Acórdão nº 242/15.4GEBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelLAURA MAUR
Data da Resolução09 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães Relatório No Juízo Local Criminal de Braga – J1, no âmbito dos autos com o NUIPC nº242/15.4GEBRG, foi o arguido P. S. submetido a julgamento em Processo Comum, com intervenção de Tribunal Singular.

Após realização de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal decidiu: - Condenar o arguido P. S. pela prática de um crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, previsto e punível pelo artº 220º nº1 al b) do CP na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), num total de €250,00 (duzentos e cinquenta euros).

*Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1 - O crime imputado é semi-público e não há queixa válida.

2 - Consta de fls 224 uma procuração junta aos autos em 22.06.2016, que se mostra datada de 15/09/2015, aparenta ter duas assinaturas que não estão reconhecidas por ninguém, e na qual alegadamente se atribuem a um “não advogado” poderes para “apresentar queixas crime de que seja vítima a sociedade e/ou o Hotel B por esta explorado, prestar nelas declarações e praticar quaisquer outros atos, incluindo os de desistir transigir e ratificar no processado, devendo substabelecer em advogado quando os atos a praticar assim o exijam”..

3 - Ora, por um lado é mais que insólito que tal procuração seja outorgada em 15.09.2015, para este especifico processo, quando ainda não houvera qualquer abordagem ao arguido para pagar o primeiro mail constante dos autos relativo ao assunto consta de fls 98 e data de 14.10.2015, a tentativa de cobrança ao arguido dá origem ao mail de fls 133, datado de 15.10.2015.

4 - Por outro lado, a falta de reconhecimento notarial ou equivalente torna inválida a procuração, pois este apenas foi dispensado quando passadas a advogados, cfr DL 267/92.

5 - Acresce que a dita “procuração”, não especifica os poderes conferidos.

6 -De acordo com jurisprudência fixada pelo AFJ 2/92 do STJ de 13-05-1992, “Os poderes especiais a que se refere o n.° 3 do artigo 49.° do Código de Processo Penal são poderes especiais especificados, e não simples poderes para a prática de uma classe ou categoria de actos.” 7 - Não havendo queixa válida carece o MP de legitimidade para acusar.

8 - Quanto aos factos, nenhuma prova foi produzida quanto à ausência de vontade de realizar algum evento.

9 - O artigo 220º do CP pune quem com intenção de não pagar, utilizar os serviços e se negar a solver a divida contraída.

10 - Quanto à negação de pagamento, é esclarecedor o comentário ao artigo em apreço, ín Código Penal comentado, de M. Miguez García e J. M. Castela Rio. “(…) o legislador aceita que pagar ou até a manifestação da intenção de pagar apague a infração.” li -Mesmo na matéria assente, constam dois pagamentos parciais, em numerário, da primeira e da última semana do alojamento e não é crime o (não) pagamento parcial.

12 - Quanto à “negação de solver a dívida”, o facto 25, é incompatível com a prova documental e não houve nenhum depoimento que assim indicasse.

13 - No mail enviado pelo arguido ao Sr J. C., em 23.10.2015, pelas 17:52 (fis 129), são levantadas variadas objecções e é apresentada uma proposta “muito simples”, contendo várias condições para depois ser realizado o pagamento, concretamente revisão das contas, pedido de desculpa formal ao arguido e mulher e emissão de documento que declarasse que “NÃO SERÁ INTENTADO NENHUMA OUTRA ACÇÃO JUDiCiAL OU NÃO(...) .

DAREI PESSOALMENTE ORDENS PARA O PAGAMENTO SER REALIZADO (..)” manifestando assim expressamente a intenção de pagar e de efectivar a mesma.

14- Consta de fis 126 um mail do Sr J. C. para o arguido em 27.11.2015, pelas 14:23, dando conta da confirmação dos valores, a indicação de que irão emitir pedido de desculpas e a carta oficial referida mas “APÓS A RECEÇÃO DO PAGAMENTO.” 15 - Havia confluência de posições, “apenas” com ambos a pretenderem que fosse o outro a cumprir primeiro...

