Acórdão nº 5237/16.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA PURIFICA
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

* - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.

RELATÓRIO A presente ação sob a forma comum foi intentada por M. T., NIF …, e C. T., NIF …, solteiros, maiores, residentes na rua …, Esposende contra COMPANHIA DE SEGUROS A, SA, NIPC …, com sede na rua …, Lisboa, pedindo seja a Ré condenada a pagar a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros vencidos no montante de € 1.221,92 (mil duzentos e vinte e um euros e noventa e dois cêntimos).

Para tanto, alegaram, em síntese, que: os Autores são filhos e únicos herdeiros de R. T., o qual faleceu a 02.05.2015, no estado de divorciado; à data do falecimento, vigorava o contrato de seguro celebrado entre o falecido e a Ré, onde se convencionou o pagamento de € 50.000,00 em caso de morte aos herdeiros daquele; interpelada a Ré a esse pagamento, recusou-se à sua satisfação, com o fundamento de que a situação de facto está integrada na exclusão de seguro, segundo a qual a morte derivou da ingestão de bebidas alcoólicas; no relatório de autópsia consta que o pai dos Autores apresentava a taxa de alcoolemia de 2,87 g/l + ou – 0,37 g/l; a morte resultou de acidente, não tendo o pai dos Autores praticado qualquer ato ou omissão que tenha sido causa da sua morte.

Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, a fls. 22 a 26, onde sustentou, em súmula, que a morte foi provocada pelas alterações neurológicas induzidas pela intoxicação alcoólica de 2,87 g/l, que levaram à queda do falecido, estando excluída, por isso, do âmbito do contrato de seguro contratado, face à disposição constante das Condições Especiais da apólice previstas no artigo 4º/1, a), d).

Os Autores apresentaram resposta, a fls. 44 a 47, na qual sustentaram que a morte não foi consequente da prática de atividade ilícita por parte do falecido, mas antes da atividade de locomoção e, para além do mais, que a cláusula onde se prevê a exclusão do seguro não foi informada àquele, nem quanto à sua existência, nem quanto ao seu significado.

Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo-se proferido despacho saneador, a fls. 50, que afirmou a validade e regularidade da instância. Selecionou-se o objeto do litígio e estabeleceram-se os temas da prova, a fls. 50/verso a 51/verso, em termos que não mereceram reclamação das partes.

Foi realizada a audiência de julgamento com observância do formalismo legal, como consta da ata respetiva, sendo que, no seu decurso, o Tribunal determinou o aditamento ao tema da prova relativo à comunicação do teor da condição especial atinente à exclusão de seguro, tendo facultado às partes que requeressem o que tivessem por conveniente (cf. fls. 68 a 71).

No final foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, julgo a ação totalmente procedente e, em consequência, condeno a Ré COMPANHIA DE SEGUROS A, SA, no pagamento aos Autores M. T. e C. T. da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros vencidos desde 10.02.2016 e vincendos até integral pagamento, às taxas de juros aplicáveis às transações comerciais.

As custas são da responsabilidade da Ré, por força do seu decaimento (cf. artigo 527º/1, /2, do C.P.Civ).

Valor da ação: o fixado a fls. 50.

Registe e notifique.

Dê pagamento à fatura de fls. 66, entrando, oportunamente, em regra de custas.

A ré descontente com a sentença apresenta recurso que termina com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso de apelação vem interposto da Douta Sentença que, julgando procedente a presente acção, condenou a Ré “Companhia de Seguros A, S.A” a pagar aos AA. a quantia de Euros 50.000,00 mais juros vencidos desde 10.02.2016 com aplicação das taxas de juros comerciais.

  1. Em síntese, o sinistro reclamado nos autos não se encontra coberto pela Apólice de seguro de vida grupo dos autos tendo em conta a Cláusula artº 4º Nº 1 d) das Condições Gerais da Apólice ou, em qualquer caso, por interpretação da Apólice no sentido de excluir a ingestão abusiva de bebidas alcoólicas em taxa superior à permitida por lei em termos de contraordenação ou crime de condução sob o efeito do álcool.

  2. Da prova produzida, documental e testemunhal, demonstrou-se que as alterações neurológicas induzidas pela intoxicação alcoólica de 2,87 g/l levaram à queda do falecido e não outro qualquer factor “acidental”, como refere o Tribunal.

  3. Ao contrário do entendido pelos Apelados, a morte do falecido R. T. não ocorreu independentemente da sua vontade pois foi causada por intoxicação alcoólica aguda, estado esse em que voluntariamente se colocou e de que conhecia os riscos – veja-se a referência a várias quedas na rua devido ao estado etilizado, cf. esclarecimentos ao relatório de autopsia fls.

    E também ao facto de já estar medicado para o alcoolismo.

  4. Com a presente Apelação pretende-se, então, a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por erro de julgamento, do ponto 9º.

  5. A MMª Juiz justifica o sentido de não provado com o argumento de que não se sabe como se desenrolou a queda do falecido R. T..

  6. Diz também que não se acompanha a tese da testemunha Dr. J. S., pois, que a queda pode ter sido provocada por qualquer elemento acidental, não directamente relacionado com a ingestão de bebidas alcoólicas.

