Acórdão nº 5918/13.8TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelLINA CASTRO BAPTISTA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Sumário I – O atual regime insolvencial apenas impede a pendência e/ou interposição de ação de impugnação pauliana se e na medida em que esta possa contender com resolução do ato respetivo levada a cabo pelo Administrador da Insolvência.

II - Em caso de inexistência ou improcedência da resolução do Administrador da Insolvência, o processo de insolvência em nada contende com ação de impugnação pauliana pendente ou a interpor em Juízo.

III - Nem poderia ser de outra forma: atualmente a ação pauliana traduz-se num direito pessoal de restituição, em nada afetando o ato translativo de situações jurídicas para terceiro. Por inerência, não ocorrendo resolução do ato jurídico em causa pelo Administrador da Insolvência, o objeto do ato translativo para terceiro não pode ser considerado como integrando a massa insolvente, por pertencer a terceiro.

* Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO D, residente em Braga, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra M e A, residentes em Braga, invocando ter emprestado aos Réus a quantia de € 100 000,00 e pedindo que se declarasse a nulidade, por vício de forma, do contrato de mútuo celebrado e, em consequência, se condenassem os Réus a restituírem-lhe a quantia de € 100 000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Os Réus vieram contestar, excecionando o pagamento da quantia mutuada, e reconvir, alegando terem pago indevidamente e a mais ao Autor a quantia de € 6 048,91, por conta do pagamento integral da quantia mutuada, pedindo a final que a ação seja julgada não provada e improcedente, com a sua absolvição do pedido. Mais pedem que se considere provada e procedente a reconvenção, com a condenação do Autor-reconvindo a pagar-lhes a quantia de € 6 048,91, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da sua notificação para a reconvenção.

Admitiu-se a reconvenção, proferiu-se despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e os temas da prova.

Na sequência de requerimento apresentado pelo Autor, ordenou-se a apensação a estes autos do Processo n.º 5919/13.8TBBTG, da então Vara de Competência Mista de Braga, com fundamento em os pedidos aí formulados estarem dependentes dos deduzidos na presente ação.

Nestes autos – agora constituindo o Apenso A - D demandou M e A e também J e F, residentes em Braga, alegando que, através de documento autenticado datado de 28 de março de 2012, os 1º Réus declararam entregar aos 2º Réus, a título de dação em cumprimento e pelo valor de € 137 433,44 o prédio urbano, destinado a habitação, composto por casa de cave, rés-do-chão e andar, com logradouro, sito em Braga, mas sendo tal negócio simulado, tendo sido celebrado com o propósito de defraudar, prejudicar e enganá-lo a si e aos demais credores. Pede que se declare simulado e, consequentemente, nulo o contrato de dação em cumprimento celebrado entre os Réus em 28 de março de 2012 referente ao indicado imóvel, ordenando-se o cancelamento dos atos de registo predial que tenham sido efectuados sobre o mesmo. Em via subsidiária, pede que se declare ineficaz a venda referenciada, ficando ele, no que fosse necessário para satisfazer o seu crédito, com o direito de praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e os de executar esse imóvel no património dos 1º e 2º Réus.

Os aí Réus vieram contestar, impugnando a factualidade alegada e pedindo que a ação seja considerada não provada e improcedente, com a sua absolvição dos pedidos, Foi aí proferido despacho saneador e definidos o objeto do litígio e os temas da prova.

Nestes autos, a fls. 410 e ss. e 528 e ss., foi junta prova de que os Réus M e A foram declarados insolventes, por sentenças de, respetivamente, 17/11/2014 (transitada em julgado em 09/12/2014) e 12/02/2015 (transitada em julgado em 05/03/2015).

Notificados os respectivos Administradores da Insolvência, vieram juntar Procurações Forenses aos autos e informar que o contrato de dação em cumprimento objecto dos autos não foi resolvido. O Administrador Judicial de M veio ainda requerer que a ação de cobrança de dívida seja extinta por inutilidade superveniente da lide e que a ação apensa seja sustada até decisão final em ação proposta pela massa insolvente, pedindo a declaração de nulidade do contrato, por simulação.

