Acórdão nº 4828/16.1T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2017
Magistrado Responsável | JORGE TEIXEIRA |
Data da Resolução | 19 de Janeiro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO.
Recorrente: AA.
Recorridos: BB e CC.
Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão – Instância Central, 2ª Secção de Comércio, J3.
A Autora, AA, casada, residente na rua José do Amaral, pediu a declaração de insolvência de BB e de CC, casados, residentes na Avenida, Vila Verde.
Como fundamento e, em síntese, alegou que tem um crédito sobre o Requerido decorrente de um contrato de mútuo celebrado com os Requeridos e que estes não cumpriram, acendendo a dívida actualmente ao valor global de 15.000,00 €, Citados que foram, os Requeridos deduziram oposição, na qual, impugnando parcialmente os factos alegados na petição inicial, alegaram ainda outros tendentes a concluir pela inexistência de qualquer crédito sobre eles, na esfera jurídica da Autora, e bem assim, de que se não encontram numa situação de não insolvência.
Invocaram ainda a excepção da ilegitimidade da Requerente, por ter instaurado a acção sozinha, e não se encontrar processualmente acompanhada pelo seu marido.
Realizado o julgamento, foi proferido decisão que respondeu à matéria de facto controvertida, sendo, de imediato, proferida sentença que julgou improcedente o pedido de declaração de insolvência.
Inconformado com tal decisão, apela a Requerente e, pugnando pela revogação da decisão, formulam nas suas alegações as seguintes conclusões: “I- A Recorrente não se conforma com o sentido da decisão recorrida que não reflecte, nem tem em consideração a prova documental e junta aos autos.
II- Olvidou o Tribunal a quo na sentença que veio a proferir, a valoração da existência de um facto que deu como provado e que se relaciona com a existência de um cheque, que é um título de crédito, e que só per si, independentemente de qualquer relação formal ou não a ele subjacente, constitui a Recorrente, casada no regime da comunhão geral de bens, como credora dos Recorridos.
III- Pelo desvalor ante a existência do título de crédito, conforme facto dado como provado no ponto c) do probatório, onde há menção expressa à vontade de reconhecimento dos Recorridos enquanto devedores, e considerado a completa ausência de menção a tal circunstancialismo, incorre o tribunal a quo numa omissão de pronúncia cuja consequência é a nulidade nos termos do artigo 615º nº1 alínea d) do Código de Processo Civil.
IV- O Tribunal a quo fundou apenas a sua convicção na existência de um contrato de mútuo, alegadamente nulo, comprometendo-se, segundo a sentença recorrida, a existência de qualquer crédito da Recorrente que estaria sempre sujeito à declaração da nulidade do referido contrato e interpelação dos Recorridos.
V- Não obstante, não deixou de dar como provada a existência do cheque, tendo mesmo ignorado a existência de uma anterior acção declarativa de condenação contra os Recorridos e a existência de juros de mora previstos no título de crédito o que, de acordo com um raciocínio lógico importaria, por si só o reconhecimento de que a obrigação tinha prazo certo e que os Recorridos se assumiam em dívida e em mora perante os credores.
VI- Consequentemente com o referido em V, o crédito da recorrente apenas se pode reputar como um crédito vencido, judicialmente interpelado através da citação judicial que operou no âmbito da anterior acção de insolvência proposta em 2014.
VII- Dada a valoração da existência do cheque e atendendo aos factos que o mesmo traduz, analisados de acordo com regime de bens em que a Recorrente contraiu matrimónio e de acordo com a confissão dos Recorridos, nada poderia fazer prever uma omissão de juízo crítico sobre tal factualidade, levando a uma infeliz conclusão de ilegitimidade da Recorrente, pelo que padece a sentença recorrida de uma nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
VIII- Ainda que se olvidasse o título de crédito, a Recorrente, por força do mútuo celebrado, seria sempre credora, quanto mais não fosse por um crédito condicional, pelo que incorre o Tribunal a quo com a sentença recorrida num erro de julgamento.
IX- É norteado todo o raciocínio em torno da nulidade do contrato de mútuo, nulidade essa que tem como consequência a produção de efeitos retroactivos conforme artigo 289º do Código Civil, pelo que ainda que o contrato fosse nulo como os Recorridos arguiram, o mesmo apenas reforçava a qualidade de credora da Recorrente, dado que a dívida sempre existe estando, nesse raciocínio, apenas sujeita a uma condição, pelo que mais uma vez, existe um erro de julgamento por parte do Tribunal a quo.
