Acórdão nº 1148/14.0T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelLINA CASTRO BAPTISTA
Data da Resolução12 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Processo n.º 1148/14.0T8VCT-A.G1 Comarca: [Instância Local Cível de Viana do Castelo, Comarca de Viana do Castelo] Relatora por vencimento: Lina Castro Baptista Adjunta: Maria de Fátima Almeida Andrade Relator (vencido, conforme voto que junta): Fernando Fernandes Freitas * SUMÁRIO I – Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente e nem pelo recorrido, a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos, valorando-as e ponderando-as com recurso às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se de todos os elementos probatórios constantes do processo para formar a sua própria convicção.

II – O cheque incorpora uma ordem dada pelo sacador ao sacado (normalmente uma entidade bancária), para pagar uma determinada quantia (ao tomador ou ao portador) – cf. art.º 3.º da Lei Uniforme sobre Cheques (LUCH) -, daí lhe advindo o uso normal de meio de pagamento.

III – Age em abuso de direito o credor que apresenta à execução um cheque entregue para pagamento do preço de uma máquina quando, em face do reiterado atraso do Executado no pagamento das prestações de preço acordadas contratualmente, já tinha optado pela “solução eficaz”, ainda que ilegal, de aproveitar a circunstância de tal máquina estar temporariamente na sua posse, para, sem o conhecimento e contra a vontade do devedor/Executado, a vender a terceiro e reter para si o preço respectivo.

*Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I—RELATÓRIO V deduziu a presente oposição à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhe moveu a exequente “A Ld.ª”, pretendendo ser absolvido do pedido exequendo e que esta Exequente seja condenada como litigante de má fé.

Alega, para tanto, e em síntese, que os cheques dados à execução estão prescritos, e, de qualquer modo, foram emitidos para pagar dívida de terceiro, contra quem devia ter sido movida a execução. Alega ainda que a máquina de impressão objecto de um dos negócios que estiveram subjacentes à emissão dos cheques foi, “em meados do ano de 2014”, recuperada pela Exequente, e por esta vendida “cerca de um mês depois.

Contestou a Exequente, impugnando especificadamente os factos acima descritos, e pedindo que sejam julgados improcedentes os embargos.

Findos os articulados foi proferido despacho saneador que, conhecendo da arguida excepção peremptória de prescrição, julgou-a improcedente por entender que no requerimento executivo vem alegada matéria fáctica suficiente para descrever e caracterizar a relação que esteve subjacente à emissão dos cheques.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que julgou totalmente improcedentes os embargos assim como o pedido de condenação da exequente por litigância de má fé.

Inconformado com a decisão final dos autos, o Embargante interpôs recurso, pretendendo que seja revogada a referida sentença e seja proferido Acórdão que julgue procedentes os embargos.

Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

*O Embargante fundamenta o presente recurso nas seguintes CONCLUSÕES I. O recorrente recorre da matéria de facto e de Direito; II. As provas constantes dos autos impõem decisão diversa, nomeadamente, a alegação da recorrida em sede de requerimento executivo, os documentos juntos ao mesmo requerimento e o depoimento das testemunhas A e P, cujos depoimentos constam da aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, prestado na data e horas supra identificadas, bem como, as passagens concretas; III. Impõe-se, assim, alterar a matéria de facto, devendo dar-se como provados os factos tal como estão alegados em 1.4. desta alegação; IV. Devendo os factos 3.2., 3.3. e 3.6. da matéria de facto dada como provada ter uma decisão diversa e a matéria de facto dada como não provada ser dada como provada; V. O Tribunal “a quo” violou o art. 355º, nº 2, 356º, nº 1, e 358º, nº 1, do C.Civil e o art. 703º, nº 1, al. c), do CPC.

*II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Resulta do disposto no art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil Doravante designado por C.P.Civil.

, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

No caso em apreciação, as questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes: I. Modificabilidade da decisão de facto.

  1. Na procedência deste fundamento recursivo, reapreciação da decisão de mérito.

    *III – DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO Decorre do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Doravante designado C.P.Civil.

    que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa." A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art. 607.º do C.P.Civil. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material.