  7. Ora, antes da prova testemunhal, em sede documental, com valor de prova plena, deve ter-se em atenção relatório de autópsia a fls doc. 3 junto com a Contestação: “C – Informação: 3 – Conteúdo da Informação: Etilismo crónico de longa data. Frequentes internamentos na sequência de quedas por etilismo agudo. História de várias quedas na via pública antes da morte. J – Discussão Pelo exame tanatológico é de admitir que a morte da mesma tenha ocorrido por hemorragia aracnóideia consequente a queda.

    L – Conclusões: 1 – A pesquisa de álcool no sangue periférico de 2,87 g/l + ou – 0,37 g/l 2 – Os resultados histológicos aos fragmentos de encéfalo detectaram lesões ligeiras de hemorragia recente sub aracnóideia, a nível cardíaco sem lesões dignas de nota.

    3 – Pelos achados necrópsicos e corroborado com os exames laboratoriais, tudo se conjuga no sentido de que a morte de R. T., tenha sido por hemorragia sub aracnóideia.

    4 – É, pois, de concluir médico legalmente que se tratou de uma morte natural associada a queda e sob a influência do álcool.” 9. Também em sede de esclarecimentos da perícia, no âmbito da tanatologia, a fls, consta: “1 – Segundo informação descrita pelo INEM o mesmo encontrava-se debruçado sobre a banheira e com a face dentro de um balde. Tinha sido visita (vista) no dia anterior e estava etilizado.

    2 – Que a irmã da vítima o viu chegar a casa dia 1-05-2015, pelas 21.30, com aspecto de ter bebido e que dia 2-05-2015, pelas 14.30, ….

    3 –Na colheita de história circunstancial da morte fornecida pela irmã M. E., a mesma referiu que o mesmo tinha hábitos alcoólicos de longa data. Que a 17-04-2015 terá tido crise associada com o álcool e que motivou o internamento no Hospital de Braga e que a 27 e 28 terá tido quedas na rua “andava bêbado.” Sic. 4 – No exame tanatológico, a nível do hábito externo, foram detectadas e estão descritas lesões próprias de contusões a nível da face e região frontal. Existe, pois, uma sequência de história clínica, hábitos alcoólicos e zonas de contusão, que nos permitem confirmar as conclusões do respectivo relatório de autópsia. Cumpre-nos ainda esclarecer que nos alcoólicos crónicos são frequentes as hemorragias subaracnoídeas sem fratura de crânio.” 10. Se não houvesse nexo de causalidade ou influência, de acordo com o termo que consta na cláusula, entre a ingestão alcoólica aguda e a morte, não havia necessidade de se mencionar nas conclusões do relatório da autópsia “sob a influência de álcool”.

  8. Não se tratou apenas de uma simples queda, como o Tribunal acaba por concluir, colocando hipóteses factuais, com matéria não alegada, de que pode qualquer outro factor acidental ter influenciado a queda.

  9. Em termos testemunhais, devidamente conjugado com o relatório de autópsia atrás mencionado e esclarecimentos transcritos, remete-se para o depoimento do Dr. J. S., ouvido na sessão de julgamento de 3-04-2017 – cujo depoimento ficou registado no sistema de gravação áudio do Tribunal – entre 10.29.30 até 11.09.01 ( 00.00.001-00.39.31).

  10. Remete-se para a transcrição do depoimento no corpo da alegação, ponto 2, realçando-se no entanto as seguintes partes: Dr. J. S.: … dia 4-05-2015 novamente com quadro de intoxicação alcoólica aguda desenvolve uma hemorragia subaracnoídea e vem a morrer deste quadro tendo como causa subjacente a portanto uma Intoxicação alcoólica aguda que se veio a confirmar pelo doseamento da alcoolemia. Portanto ele conclui que havia uma correspondência (havia uma correspondência) entre o quadro clínico descrito, a taxa de alcoolemia e o resultado da autópsia e perante os dados (perante os dados) da apólice conclui que o Srº António … não reunia as condições para que o seguro fosse… em termos clínicos.

  11. A testemunha diz expressamente: “…A intoxicação aguda alcoólica provoca as alterações do sistema nervoso central que desencadeiam… o traumatismo e o traumatismo é que provoca a hemorragia. Portanto a hemorragia é que leva à morte.

  12. Aos 8.28: … descrição das circunstâncias da morte, como o corpo é encontrado, como a morte se apresenta – tudo isto leva a concluir que a situação é desencadeada por uma intoxicação aguda alcoólica.

  13. A prova testemunhal está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova mas o relatório da autópsia e esclarecimentos não devem ser considerados como meros documentos particulares mas sim como documentos autênticos, com valor provatório especial e diferenciado.

  14. E, em conjugação com o depoimento da testemunha Dr. J. S., médico especialista de medicina interna, na ausência de outros factos que inviabilizassem o estabelecimento do nexo causal ou influência entre a ingestão alcoólica e a morte do falecido R. T., deve dar-se como provado o facto 9 da Sentença.

  15. Ao contrário do que consta na Douta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT