Acórdão nº 1964/14.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | SANDRA MELO |
Data da Resolução | 04 de Outubro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
I.
Relatório Nestes autos de ação declarativa sob a forma de processo comum, figura como Autora e ora recorrente subordinada: M. F., casada, residente na rua de …, Viana do Castelo, contribuinte n.º …, beneficiária da Segurança Social n.º … figura como Ré e ora recorrente independente: COMPANHIA DE SEGUROS A, S. A., pessoa coletiva n.º …, com sede na Av. da …, Lisboa.
A Autora, na petição inicial, formulou os seguintes pedidos: - que se condene a Ré a pagar á Autora a indemnização global líquida de € 23.352,48, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da ação até efetivo pagamento; - que se condene a Ré a pagar á Autora a indemnização que vier a ser fixada ulteriormente ou quantificada em incidente de liquidação.
Para fundar a sua pretensão, alegou, em síntese, que ocorreu acidente de viação que causou lesões corporais várias na pessoa da Autora e sequelas e sofrimentos vários que se traduzem em danos de natureza não patrimonial, que devem computar-se em valor não inferior a 10.000,00 €.
Resultaram também para a Autora perda de rendimentos do seu trabalho, impossibilidade de realizar tarefas domésticas diárias, diminuição do seu rendimento de trabalho e ainda a necessidade de auxílio de colegas de trabalho para a execução de tarefas que deixou de ser capaz de executar, apresentando uma incapacidade parcial permanente de 10 pontos no mínimo e a necessidade de se submeter a mais tratamentos.
Invocou ainda vários danos patrimoniais.
A Ré apresentou contestação, impugnando os danos invocados pela Autora e afirmando que estão excluídos do âmbito da garantia do seguro os danos materiais sofridos por esta, porquanto esta era transportada no momento do acidente pelo seu marido, que conduzia o veículo responsável pelo acidente, sendo de aplicar a exceção prevista no artigo 14º nº 2 alínea e) do DL 291/2007.
Conclui pedindo que se julgue a ação de acordo com a prova que venha a ser produzida.
Elaborou-se despacho saneador, procedeu-se à produção de prova, realizou-se a audiência final e proferiu-se sentença.
Por esta, julgou-se a ação parcialmente procedente e condenou-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 6.908,50 (seis mil novecentos e oito euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora legais que se vencerem, às taxas legal e supletivamente estabelecidas, a contar desde a citação da sentença até efetivo e integral pagamento.
Daquele montante, foi atribuído o valor de 3.000,00 € para a compensação da incapacidade de que a Autora passou a sofrer, que implica “esforços suplementares e que face a estes implicam uma repercussão direta sobre a capacidade de ganho da Autora em termos de autonomia e independência e atividades acrescidas (exercidas entre o trabalho e a habitação)”. Foi atribuído também o valor de 3.000,00 € para a compensação de danos não patrimoniais como as “dores, tratamentos, incapacidade parcial e permanente”. O restante valor da indemnização foi imputado a despesas medicamentosas, um par de óculos (este fixado no valor de 500,00 €) e perdas de vencimento durante o período de défice funcional temporário.
A Ré apelou, concluindo e alegando, em síntese: a) deve ser absolvida da parte do pedido correspondente ao valor de um par de óculos, fixado em 500,00 €, porquanto este dano, por ser material, está excluído da garantia do seguro nos termos do artigo 14º nº 2 alínea e) do DL 291/2007; b) visto que se não demonstrou que a A sofrerá no futuro qualquer perda de rendimentos, mas sim que pode exercer a mesma profissão, ainda que com esforços acrescidos, não é previsível qualquer perda patrimonial futura; por não existir qualquer dano patrimonial futuro deve ser revogada a douta sentença na parte em que condenou a Ré a pagar à A a esse título a quantia de 3.000,00€, afastando-se indemnização do dano biológico na vertente patrimonial, mas mantendo-se a indemnização deste dano biológico na vertente não patrimonial, no montante fixado na sentença (também 3.000,00 €), caso não seja atribuída qualquer outra indemnização fundada no dano biológico.
-
caso assim não se entenda, a verba atribuída a título de indemnização autónoma pelo dano biológico sofrido pela A deve ser reduzida para o valor de 1.500,00€, valor que se alcança recorrendo, como auxiliar da equidade, aos seguintes critérios coadjuvantes: a tabelas financeiras de cálculo de danos patrimoniais que se repercutam no futuro, a valores atribuídos noutras decisões judiciais em casos análogos, a critérios estabelecidos nas portarias 377/2008 e 679/2009 d) Caso seja mantida a decisão na parte em que atribuiu uma indemnização autónoma por dano biológico (e ainda que esta venha a ser reduzida), a compensação arbitrada pelos danos não patrimoniais deve ser reduzida para 1.500,00€, tendo em conta não pode ser indemnizada duplamente pelo mesmo dano, tendo em conta que as lesões decorrentes do acidente consistiram apenas em traumatismo torácico e abdominal, sem internamento em Hospital, nem em instituição médica, com alta no dia da admissão (pouco mais de quatro horas depois de ter dado entrada na urgência), que a Autora não foi sujeita a qualquer intervenção cirúrgica, tendo o processo de cura passado, apenas, por repouso e medicação analgésica, a consolidação médico-legal foi obtida 41 dias após o acidente, o quantum doloris é de 3/7 e não existe dano estético e as sequelas de que a A ficou portador implicam, apenas, dores intermitentes na coluna cervical, com reduzido compromisso da mobilidade e sem lesões documentadas.
A Autora contra-alegou e interpôs recurso subordinado.
Concluiu e alegou, em síntese: Deve ser fixada, em via de recurso, para ressarcimento do dano biológico, em virtude da incapacidade de que passou a padecer, quantia não inferior a 10.000,00 €, visto que o montante fixado é insuficiente.
Também deve ser fixada, para a compensação dos danos não patrimoniais sofridos, quantia não inferior a € 10.000,00, €, visto que o montante fixado é insuficiente.
Observaram-se os vistos.
II.
Questões a decidir O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.
Neste caso, importa analisar para decidir: 1. se o valor dos óculos é um dano material e se está da excluído da garantia do seguro; 2. da valoração bipartida do dano biológico como dano patrimonial e como dano não patrimonial; 3. do valor...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO