Acórdão nº 1420/11.0T3AVR-N - G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Março de 2017
Magistrado Responsável | FERNANDO CHAVES |
Data da Resolução | 20 de Março de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório 1.
Por apenso ao processo comum colectivo n.º 1420/11.0T3AVR, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Bragança – Instância Central – Secção Cível e Criminal – J1, em 18-07-2016, o Mmo. Juiz a quo proferiu despacho em que indeferiu a reclamação apresentada por F. M. e E. M. no sentido de ser declarada a irregularidade/nulidade por falta de cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 119.º do Código do Registo Predial.
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Inconformados, F. M. e E. M. interpuseram recurso deste despacho, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «I - Os recorrentes adquiriram, em 14 de março de 2014, por compra o prédio urbano sito em …, concelho de Bragança, inscrito na matriz urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Bragança sob o nº …Bragança.
II - Adquiriram o prédio à sociedade … Sociedade Unipessoal Lda.
III - O prédio estava registado na Conservatória do Registo Predial de Bragança pela Ap. … em nome da sociedade vendedora.
IV - Os recorrentes após a compra do prédio registaram na Conservatória do Registo Predial de Bragança, pela Ap. … a aquisição em seu nome.
V - Para a compra do prédio e financiamento da construção moradia que, neste momento, está na fase conclusiva, os recorrentes recorreram ao um empréstimo bancário no valor de 210.000,00 euros dando de hipoteca o prédio conforme registo de Hipoteca constante da Ap. ….
VI - Em 19 de maio de 2015 os recorrentes foram citados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 119º, 1 do Código do Registo Predial.
VI - No dia 20 de maio de 2015 os recorrentes apresentaram no Tribunal uma declaração na qual declararam que o prédio lhes pertencia e juntaram prova documental da escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca.
VII - Em 6 de junho de 2016, depois de terem pedido um reforço do financiamento no valor de 70.000,00 euros para conclusão das obras, foram surpreendidos pela entidade bancária de que o empréstimo ficaria suspenso até cancelamento do arresto que incidia sobre o prédio.
VIII - No dia 16 de junho de 2016 não aceitando nem compreendendo o arresto que perseguia o prédio apresentaram uma reclamação reclamando o cancelamento da conversão em definitivo do arresto.
IX - E isto porque depois dos recorrentes terem apresentado a declaração de que o bem lhes pertencia não foram notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 119º, 4 do Código do Registo Predial.
X - O arresto que incidiu sobre o prédio - propriedade dos recorrentes - foi qualificado provisório por natureza nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 92º do Código do Registo Predial não obstante a existência da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro.
XI- As normas constantes dos artigos 7º e 10º da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro não se sobrepõem às normas dos artigos 7º, 92º, 2-a) e 119º, 1 e 4 todos do Código do registo Predial XII - São registadas provisórias por natureza as inscrições de arresto se existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento do direito de propriedade a favor de pessoa diversa do requerido.
XIII - O requerido é o arguido P. R.
XIV - Os recorrentes compraram a entidade diversa do arguido XV - No prédio adquirido por compra edificaram uma moradia.
XVI - Nos termos do artigo 119º, nº 4 do Código do Registo Predial “se o citado declarar que os bens lhe pertencem, o juiz remete os interessados para os meios processuais comuns e aquele facto é igualmente comunicado, bem como a data da notificação da declaração para ser anotada no registo” XVII - A omissão do determinado no nº 4 do artigo 119º do Código do Registo Predial sempre que ocorram as circunstâncias fáticas que levem à sua aplicabilidade constitui uma nulidade.
XVIII - Consequentemente a decisão que ordena a conversão em definitivo do registo de arresto está ferida de ilegalidade por violação da tramitação processual imposta pelo artigo 119º, nº 4 do Código do Registo Predial.
XIX - E deverá ser revogada.
XX - E ordenado o cancelamento da conversão em definitivo do arresto - Averb. Ap. … que incide sobre a descrição nº …da freguesia de…, concelho de Bragança.
XXI - Simultaneamente e uma vez ordenado o cancelamento do averbamento de conversão em definitivo do arresto deverá ordenado o cancelamento do arresto - Ap. … lavrado na ficha número …da freguesia de …, concelho de Bragança, por ter ocorrido a sua caducidade.
Assim decidindo o Colendo Tribunal da Relação de Guimarães fará JUSTIÇA» 3.
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.
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Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal(1), perfilhando na íntegra a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.
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No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2, não houve resposta.
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Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
* II - FUNDAMENTAÇÃO 1. O despacho recorrido (transcrição): «Vieram os reclamantes alegar que quando foi notificado no âmbito do disposto no art. 119º, nº 1 do C.R.P veio responder afirmativamente. E bem assim face á sua tomada de posição de que o Tribunal deveria remeter os interessados para osa meios comuns nos termos do nº 4 da referida norma.
Veio o MºPº responder a Fls 527 pugnado pela aplicabilidade do art. 228º, nº 4 do C.P.P e pela aplicabilidade do referido art. 119º, nº 4 do C.R.P: Dos factos: Com efeito encontra-se provado que os reclamantes cumpriram o disposto do nº 1 do art. 119º do C.R.P. Também resulta dos autos que: O arguido P. R. foi constituído arguido em 2/7/2013; adquiriu o imóvel em causa em 2009/08/06 a A. MM. e vendeu-o em 2014/03/14 á Sociedade “…Unipessoal L.dª” cfr. Fls 433 e 434.
Nos termos do normativo em análise fácil é concluir que: A citação do titular inscrito no registo predial de bens cuja penhora foi ordenada só deve fazer-se se esse titular não for o arguido e deve efetuar-se na pessoa daquele que à data for efetivamente o atual titular inscrito. Pois apenas a esse pode ser exigido que preste as informações necessárias à averiguação da titularidade do bem penhorado.
Comecemos por dizer que o arresto em causa foi decretado nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 10º, da Lei nº 5/2001, de 11 de Janeiro, por referência ao artigo 7º, nº 1 e 1º, nº 1, al. i), da mesma Lei.
O legislador português, ao lado da perda dos instrumentos e produtos do crime (art. 109.º do Código Penal) e da perda das suas vantagens (art. 111.º do mesmo diploma legal), criou um forte regime de perda ampliada ou alargada (arts. 7.º e seguintes da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro), que abrange bens que o Ministério Público não consegue relacionar com um qualquer crime concreto.
Como se refere no Acórdão desta Relação, de 11 de Junho de 2014, proferido no processo 1653/12.2JAPRT-A.Pl, relatado pelo Exmo Desembargador, Dr. Neto de Moura, disponível em www.dgsi.pt, “Em bom rigor, não se trata de uma perda de bens como a prevista no Código Penal (artigos 109.º a 112.º). Apesar de ser essa a denominação utilizada na Lei n.º 5/2002, do que se trata é da perda de um valor: o valor correspondente à diferença entre o valor do património total do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. É esse valor do património incongruente que se presume constituir vantagem de atividade criminosa e que, em caso de condenação pela prática de algum ou alguns dos crimes catalogados no artigo 1.º daquele diploma legal, será declarado perdido a favor do Estado”.
Nos argumentos do próprio legislador: «pode acontecer … que tratando-se de uma atividade continuada, não se prove no processo a conexão entre os factos criminosos e a totalidade dos respectivos proventos», justificando-se a aplicação de um regime probatório menos exigente, construído com base na presunção da ilicitude do património desconforme. O que está em causa já não são apenas as vantagens diretamente resultantes da prática do crime, mas a existência de um património incongruente com os rendimentos lícitos e que o arguido não consegue, de qualquer forma lícita, justificar.
Com efeito, na referida Lei nº 5/2002, o legislador assumiu a preocupação de garantir a efetividade das decisões de perda, e nesse sentido, introduziu um regime especial de arresto. Cumpre ainda ter presente a possibilidade de, no âmbito do regime prescrito nessa mesma Lei, se aplicar a medida cautelar prevista no artigo 10º, com a única e exclusiva finalidade de garantir a futura decisão de perda, independentemente de os bens arrestados possuírem algum relevo probatório.
O artigo 1.º da Lei n.º 5/2002 estabelece um “catálogo” de crimes que se caracterizam, não só pelo grau de sofisticação e organização com que são praticados, mas também, e sobretudo, pela sua capacidade de gerar avultados proventos para os seus agentes. Daí a instituição de mecanismos especiais que visam facilitar a investigação e a recolha de prova e de um mecanismo sancionatório, repressivo que garanta a perda das vantagens obtidas com a atividade criminosa, tomando por base a presunção de obtenção de vantagens patrimoniais ilícitas através dessa atividade.
Refere o artigo 10º da citada Lei que: “1 - Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, é decretado o arresto de bens do arguido.
2 - A todo o tempo, o Ministério Público requer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa.
3 - O arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal, se...
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