Acórdão nº 1446/15.5T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES Sumário I - Enquanto no regime geral consagrado no Código Civil para a venda de coisa defeituosa compete ao comprador o ónus da prova da existência do defeito, no regime previsto para a venda de bens de consumo do DL n.º 67/2003, a “falta de conformidade”, nos casos elencados no nº 2 art.º 2º, presume-se (presunção legal – art.º 350º do CC).

II- Ao “comprador/consumidor” compete apenas alegar um dos factos índices aí previstos, competindo ao “vendedor/profissional” a prova da conformidade, isto é, de que a coisa não padece da alegada “falta de conformidade” ou defeito. Ou então de que o consumidor tinha conhecimento dessa falta de conformidade ou não podia razoavelmente ignorá-la.

III - Este conceito de falta de conformidade não coincide com o de “vício”, “falta de qualidade” ou “defeito” definido no Código Civil, antes se inserindo numa “concepção ampla e unitária de não cumprimento” (Paulo Mota Pinto, Conformidade e Garantias, na Venda de Bens de Consumo, pag. 222).

IV - Tendo-se provado que o veículo automóvel não apresentava no momento da venda a quilometragem indicada e anunciada pela vendedora (art.º 2º nº 2 al. a) – Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor …) tanto basta para que se presuma verificada a falta de conformidade entre o bem de consumo entregue e o contrato, presunção que não foi ilidida pela vendedora.

V - Não pode a ré vendedora, aqui recorrente, no âmbito deste diploma (Dec. Lei 67/2003) e da garantia de conformidade prevista no seu art.º 3º, invocar que desconhecia sem culpa a desconformidade, pois que o regime previsto neste diploma (lei especial) prevalece sobre as disposições do Código Civil relativas à venda de coisa defeituosa, não tendo assim aplicação o disposto no art.º 914º. Por isso mesmo, tal Decreto-Lei lhe concede o direito de regresso contra o profissional a quem adquiriu a coisa (artºs 7º e 8º).

VI - Para além do direito à resolução do contrato, nos termos da Lei 24/96 (Lei de Defesa do Consumidor), art.º 12º nº 1, tem o comprador direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos (não conformes).

I – RELATÓRIO M e mulher C instauraram contra «M. Unipessoal, Lda.» a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo seja: «A) Decretada a resolução do contrato de compra e venda do automóvel Renault Megane de matrícula… e a R. condenada a devolver o respectivo preço no valor de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), recebendo, por sua vez, o automóvel que lhe será entregue pelos AA.

Ou, em alternativa B) Decretada a redução adequada do preço que, no confronto da quilometragem efectivamente percorrida com o seu valor comercial., não deverá ser superior a € 10.000,00 (dez mil euros), devendo a R. devolver aos AA. a diferença entre o valor judicialmente decretado e o que estes lhe pagaram.

  1. A R. condenada no pagamento aos AA. de uma indemnização por danos patrimoniais no valor de € 227,40 (duzentos e vinte sete euros e quarenta cêntimos), correspondentes às despesa realizadas com a ida ao stand da R. e volta (combustível e portagens) e ao registo da transferência da propriedade do automóvel.

  2. A R. condenada no pagamento aos AA. de uma indemnização por danos morais sofridos em razão da grande angústia, ansiedade, receio e revolta que lhes provocou a desconformidade do automóvel com as qualidades garantidas pela R. e pelo comportamento deste que se pretende eximir às suas responsabilidades, indemnização essa que não deverá ser inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros).» Para o efeito alegaram, que, em 23 de Janeiro de 2015, adquiriram à ré o automóvel de marca Renault, modelo Mégane, de cor castanha, com a matrícula…, em estado usado, pelo preço de €17.500.

Os autores, pretendendo adquirir um automóvel maior do que aquele que tinham, mais moderno e em melhor estado de conservação, realizaram várias pesquisas na internet tendo visto anunciado pela ré, no seu site, a viatura supra identificada com a indicação de que já percorrera 64.326 km. Dirigiram-se ao Stand da ré, na cidade de Chaves, tendo, desde o primeiro momento, manifestado à ré que a sua decisão de comprar dependia do facto de esta viatura apresentar a quilometragem anunciada no site, e que, igualmente constava do conta-quilómetros do veículo.

A ré entregou aos autores uma fotocópia do modelo da “Declaração Aduaneira do Veiculo – DAV” da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, relativo à importação do automóvel em causa, no qual consta que tinha 64.326 km.

Em face de tudo isto convenceram-se os autores que a quilometragem que a viatura exibia era a real.

Algum tempo depois, apercebendo-se de um ruido estranho nas rodas do automóvel levaram-no a uma oficina para verificar as suas causas, bem como para efectuar uma mudança de óleo e filtros.

Os mecânicos da oficina, após inspeccionarem o veículo, aconselharam os autores a consultar a Renault por terem fortes suspeitas de que o automóvel não teria a quilometragem que constava no conta-quilómetros.

A Renault Portugal S.A., em 27/03/2015, informou os autores que em 1 de Agosto de 2014 a viatura já tinha percorrido 182.745 km.

A quilometragem garantida pela ré aquando da aquisição do veículo pelos autores não correspondia à quilometragem que efectivamente o mesmo tinha cerca de 5 meses antes da celebração do contrato.

Os autores, em 29/04/2015, por carta registada com aviso de recepção dirigida à «M. Unipessoal, Lda.», notificaram a ré da desconformidade do bem adquirido com as qualidades por ele garantidas e também com o contrato de compra e venda, identificando com clareza a natureza da desconformidade e juntando ao documento comprovativo do que diziam. Com a notificação os autores informavam a ré de que, tratando-se de uma desconformidade insusceptível de ser reparada pretendiam exercer o direito de resolução do contrato de compra e venda, solicitando á ré a indicação de uma data para procederem à entrega do automóvel e serem restituídos dos €17.500 que liquidaram.

Até à presenta data a ré nada comunicou aos autores.

Em consequência da conduta da ré, que não assumiu as suas responsabilidades e porque tinham investido as suas economias na compra do automóvel, os autores passaram a viver em grande ansiedade, angústia, receio e sofrimento.

Na convicção de que o automóvel tinha a quilometragem anunciada os autores deslocaram-se ao Stand da ré sito em Chaves, que dista cerca de 400 km do seu local de residência, com o que despenderam cerca de €64 em combustível e €63,40 em portagens.

No próprio dia em que procederam à aquisição do automóvel os autores procederem ao registo da propriedade, despendendo €100, tendo ainda suportado uma coima no valor de €75 uma vez que a ré não requereu o registo no prazo legal para o efeito concedido, contado desde a data da importação.

* A ré, entretanto transformada numa sociedade comercial por quotas, com a denominação social «I Lda.», contestou, alegando que o veículo em causa foi colocado à venda no seu Stand pela empresa «G - Comércio de Automóveis Unipessoal, Lda.», tendo o mesmo ficado à consignação e pela sua venda recebeu uma comissão de €500. Não garante, em veículos que não são da sua propriedade ou de que desconhece o seu percurso, que os quilómetros registados correspondam aos reais, o que sucedeu neste caso concreto.

Aquando das negociações os autores foram informados que o veículo não era da ré, que ali estava depositado à consignação e que não podiam garantir os quilómetros que se encontravam registados no mostrador. No veículo estava aposta a informação de que era um “veículo de cliente” como é habitual a ré fazer nestas situações.

Os autores celebraram o negócio de forma livre e esclarecida, com a consciência de que os quilómetros da viatura podiam não ser aqueles. Mesmo assim mantiverem o interesse em concretizar o negócio como aconteceu.

Antes de celebrarem o negócio os autores tiveram a oportunidade de pedir os esclarecimentos que entenderam bem como para recolher as informações tidas por necessárias.

A ré desconhece a quilometragem do veículo bem como se a mesma foi alterada e, se o foi, quando ocorreu essa alteração. O consumidor aceitou a possibilidade de os quilómetros do veículo não corresponderem à realidade e conformou-se com essa situação, tendo celebrado o negócio.

O automóvel é utilizado de forma normal e dentro das suas finalidades tendo um desempenho adequado á sua função, por isso não se encontra demonstrada qualquer desconformidade.

Os danos não patrimoniais não têm qualquer fundamento, já que os autores retiram do veículo em causa todas as suas utilidades.

Também não têm suporte legal os danos patrimoniais que peticionam.

Em todo o caso, na eventualidade do pedido dos autores proceder, designadamente a resolução do contrato, deverá ser tido em conta o período em que o automóvel se encontra na sua posse. A haver restituição do valor total do veículo haveria um enriquecimento injusto e sem causa por parte dos autores, uma vez que usaram e fruíram a viatura durante todo o tempo provocando desgaste na mesma.

Requereu ainda a intervenção acessória de «G- Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda.».

* Por despacho a fls. 80 e ss dos autos foi indeferida a intervenção acessória requerida.

* Na audiência prévia delimitou-se o objecto do litígio e fixaram-se os temas de prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.

Proferiu-se sentença em que se julgou a acção procedente e, em consequência: a) Declarou-se validamente resolvido o contrato de compre a venda outorgado em 23 de Janeiro de 2015 com referência á viatura automóvel marca Renault, modelo Megane com a matrícula… e em consequência condeno a ré a restituir aos autores o valor de 17.500 € (dezassete mil e quinhentos euros) correspondente ao preço pago, devendo, simultaneamente os autores proceder à entrega da...

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