X- Perante a arguição de nulidade do contrato de mútuo, o Tribunal recorrido omitiu a declaração de nulidade que deveria ter tratado, dado o conhecimento oficioso da nulidade do contrato nos termos do artigo 286º do Código Civil, pelo que está viciada por omissão de pronúncia a sentença recorrida nos termos do artigo 615º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
XI- Existe ainda uma clara omissão de apreciação da matéria de direito aplicável ao caso concreto, pelo que independentemente da razão em que se fundamenta o crédito, certo é que o mesmo sempre existe, quanto mais não fosse pelo preenchimento do artigo 473º do Código Civil, pelo que a legitimidade da Recorrente, enquanto credora, é inquestionável.
XII- O Tribunal a quo teceu uma errónea valoração dos factos dados como provados e não provados, desde logo considerando que não resultaria provado que a Recorrente interpelou os Recorridos para o pagamento da quantia em dívida e que estes não tenham demonstrado vontade de cumprimento, quando, na verdade, está a nú a existência de uma acção judicial de condenação que data de 2014 proposta pelo cônjuge da Recorrente onde colhe fundamento a dívida dos Recorridos perante aqueles.
XIII- Ao ter existido uma acção judicial os Recorridos foram citados pelo que a citação é considerada pela jurisprudência e pela doutrina como uma interpelação bastante, sendo que aliando-se tal a interpelação aos dois anos de silêncio encetado pelos Recorridos, é óbvio que os Recorridos têm pleno conhecimento da dívida e que não têm qualquer vontade de cumprimento da obrigação. Pelo que deveria ter sido dado como provado o seguinte facto: -Em Dezembro de 2014, o cônjuge da ora requerente decidiu apresentar um pedido de insolvência dos requeridos o que sucedeu no âmbito do processo 5970/14.9T8VNF do J1 da Secção de Comércio de Vila Nova de Famalicão.
XIV- Em consequência deveria ter sido dado como provada a interpelação dos Recorridos e a sua falta de vontade para o cumprimento da obrigação.
XV- Consequentemente, sem prejuízo da obrigação ser de prazo certo como se vem dizendo, a interpelação para cumprimento teria de operar os seus efeitos, nomeadamente ao nível do vencimento da obrigação e ao seu não cumprimento definitivo.
XVI- Todos os meios probatórios existentes nos presentes autos e já aqui reportados impunham uma decisão diversa dos factos, fosse na apreciação crítica dos factos fosse na sua subsunção direito, que na sentença em apreço simplesmente não existiu.
XVII- O enquadramento da factualidade apurada deveria por si só implicar uma diversa aplicação das normas jurídicas ao caso concreto, o que é expectável de qualquer jurista.
XVIII- Com efeito, atendendo à factualidade provada e àquela que se requer que se dê como provada, a existência de um cheque perfeitamente preenchido, a existência de citação de outra acção que sempre valeria como interpelação para cumprimento em processo análogo, a supletiva condicionalidade do cheque ou ainda os efeitos decorrente da declaração de nulidade do contrato implicaria, em cada um dos casos, a existência de um crédito, fosse ele vencido ou condicional, o que só poderia culminar com a declaração da insolvência dos Recorridos.
XIX- Isto porque, independentemente da causa que lhe está subjacente, seja pela existência de um título de crédito do qual a Recorrente é credora, seja pelo contrato de mútuo, seja pelo contrato de mútuo nulo que tem efeitos retroactivos, seja pelo enriquecimento sem causa, seja pela condicionalidade do crédito, a Recorrente sempre é credora dos Recorridos.
XX- Credora essa que o é, tendo legitimidade para requerer a insolvência dos Recorridos, independentemente da natureza do seu crédito, dado que nas acções de insolvência poderá existir um direito fundado num crédito condicional conforme os artigos 50º nº 1 e 20º nº 1 do C.I.R.E.
XXI- Não obstante, sempre cumprirá referência de que o título de crédito existente consubstancia um crédito vencido, dada a estipulação e contabilização de juros de mora no cheque, como pela própria interpelação judicial promovida aos Recorridos através de citação no ano de 2014.
XXII- Dada a inquestionável qualidade de credora atribuída à Recorrente, esta sempre terá legitimidade para requerer, como requereu, a insolvência dos Requeridos que é uma insolvência cabalmente provada, não existindo qualquer prova da solvência dos Recorridos, muito pelo contrário.
XXIII- O Tribunal a quo com a sentença proferida violou as normas jurídicas dispostas nos artigos 8º, 20º e 50º nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa e os artigos 286º, 289º, 473º, 805º, 806º e 1143º do Código Civil Português”.
* A apelada apresentou contra alegações, nas quais concluiu pela improcedência da Apelação.
* II- Objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes: -...
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