16 - Sendo a pretensão do Hotel B o pagamento, nada impedia a emissão de declaração dando conta de qual o valor em divida e que, após o pagamento desse valor não seria intentada qualquer outra acção.

17 - Mas a verdade que resulta dos documentos, é que após estes mails nada mais houve - e os depoimentos orais nada acrescentaram -pelo que ficou o arguido a aguardar.

18 Até porque atentos os desentendimentos que ressaltam do teor dos mails, é lícito ao arguido querer uma declaração que fixe o valor em débito e que ateste que, pago este, não lhe será movido qualquer outro processo.

19 - De onde temos que o facto 25 tem de passar a não provado atento o teor dos maus supra indicados em 13 e 14 e a total falta de suporte em qualquer dos depoimentos.

20 - De salientar ainda que foi o próprio Hotel B que recebendo o número de um cartão de crédito por mail, de alguém que não o respectivo titular e com a advertência expressa “MAS SENDO APENAS COMO GARANTIA, jamais para efectuar qualquer tipo de débito, conforme me menciona no seu mail” (cfr fls 90, mail de 16.7.2015, 12:50), logo se apresta a abusivamente proceder a débitos.

21- E que foi fazendo débitos na conta de um Cartão sem nunca ter tido qualquer contacto do titular e contra a expressa vontade de quem indicara o número do Cartão, deixando naturalmente em branco o local que nos talões de débito se destinavam à assinatura do titular.

22 - E diga-se, fazendo mesmo débitos que não têm correspondência com as facturas juntas aos autos.

23 - Naturalmente que na altura, o Hotel B podia ter tomado uma série de atitudes variadas, excepto fazer o que fez! 24 -Mostra-se violado o disposto nos arts 1°nº1, 113° n°1 e 220º do Código Penal, nos Arts 48°e 49° n° 1 e n° 3 do Código de Processo Penal, no AFJ 2/92 do STJ de 13-05-1992, no Art° 38º do DL 76-A/2006, de 29.03, no Art° 116° nº 1 do Código do Notariado e no Art° 363° n° 3 do Código Civil.

*O recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

*O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pugnando pela improcedência do mesmo.

* No Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

*Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, não houve resposta ao Parecer.

*Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência.

*Fundamentação Delimitação do objeto do recurso O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal “ad quem” apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

São, pois, as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o Tribunal ad quem tem de apreciar.

No caso sub judice o recorrente limita o recurso às seguintes questões: - falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal; - erro de julgamento; - qualificação jurídica dos factos.

_ Da decisão recorrida - Factos e Motivação (transcrição) “II. FUNDAMENTAÇÂO DE FACTO 1. Factos Provados: Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1. Visando ficar hospedado, juntamente com dois acompanhantes adultos e uma criança, no Hotel B & Spa, unidade hoteleira de 5 estrelas, sita na Av. General …, em Braga, sem pagar o respectivo preço, em data não concretamente apurada, por volta do dia 09/06/2015, o arguido P. S. decidiu engendrar um esquema fraudulento, que pôs em prática, no sentido de convencer os representantes daquela unidade hoteleira a concederem-lhe alojamento e serviços, sem que pagasse o respectivo preço ou, pelo menos, a totalidade deste.

  1. Pondo em prática o respectivo plano, no dia 09/06/2015, o arguido, intitulando-se “CEO” da sociedade GI, SA, enviou um e-mail, do endereço electrónico, por si criado, …@gmail.com, ao Hotel B, da sociedade comercial Hotéis, SA, com o endereço electrónico …@portugal.com, propondo a esta unidade hoteleira, em 72 horas, uma resposta a uma proposta de alojamento e disponibilidade de salas e serviços para um evento, que o arguido dizia que decorreria entre os dias 14 e 16 de Setembro de...

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