O Autor em ambas as ações veio opor-se ao requerido pelos Srs. Administradores da Insolvência.

Por despacho de fls. 545 e ss., declarou-se extinta a instância, no que tange aos pedidos formulados pelo Autor no processo principal, com o consequente não conhecimento dos pedidos reconvencionais formulados nestes autos, por inutilidade superveniente da lide. Declarou-se, por outro lado, extinta a instância no que respeita ao pedido de declaração de nulidade formulado no processo apenso, por impossibilidade superveniente da lide. Por último, decidiu-se – no mesmo despacho – julgar manifestamente improcedente o pedido de impugnação pauliana deduzido no processo apenso, absolvendo os Réus do mesmo.

Inconformado com esta decisão, o Autor recorreu, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1. Com a interposição do presente recurso, o Recorrente pretende impugnar a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou manifestamente improcedente o pedido de impugnação pauliana que havia sido deduzido no processo apenso, absolvendo, em consequência, os Réus do aludido pedido.

  1. Com efeito, no caso sub iudice, o Tribunal a quo propendeu por considerar que, sendo o primeiro dos requisitos da procedência da impugnação pauliana a existência de um crédito e tendo sido proferida sentença de declaração de insolvência dos devedores/alienantes, tal ação só poderia proceder se o credor tivesse reclamado o seu crédito e sido reconhecido como tal no âmbito dos dois processos de insolvência dos Recorridos/devedores.

  2. No seguimento de tal orientação, o Julgador a quo acabou por concluir que, não tendo o Recorrente reclamado o seu crédito no âmbito do processo de insolvência da Recorrida A, o pedido de impugnação pauliana teria de ser julgado manifestamente improcedente.

  3. Salvo o devido respeito, que é muito, semelhante orientação viola de forma ostensiva quer o regime substantivo da impugnação pauliana, previsto nos arts. 610.º e ss. do CC, quer o art. 127.º do CIRE, a propósito dos efeitos da insolvência quanto às ações de impugnação pauliana já pendentes.

  4. Assim, ao invés do que se refere na douta decisão recorrida, entende o Recorrente que a obtenção de decisão favorável na ação de impugnação pauliana não depende, necessariamente, de qualquer reclamação de créditos no âmbito dos processos de insolvência dos devedores.

  5. Na verdade, tendo o Recorrente invocado oportunamente nestes autos a sua qualidade de credor dos Recorridos M e A – enquanto requisito necessário para a procedência do pedido de impugnação pauliana – forçoso se torna concluir que o Tribunal a quo nunca poderia ter decidido, como decidiu, pela manifesta improcedência do pedido de impugnação pauliana, porquanto para a procedência da impugnação pauliana, a lei apenas exige que o autor comprove o montante das dívidas do devedor (art. 611.º do CC), sendo que a lei substantiva não faz depender a procedência dessa ação de qualquer reclamação de créditos, pelo mesmo autor, em processo de insolvência iniciado na pendência desses autos.

  6. Neste enquadramento, a conjugação do art. 127.º, n.º 3, do CIRE com o art. 616.º do CC impõe que se conclua que a declaração de insolvência do devedor não prejudica o normal prosseguimento da ação de impugnação pauliana, nem tão-pouco que esta deixe de ter interesse para o credor que, de forma isolada, pretende a declaração de ineficácia de negócios patrimoniais praticados em seu prejuízo.

  7. Com efeito, diferentemente do que o Tribunal a quo propendeu por considerar, a impugnação pauliana não tem efeitos coletivos, no sentido de poder beneficiar a massa insolvente, e, logo, todos os credores, mas apenas efeito singular, aproveitando somente ao credor que instaurou a ação (arts. 127.º, n.º 3, do CIRE e 616.º, n.º 4, do CC).

  8. Nesta conformidade, uma vez que a procedência da ação de impugnação pauliana aproveita somente...

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