    Tal como explica Abrantes Geraldes In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2ª Edição, 2014, pág. 235 e ss.

    , "(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores da imediação e oralidade." Descendo ao caso concreto, foram os seguintes os factos provados e não provados elencados na decisão em recurso: Factos Provados: 1) “A Ld.ª” instaurou, em 12.11.2014, acção executiva contra V, para dele haver a quantia de € 14.013,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, computando os primeiros em € 302,00.

    2) “A, Ld.ª” fundou a execução em causa no facto de ser portadora de dois escritos denominados “cheques”, ambos com datas de emissão em 20.10.2014, respectivamente com os nºs… e… e com os valores de € 6.000,00 e € 8.013,00, sacados pelo ora executado/embargante sobre conta de que o mesmo é titular no Banco… com o nº… 3) No exercício da actividade a que se dedica (venda de material e produtos publicitários, bem como máquinas de impressão), a Exequente forneceu ao Executado produtos da sua actividade, melhor descritos na factura nº 120350/2012A, datada de 26/10/2012, e junta aos autos, para pagamento dos quais o Executado entregou à Exequente o cheque nº….

    4) Por sua vez, o cheque n.º… foi entregue pelo Executado à Exequente para pagamento de uma máquina de impressão de grande escala, cujo valor inicial era de € 10.843,89, dos quais o primeiro efectuou já o pagamento de € 2.830,89, em 10 prestações, tendo a última sido paga em 31/05/2013.

    5) Desde esta data o Exequente não fez mais nenhum pagamento, apesar da insistência da Exequente.

    6) Os dois supra citados cheques, quando apresentados a pagamento foram devolvidos pelos serviços de compensação em 22/10/2014.

    *Factos não Provados: a. A máquina da impressão referida em 4) foi recuperada pela Exequente em meados de 2014.

    *Em sede de reapreciação da prova produzida, foram por nós atendidos os seguintes meios de prova: ü Teor da Factura de fls. 65; ü Teor dos cheques de fls. 66; ü Depoimentos de A, P, A e P e ü Declarações de parte do Embargante V.

    À luz destes elementos probatórios e considerações, analisemos os pontos concretos da matéria de facto que o Recorrente pretende ver alterados.

    Invoca o Embargante que o documento n.º 1 junto ao requerimento executivo constituído pela factura acima referida foi emitido a A. Acrescenta que para que se verifique o erro de julgamento em relação a estes factos não pode deixar de ser dada atenção aos depoimentos prestados pelas testemunhas A e P.

    Expõe que a questão essencial aqui presente será o sentido que tem estes factos de ser dados como não provados e o facto constante da matéria de facto não provada tem de ser dado como provado.

    No que a este última parte diz respeito, o Embargante realça que as mesmas testemunhas foram inquiridas sobre toda a matéria de facto, tendo falado sobre aquilo que presenciaram, nomeadamente que a máquina de impressão foi recuperada pela Exequente. Neste sentido, as testemunhas A e P referiram que presenciaram o carregamento da máquina e que nunca mais viram a máquina nas instalações do Executado.

    Sequencialmente, a Apelante sugere a introdução de algumas correcções quanto aos factos impugnados, a saber: no n.º 2) a substituição da data de emissão dos cheques, ficando a constar “o ano de 2012”, no n.º 3) a substituição do nome da pessoa a quem foi feito o fornecimento, para que em vez de “ao executado” passe a constar “a A” e no n.º 6) aditando-se o motivo da devolução dos cheques “por estarem fora do prazo”.

    Vejamos então.

    Se relativamente ao aditamento do segmento referido, ao n.º 6), nada obsta por constar do verso de cada um dos cheques, já no que se refere às alterações aos n.os 2) e 3) julga-se ser de indeferir, atentas as declarações prestadas pelo próprio Apelante, que se confessou devedor pessoal dos fornecimentos, e ainda de uma parte do preço da máquina de impressão, que disse, ele próprio ter comprado à Exequente.

    Posto que estamos perante factos que não são...

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