Acórdão nº 1234/14.6T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução23 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO N intentou execução ordinária para pagamento de quantia certa, fundada em livrança subscrita pela sociedade J (declarada insolvente) e avalizada pelos executados V, JC, JR, MV, JV, DV, MT, ET e JT.

O executado JR deduziu oposição à execução, mediante embargos, alegando, em síntese, que o aval por si prestado na livrança exequenda teve como pressuposto a sua qualidade de sócio da sociedade J, subscritora da mesma.

Mais alega que cerca de um mês após ter entrado no capital social da empresa, em 2001, cedeu a sua participação na mesma, deixando, assim, de ser sócio, e tendo comunicado tal facto ao Banco exequente foi por este exonerado das responsabilidades decorrentes do aval prestado, na sequência do que descansou e não procedeu à denúncia formal do aval que havia prestado.

Refere, ainda, que a cessão da sua participação social foi feita “com todos os correspondentes direitos e obrigações”, sendo que a partir daí deixou de ter qualquer ligação aos destinos daquela sociedade e qualquer controlo sobre o cumprimento das suas obrigações cuja gestão ficou totalmente entregue aos demais sócios e administradores que integravam o substracto social.

Após invocar o princípio da livre denunciabilidade dos contratos de duração indefinida decorrente do disposto no artº. 280º do Código Civil e a existência de abuso de direito por parte do Banco, acrescenta que a livrança em causa foi assinada e entregue ao Banco exequente em branco (ou seja, sem ser preenchida no tocante a valores e datas), não tendo o oponente sido informado do valor que a livrança garantia, para além de que não deu autorização para o seu preenchimento, tendo este sido abusivo.

Conclui, pedindo a procedência da oposição e, consequentemente, a extinção da execução.

Contestou o Banco exequente, impugnando os factos alegados pelo executado/embargante, defendendo, ainda, a inexistência do invocado abuso de direito e a inadmissibilidade da denúncia do aval.

Termina, pugnando pela improcedência dos embargos de executado, com o consequente prosseguimento da acção executiva, e pedindo a condenação do executado/embargante como litigante de má-fé, em multa e indemnização a seu favor.

Foi proferido despacho saneador, no qual se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, se definiu o objecto do litígio e enunciou os temas de prova, que não sofreram reclamações.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a oposição à execução mediante os presentes embargos deduzidos pelo executado JR, não vislumbrando existir de forma inquestionável litigância de má fé.

Inconformado com tal decisão, o executado/embargante dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: I – A obrigação do aval constituiu-se, no caso, para garantia do cumprimento de um contrato de financiamento celebrado em 2.01.2001, com o prazo inicial de seis meses, e que apenas cessou os seus efeitos em 27.08.2012 – vd. itens 8º e 21º dos factos provados.

II – Durante a vigência desse contrato, o mesmo foi objeto de vinte e cinco renovações.

III – Escapa à previsibilidade do termo do contrato, a prorrogação durante tamanho lapso temporal do contrato de abertura de crédito ajuizado, tanto mais que as condições negociadas se mostram necessariamente adversas a tal número de renovações.

IV – O preenchimento da livrança dada à execução ocorreu em 27.08.2012, ou seja, onze anos e oito meses após a celebração do pacto de preenchimento da livrança e da sua entrega em branco ao banco exequente – vd. item 21º dos factos provados.

V – Qualquer pessoa, avalista ou subscritor, não deve ficar eternamente sujeita a uma mesma obrigação, criando escola a tese na doutrina e jurisprudência portuguesas que nos vínculos contratuais duradouros e ilimitados no tempo, qualquer uma das partes poderá livremente denunciar o contrato, sem necessidade de um fundamento ou justa causa - denúncia ad nutum ou ad libitum.

VI – Este princípio de livre denunciabilidade dos contratos de duração indefinida decorre do disposto no artigo 280º, nº 2, do Cód. Civil, que consagra o princípio geral de proibição dos negócios contrários à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes.

VII – No caso dos autos, a denúncia do aval ocorreu em momento anterior ao preenchimento do título cambiário – vd. itens 21º e 25º dos factos provados.

