal; - violou ainda o Tribunal a quo o disposto nos arts. 86º, nº4 e 88º do Reg. da Ordem dos Médicos que determina que o segredo médico, ao tomar conhecimento e conferir poder de prova às declarações prestadas pela médica da testadora, sem a devida autorização da competente Ordem dos Médicos.
- e em consequência violou o disposto no art. 135º do CPP, ao não dar o respectivo seguimento para a resolução de tal questão.
- violou ainda o disposto no art. 98º do mesmo Reg. ao aceitar como atestados médicos emitido, um pelo menos, ainda em vida da testadora, à revelia do que nesse art. se estipula sobre o conteúdo de tais atestados.
-- e tendo presente que é sempre em primeiro lugar ao presidente da Ordem dos Médicos que compete ao abrigo do art. 73º do dito regulamento se os elementos clínicos constituem matéria sujeita a sigilo médico e consequentemente são de natureza inviolável.
- só após e em caso de negação é que o Tribunal de Primeira Instância se pronunciará sobre a quebra justificada do sigilo.
- sob pena de se assim não for, o sigilo, não depender da Ordem dos Médicos, mas ser apenas e tão só um formalismo ao sabor das convicções pessoais dos Juízes; - tendo em vista que é o próprio Tribunal a fixar o momento em que a incapacidade da testadora deve ser aferida, e tendo presente a prova ou ausência dela, o Tribunal violou todos os arts. referentes à prova, à inversão do ónus da prova, nomeadamente o disposto nos arts. 341º, nº1, 344º e 347º do CC.
-Em consequência mal aplicou o disposto no art. 2199º do CC; - Deveria ter o Tribunal julgado improcedente a acção, nomeadamente com o fundamento de que os AA. não lograram provar que a testadora não tinha conhecimento perfeito ao tempo da escritura de testamento.
-Tanto mais que nem sequer o seu teor alvo de falsidade nos termos do art. 446º do CPC.
-No que concerne à matéria de facto, o Tribunal a quo mal julgou os pontos identificados em IV – fundamentação, deste recurso que pela sua extensão se dá aqui por reproduzido - e que de resto tem como razão primária a preferência injustificada da médica em relação ao Notário, abrindo o precedente que doravante os médicos terão sempre razão, por mais que o funcionário público ateste o contrário.
- Na preferência injustificada nos depoimentos dos AA. e suas testemunhas, tudo familiares e nada sabem da vivência da testadora com a Ré/Recorrente, porque nunca a foram visitar, em detrimento das testemunhas isentas da Ré que com ela conviveram no período em causa (…) - E das quais claramente resulta que o Tribunal a quo errou na apreciação das provas e na aplicação do direito.
Em consequência requer a revogação da sentença, substituindo-a por Acórdão de absolvição da Ré...”.
*Os Autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do Recurso.
*Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*II- FUNDAMENTOS O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
*No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar: 1. caducidade do direito de anular o testamento que deve ainda ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal- art. 2308º, nº 2; cfr. art. 333º do CC; 2. violação do segredo médico, ao admitir-se e valorar o depoimento da médica da testadora sem a devida autorização da Ordem dos Médicos.
3. (im) possibilidade de valoração dos atestados médicos por não cumprimento do disposto no art. 98º do Reg. da Ordem dos Médicos.
*4- Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento, devem: -considerar-se não provados os factos que a sentença de primeira Instância considerou como provados nos pontos 9, 10, 11, 14, 16 a 19, 22 a 24, 26 a 31, 33 a 36, 41 a 43 da sentença; -considerar-se provados os factos que a sentença de primeira Instância considerou como não provados nas alíneas c) e d) da fundamentação de facto.
invocando, além do mais, que: - existe violação dos artigos referentes à prova, à inversão do ónus da prova, nomeadamente do disposto nos arts. 341º, nº1, 344º e 347º do CC.
*6. saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pela(s) Recorrente(s), a presente acção tem de improceder.
*A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos: “A) FACTOS PROVADOS 1. Os autores A. C., M. A. e M. C. são filhos de J. C. e E. M.; 2. J. C. faleceu no dia 06 de Julho de 2006, no estado de casado com E. M.; 3. E. M. faleceu no dia 20 de Fevereiro de 2012, no estado de viúva de J. C.; 4. Para além dos autores, J. C. e E. M. tiveram um outro filho, de seu nome A. C., o qual faleceu no dia 12 de Junho de 1997; 5. A. C. deixou dois filhos que são netos das pessoas identificadas em 2): C. M. e P. C.; 6. C. M. e P. C. instauraram processo de inventário para partilha das heranças deixadas por J. C. e E. M., o qual corre os seus termos na Instância Local Cível de Vila Nova de Famalicão – Comarca de Braga sob o n.º 2959/12.6TJVNF; 7. No processo de inventário referido em 6), para além dos próprios requerentes e dos autores, é interessada a ré D. S. (viúva de A. C. e mãe de C. M. e P. C.), na qualidade de herdeira testamentária; 8. Por testamento outorgado a 09 de Agosto de 2007, no Cartório Notarial de A. C. C. e que aí se acha exarado de fls. 34 a 34 (verso), do livro de testamentos nº 3-T, E. M. declarou o seguinte:« (…) Que, por este testamento, o primeiro que faz, dispõe o seguinte: Institui herdeira da quota disponível da sua herança, sua nora, D. S. (…)»; 9. A falecida E. M. foi vítima de violência doméstica por parte de J. C., durante anos, após o regresso deste de França, para onde havia emigrado; 10. Em consequência do referido em 9), E. M. acabou por tombar numa situação de alcoolismo crónico, decorrente da dependência de bebidas alcoólicas; 11. No ano de 1996, E. M. sujeitou-se a internamento hospitalar para desintoxicação da adição referida em 10); 12. No ano de 1997, E. M. foi confrontada com a morte do seu filho A. C.; 13. Facto que, conjugado com os maus tratos que lhe continuavam a ser infligidos pelo marido; 14. Conduziu a que E. M. passasse a padecer de um estado de saúde física e psíquica débil, agravado pela recaída no consumo excessivo de bebidas alcoólicas; 15. Com o decurso do tempo, aliado ao seu envelhecimento, E. M. passou a evidenciar sintomas de doença mental, que se traduziam numa menor capacidade de discernimento para reger a sua pessoa e os seus bens; 16. Mostrava-se desorientada no tempo; 17. Evidenciava indiferença com a sua pessoa e os seus bens; 18. Denotava indiferença pelas outras pessoas e, em particular, pelos filhos; 19. O quadro descrito de 14) a 18) foi-se agravando até ao ano de 2003; 20. Em Novembro de 2003, E. M. passou a ser seguida em consulta de neurologia; 21. Em Dezembro de 2003, foi-lhe diagnosticada patologia demencial, em...
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