Acórdão nº 840/14.3TJVNF-H.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelANABELA TENREIRO
Data da Resolução12 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Os Autores H. M. e mulher D. C.

intentaram a presente acção de impugnação da resolução em benefício da massa, ao abrigo do disposto no artigo 125.º do CIRE contra a Massa Insolvente da Herança L. P. e A. P..

Citada, a massa insolvente deduziu contestação, defendendo-se também por excepção.

Foi realizada audiência prévia, onde foi concedido o direito ao contraditório aos Autores, direito esse que estes exerceram por escrito.

Foi julgada improcedente a excepção da caducidade do direito de impugnar a resolução.

* Objecto do litígio, fixado nos autos:O apuramento da legalidade do acto resolutivo levado a cabo pelo Sr. Administrador da Insolvência quanto ao acto de doação e de constituição do direito de uso e habitação vitalício realizado a favor dos Autores pelos Insolventes.

*Proferiu-se sentença que julgou improcedente a presente acção de impugnação de acto de resolução em benefício da massa insolvente e, consequentemente, manteve a validade da declaração de resolução efectuada pelo Sr. Administrador de Insolvência relativa aos actos praticados na intitulada escritura de doação de constituição de direito de uso e habitação.

*Inconformados com a sentença, os Autores interpuseram recurso, terminando com as seguintes CONCLUSÕES 1- A decisão revidenda está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, por não se ter pronunciado acerca da segunda parte do "Tema da Prova" que se destinava a apurar se "Todos acordaram que os irmãos doariam à insolvente o direito que lhes cabia, na condição de os Autores poderem fruir e usar das fracções até ao fim da vida daquele que morresse em último lugar, sem qualquer contrapartida",não a dando como não provada, nem a dando como provada; e por não se ter pronunciado sobre o "Tema da Prova" em que se iria apurar "Se a escritura de 8/11/2013 foi celebrada apenas para formalizar o direito de uso e habitação", não constando qualquer facto atinente a esta matéria nem dos factos provados, nem dos factos não provados. Está ainda ferida de nulidade, mas por excesso de pronúncia, nos termos do mesmo preceito legal, por ter feito constar dos factos não provados a aI. b), quando, analisados os Temas da Prova, não se descortina que em algum deles esteja compreendida a necessidade/oportunidade da prova da respectiva matéria factual.

2- Sem prejuízo do que se deixou dito quanto à nulidade por excesso de pronúncia quanto a ter-se feito constar dos factos não provados a sua al. b), a fundamentação dada para tal facto não ter sido considerado provado incorre em erro de raciocínio e certamente dá a entender uma coisa que não sucedeu, isto é, que os familiares tenham deposto no sentido de os recorrentes conhecerem as dificuldades financeiras da filha, na medida em que nenhuma das testemunhas o disse. O que a Sra. Juiz fez, foi, concluir que, como as testemunhas familiares falaram do pedido de financiamento a respeito da renúncia ao usufruto, os recorrentes tinham de saber das dificuldades financeiras, o que é um erro de raciocínio, repete-se. Primeiro, porque pedir um empréstimo bancário não significa estar-se com dificuldades financeiras, até porque se falou que o empréstimo seria para assuntos da empresa, depois porque o empréstimo não chegou a realizar-se, como ficou provado, por razões que desconhecemos, e porque de 2002 a 2013 vão muitos anos. Mais, se este raciocínio fosse válido, e sendo o Autor um homem tão experiente, informado e capaz, como considerou a Sra. Juiz, não teria em 2006 proposto aos outros filhos cederem a parte deles nas fracções em causa, correndo o risco dela as fracções perder, como sucedeu.

3- Caso não se venha a entender verificarem-se as invocadas nulidades por omissão de pronúncia, terá, então, de considerar-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de apreciação e valoração dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, ao não ter dado como provada a matéria de facto de parte de um dos Temas da Prova e da totalidade de outro Tema da Prova, porquanto tal resultou de diversos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, devendo passar a constar da matéria de facto provada os seguintes factos: a) Os irmãos da insolvente impuseram como condição para darem a sua parte das fracções à insolvente os AA. poderem usar e fruir das mesmas, sem qualquer contrapartida, até ao fim da vida do que morresse em último lugar, como vinha sucedendo, sugerindo a seguinte redacção, que passa por complementar um facto dado como provado: "Os irmãos da insolvente deram o seu acordo e combinaram que entregariam a sua parte na nua propriedade das fracções à irmã A. P., na condição de osM., seus pais, poderem usar e fruir das mesmas, sem qualquer contrapartida, até ao fim da vida do que moresse em último lugar, como vinha sucedendo." ; b) Os AA. e os filhos estavam convencidos que as declarações subscritas pelos insolventes e pelos dois irmãos e cônjuges da insolvente, datadas de 30 de janeiro de 2006, onde estes declararam que concedem de forma gratuita aos AA. o direito de uso e habitação das fracções até à data do falecimento do último destes, era válida e suficiente para salvaguardar o direito dos AA. a usarem e fruirem daquelas fracções, enquanto titulares do direito de uso e habitação, c) Desconhecendo a necessidade de tal acto ter de ser realizado por escritura pública e registado.