VIII – A denúncia do aval pelo oponente, operada pelo escrito aludido no item 25º dos factos provados, deve ter-se não só como válida, à luz do artigo 280º do Cód. Civil, mas também como eficaz, no momento em que essa declaração chegou ao conhecimento do seu destinatário, ou seja, ao banco exequente – cfr. artigo 224º, nº 1, do mesmo diploma.

IX – O douto acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ de 11.12.2012, citado na douta sentença de que se recorre, tem de ser necessariamente interpretado em função dos factos sobre os quais se pronunciou e que não coincidem com aqueles que estão em causa nestes autos.

X – No caso de que se ocupou o acórdão sob juízo, entre o aval prestado e a sua denúncia pelo avalista mediaram cerca de cinco meses, proximidade temporal esta que levou a que tal, douto, acórdão não se pronunciasse sobre a questão da invocada contrariedade à ordem pública da relação jurídica de duração indefinida ou indeterminada, invocada pelo embargante nesta sede.

XI – A lei tem de ser aplicada, sempre, por apelo ao caso concreto e às suas especificidades e circunstâncias, razão pela qual os acórdãos uniformizadores de jurisprudência não podem ser aplicados irrestritamente, tout court, como lei geral e abstrata, desconsiderando o caso concreto e os factos sobre os quais fixou jurisprudência.

XII – Em face do exposto, deve concluir-se que, em situações como a dos autos, é admissível a denúncia do aval, efetuada em momento anterior ao preenchimento do título cambiário e, por via disso, na validade e eficácia da denúncia do aval operada pelo oponente.

XIII – Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou, por errada interpretação, o disposto no artigo 280º do Cód. Civil.

Termina entendendo que o presente recurso deve ser julgado procedente, julgando-se os presentes embargos procedentes e determinando-se a extinção da execução contra o executado/embargante..

O exequente/embargado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e consequente confirmação da decisão recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 99.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

    Atentas as conclusões do recurso interposto pelo executado/embargante, a questão submetida à apreciação deste Tribunal consiste em saber se é admissível a denúncia do aval prestado pelo executado/recorrente na livrança exequenda, enquanto sócio da sociedade que a subscreveu, depois de ter cedido a sua participação social.

    Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]: 1. A conta caucionada / empréstimo em questão, destinou-se a financiar o desenvolvimento do escopo social da citada J, designadamente a ampliação da área da sua actividade.

    1. Em data não concretamente apurada de 2001, o oponente cedeu a sua participação na mesma, deixando, assim, de ser seu sócio.

    2. A partir daí deixou de ter qualquer ligação aos destinos daquela sociedade, deixando, por inerência, de ter qualquer controlo sobre o cumprimento das suas obrigações cuja gestão ficou totalmente entregue aos demais sócios e administradores que integravam o substrato social.

    3. A cessão da sua participação social foi feita “com todos os correspondentes direitos e obrigações”.

    4. A partir daquela data, deixou de assumir os ganhos e as perdas do património da indicada sociedade.

    5. A partir daquela data, a ligação entre a instituição bancária e a sociedade estabeleceu-se com os administradores desta.

    6. A livrança ajuizada foi assinada e entregue ao banco exequente em branco, ou seja, sem ser preenchida no tocante ao valor e data de vencimento.

    7. Em 2 de Janeiro de 2001, o Banco Embargado, como Mutuante, e a Sociedade J, como Mutuária, celebraram um contrato de Financiamento, sob a forma de Abertura de Crédito em Conta Corrente, com o n.º CC …, adiante designado por “Financiamento”, até ao montante máximo de PTE. 325.000.000,00 (trezentos e vinte e cinco milhões de escudos), correspondente a Eur. 1.624.402,50 (um milhão seiscentos e vinte e quatro mil quatrocentos e dois euros e cinquenta cêntimos) – cf. documento nº 1 junto com a contestação.

    8. Este financiamento funcionava numa conta aberta no Banco Embargado, em nome da Mutuária, sob o número 120879.002.17.

    9. O...

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