Acórdão nº 329/13.8TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMARGARIDA SOUSA
Data da Resolução12 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: Inconformados com a decisão da primeira instância que julgou deserto o recurso da sentença por eles interposto, os Autores interpuseram o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos: “A.1.

Em paralelo, co-existem, no plano do direito, a auto-responsabilidade processual das partes e os deveres de gestão e cooperação processual do juiz, conforme se mostra em absoluto consenso reconhecido por doutrina e jurisprudência a respeito da projecção daqueles auto-responsabilidade das partes e deveres de gestão e cooperação processual do juiz no regime jurídico da deserção.

A.2.

Também a salvo de divergências parece estar o entendimento de que, em decorrência dos deveres de gestão e cooperação processual consagrados nos arts. 6.º e 7.º do CPC, o juiz deve proferir despacho interpelando as partes para impulsionarem os autos e advertindo-as para a eventualidade de a continuação da sua inércia integrar a deserção.

A.3.

No caso dos presentes autos não foi proferido qualquer despacho no sentido de ser dirigida às partes qualquer notificação e a notificação dirigida às partes, aparentemente por iniciativa da secretaria, contendo uma interpelação para impulsionar o processo, omitia em absoluto qualquer advertência para a possibilidade da deserção ou sequer referência directa ou indirecta ao respectivo instituto ou regime legal.

A.4.

A omissão de deveres de gestão e cooperação processual configura-se a questão como nulidade da decisão por excesso de pronúncia, que tem de ser suscitada através da impugnação da decisão mediante recurso, quando este seja admissível.

A.5.

Omitido, assim, como foi, despacho interpelando as partes para o impulso do processo e advertindo-as para a possibilidade de deserção da instância, está, assim, configurada a nulidade do despacho recorrido, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 6.º, 7.º, 281.º e 615/1-d) do CPC, que aqui expressamente se invoca.

Sem prescindir e subsidiariamente, B.1.1.

Nos termos do disposto no art. 351.º do CPC consagra a lei uma faculdade de requerer a habilitação, não impondo qualquer obrigação, dever ou ónus processuais.

B.1.2.

Sendo certo que qualquer das partes pode abster-se de requerer a habilitação e razoavelmente contar com a possibilidade de ser a outra a requerê-la, sem que pareça dever considerar-se que aquela abstenção integra a falta negligente de impulso processual B.1.3.

Sem que, ainda assim, tenha de temer-se a eternização do processo, porquanto, notificadas as partes para impulsionar o processo, passar a impender sobre ambas e cada uma um especial ónus de requerer a habilitação, momento a partir do qual a sua inércia processual pode já ser censurada como negligente.

B.1.4.

Assim, notificadas as partes, em 04/04/2016, do despacho de suspensão da instância nos termos do art. 270.º do CPC e notificadas apenas 12/12/2016 para impulsionarem os autos, não deve ser qualificada como negligente a falta de impulso processual compreendida entre aquelas duas datas, para os efeitos do disposto no art. 281.º do CPC.

B.1.5.

Ao entender em sentido diverso, errou o despacho recorrido na interpretação e aplicação da disposição das normas conjugadas dos arts. 270.º, 281.º e 351.º do CPC, que assim foram violadas.

Ainda sem prescindir e subsidiariamente, B.2.1.

O regime legal vigente do art. 281.º do CPC, determina que a deserção é julgada por despacho, afastando-se do regime legal do pretérito CPC, que determinava, no respectivo art. 291.º que a deserção operava independentemente de qualquer decisão judicial.

B.2.2.

Não ocorrendo deserção eficaz enquanto não for judicialmente declarada, deve considerar-se eficaz e impeditivo da deserção acto processual que impulsiona o processo posterior ao decurso de seis meses de inércia mas anterior ao decretamento da deserção.

B.2.3.

Assim, por ter sido devidamente requerida, pelos autores, a habilitação de herdeiros, em momento anterior ao despacho recorrido, que a decretou, não é eficaz e operante a deserção, para os efeitos do disposto no art. 281.º do CPC.

B.2.4.

Ao entender em sentido diverso, errou o despacho recorrido na interpretação e aplicação da disposição da norma do art. 281.º do CPC, que assim foi violada.

Por fim, novamente sem prescindir e subsidiariamente, C.1.

Não pode fundar-se o entendimento de que a deserção opera sobre o recurso na asserção de que a instância no Tribunal recorrido se encerrou com a realização do julgamento e a prolação da sentença, invocando-se os arts. 277.º - a) e 607.º do CPC, uma vez que, após proferida a sentença, não está, ainda, extinta a instância enquanto a mesma não transitar em julgado.

C.2.