  1. Só no fim do ano de 2013, quando se encontrava a preparar a celebração de uma escritura pública tendo por objecto as ditas fracções, a filha dos AA. A. P. ficou a saber que o direito de uso e habitação dos pais não se encontrava totalmente salvaguardado, e) Razão por que, na mesma ocasião, através de escritura pública lavrada no Cartório da notária J. M., sito na Praça … da Cidade da Póvoa de Varzim, a filha A. P. e o marido, em 03.11.2013, declararam ceder gratuitamente aos AA. o direito de uso e habitação sobre as ditas fracções.

  2. Com a celebração daquela escritura apenas se pretendeu formalizar um acto que fora praticado há mais de 8 anos, tendo-se apenas visado dar forma a um negócio há muito praticado.

4- Em face da matéria de facto aditada, outro terá de ser o enquadramento jurídico a dar à situação dos autos, porquanto dela decorre que, o direito de uso e habitação assim constituído através daquela escritura em 2013 não adveio à titularidade dos recorrentes por acaso, sem contrapartida, como um presente, e muito menos com qualquer objectivo de prejudicar qualquer credor, mas resultou antes da necessidade de legalizar uma situação que se pensava estar regularizada, sendo que em troca a insolvente já tinha recebido 2/3 da propriedade das fracções. É tendo em mente estes pressupostos, por um lado, e, por outro, o espírito que está na base da figura da resolução dos negócios em benefício da massa, que mais não é evitar que o insolvente em conluio com um terceiro subtraia bens ao seu património, em prejuízo dos credores, que terá de se interpretar o requisito da gratuitidade imposto no art.º 121.º, n.ºl, ai b) do CIRE, devendo fazer-se uma interpretação não literal, mas extensiva, no sentido de não se entender tratar-se de um acto gratuito qualquer acto em que, mesmo não tendo havido pagamento em dinheiro, tenha havido para o insolvente outra contrapartida, e ainda mais, como é o caso, quando a contrapartida por ele recebida pelo devedor é superior à que ele entregou. Assim, faltando o requisito da gratuitidade, não se verificam os pressupostos para a resolução incondicional.

5- Por outro lado, e no que toca ao requisito temporal imposto pelo art.º 121.º, n.º1. al. b) do CIRE, diante da matéria de facto provada que deve ser aditada, elencada supra na conclusão 2., alíneas b) a f), consideramos que não se pode entender, in casu, estar-se dentro de período temporal em referência. E assim, porque, da figura da resolução dos negócios/actos prejudiciais à Massa insolvente é completamente compatível com o entendimento de que, quando, como foi o caso, o devedor e um terceiro celebraram um determinado negócio gratuito, mais de 2 anos antes do início do processo de insolvência, mas apenas o formalizaram posteriormente, por anteriormente desconhecerem essa necessidade de forma especial, celebrando a competente escritura pública no prazo de 2 anos da instauração do processo de insolvência, o acto de disposição gratuito foi celebrado na data anterior à da formalização. Em suma, defendemos não ter aplicação o n.º 1, aI. b) do art.º 121.º do CIRE quando se mostra que se visou apenas formalizar um negócio que se pensou ter celebrado válida e regularmente há mais de 2 anos da data da entrada do processo de insolvência.

6- Sem prescindir, mesmo em face da matéria de facto dada como provada na decisão revidenda, sempre a acção deveria ter sido julgada procedente, na medida em que, facilmente se constata que a situação em análise não cabe no espírito do direito de resolução dos negócios prejudiciais à massa, uma vez que, com este instituto, visou-se impedir que o insolvente em conluio com um terceiro subtraia bens ao seu património, prejudicando os credores e, feita uma interpretação não literal, mas teleológica e racional- na senda do que já fez em situação parecida, ainda que tratando de outra matéria insolvencial, o STJ no seu Acordão de 6 de Dezembro de 2016, excluindo da consideração de natureza de subordinado o crédito detido pelo pai do...

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