Nos termos do disposto no art. 270.º/1 do CPC, suspende-se a instância quando for junto ao processo que prove o falecimento de qualquer das partes, ou imediatamente, ou, na hipótese de já se ter iniciado a audiência de discussão oral ou de o processo se já se encontrar inscrito em tabela, seguidamente à sentença ou ao acórdão, acrescentando o art. 270.º/3 do CPC que são nulos os actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento.

C.3.

Nos termos do disposto no art. 270.º/1, 2ª parte, do CPC, se o falecimento do réu Manuel tivesse sido comunicado e documentado nos autos atempadamente, a suspensão da instância ocorreria na imediata sequência da sentença, o que não aconteceu, porque a ré sobreviva Maria, mulher do falecido réu Manuel, só comunicou e documentou o falecimento nos autos, em 08/06/2016, depois de lhes ter sido notificada a interposição do recurso pelos autores, aqui recorrentes.

C.4.

No entanto, atenta a teleologia acima enunciada do regime legal e a disposição do art. 270.º/3 do CPC, nem por isso pode chegar-se a consequências processuais práticas distintas das que se imporiam, naquela hipótese de o falecimento ter sido atempadamente comunicado e documentado nos autos, em obediência ao art. 270.º/2 do CPC.

C.5.

A suspensão da instância ocorreu sem que se tivesse dado, na instância, que não no recurso, a notificação válida e eficaz do falecido réu Manuel e a habilitação de herdeiros, que era o impulso processual que se impunha, após o despacho de suspensão da instância nos termos do art. 270.º do CPC, destinava-se, antes de tudo mais, a regularizar aquela situação processual.

C.6.

Assim, a suspensão da instância operou logo na instância, ainda pendente, antes que no recurso e, consequentemente, a entender-se ter operado a deserção, só pode entender-se ter operado na instância e não no recurso.

C.7.

Tendo ocorrido em 29/03/2016 o falecimento do co-réu Manuel, antes da sentença de 11/04/2016, a deserção só poderia operar sobre a instância e não sobre o recurso, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos arts. 270.º/1 e /3 e 281.º/1.

C.8.

Ao entender em sentido diverso, errou o despacho recorrido na interpretação e aplicação da disposição das normas conjugadas dos arts. 270.º/1 e /3 e 281.º/1 do CPC, que assim foram violadas.” Termina pedindo seja anulado o despacho recorrido ou revogado e proferida decisão conforme as conclusões formuladas.

A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação do decidido.

No despacho que admitiu o recurso, o Sr. Juiz que proferiu o despacho recorrido considerou inexistir qualquer nulidade a suprir.

* II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir que relevam das conclusões recursórias são as seguintes: - Saber se, em decorrência dos deveres de gestão e cooperação processual consagrados nos arts. 6.º e 7.º do CPC, o juiz deve proferir despacho interpelando as partes para impulsionarem os autos e advertindo-as para a eventualidade de a continuação da sua inércia integrar a deserção; - Saber se só depois de notificadas as partes para impulsionar o processo passa a impender sobre ambas e cada uma delas um especial ónus de requerer a habilitação, momento a partir do qual a sua inércia processual pode já ser censurada como negligente; - Saber se se deve considerar eficaz e impeditivo da deserção ato processual que impulsiona o processo posterior ao decurso de seis meses de inércia mas anterior ao decretamento da deserção; - Saber se tendo ocorrido o falecimento da parte antes da sentença, a deserção só poder operar sobre a instância e não sobre o recurso.

* III. FUNDAMENTAÇÃO Factos a considerar Na 1ª instância foi considerada a seguinte factualidade: “Nos presentes autos foi proferida sentença em 11-4-2016.

Em 31-5-2016, os AA. M. P. e C. V. interpuseram recurso relativo àquela sentença, apresentando a respectiva alegação.

Em 8-6-2016, A R. Maria veio informar que o co-réu Manuel, seu marido, faleceu em 29-3-2016.

Por despacho 28-6-2016 foi julgada suspensa a instância até à notificação da decisão que viesse a considerar habilitado o sucessor daquele réu falecido, nos termos dos arts. 269º, nº 1, al. a), 270º e 276º, nº 1, al. a), do CPC.

A notificação às partes deste despacho foi elaborada em 29-6-2016.

Em 12-12-2016, as partes foram notificadas para requererem o que tivessem por conveniente.

Em 6-1-2017, os RR. pediram que a instância fosse considerada deserta, nos termos do art. 281º do CPC, por falta de impulso processual.

Em 10-1-2017, os AA. pugnaram pela não verificação da deserção da instância. Na mesma data, os AA. deduziram incidente de habilitação de herdeiros por morte do aludido Manuel.” O direito Sustenta a apelante que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea d), primeira parte, do n.º 1 do artigo 615º do Novo Código de Processo Civil (1), decorrente do excesso de pronúncia.

De acordo com este normativo é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia conhecer.

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