Acórdão nº 44/14.5TACRZ.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução20 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 44/14.5TACRZ, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, no Juízo de Competência Genérica de Vila Flor - J1 (anterior Secção de Competência Genérica da Instância Local), foi proferida sentença, datada e depositada a 12-07-2016, com o seguinte dispositivo (transcrição): «IV- DECISÃO: Pelo exposto, e sem outras considerações: I. Condeno o Arguido J. M., pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; II. Condeno o Arguido J. S., pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, nº 1, al. b) e 177.º n.º 6, ambos do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; III. Condeno o Arguido J. S., pela prática de um crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo artigo 173.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; IV. Em cúmulo jurídico, condeno o Arguido J. S. na pena de 3 anos de prisão; V. Suspendo a pena de prisão aplicada ao Arguido J. M., por igual período, mediante regime de prova nos termos indicados; VI. Suspendo a pena de prisão aplicada ao Arguido J. S., por igual período, mediante regime de prova nos termos indicados; VII. Julgo, parcialmente, procedente o pedido de indemnização civil formulado por M. F. C.

, legal representante da menor S. C., condenando o Arguido J. M. a pagar o montante de € 2.000,00; VIII. Julgo, parcialmente, procedente o pedido de indemnização civil formulado por M. F. C.

, legal representante da menor S. C., condenando o Arguido J. S. a pagar o montante de € 3.000,00; * Condeno os Arguidos nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC – artigos 513.º, n.º 1 e 514.º n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.

* Pedido cível deduzido, custas cíveis na proporção do decaimento, 4.º, alínea n), do RCP, à contrário, artigo 523.º, do CPP e artigo 527.º, n. 2, do CPC.» 2.

Não se conformando com essa decisão, dela interpôs o presente recurso o arguido J. M., concluindo a sua motivação nos termos que a seguir se transcrevem: «V - Das Conclusões 1. O recorrente foi condenado por um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução.

2. Da análise da prova produzida, mormente dos depoimentos das testemunhas e recorrente, não podia ter resultado a convicção da sua condenação; 3. As declarações para memória futura prestadas por S. C.

, que de objetivas, coerentes e lógicas nada se revelaram, ao contrário do considerado pelo tribunal a quo.

4. Do depoimento de J. S., resulta que a S. C. lhe falou num homem de seu nome A., que não J. M., nunca tendo relatado qualquer outro abuso sexual sofrido.

5. Que nunca teve receio de passar na rua onde está localizada a casa do recorrente, e que pouco tempo depois da data dos pseudo factos, foi lá levar uma alface a mando de sua mãe e entrou para casa do recorrente sem medos! 6. Que o arguido a queria agarrar novamente e fazer-lhe… começou aos berros e saíu de lá.

7. Sendo inconcebível que tal tivesse acontecido com a mulher a dormir a sesta sem que acordasse! 8. É normal em meios rurais uma relação de vizinhança bem mais aprofundada com trocas de géneros alimentares como dar doces aos mais pequenos, sem intenção de sedução! 9. A prova produzida em audiência de julgamento impunha ao tribunal a quo decisão diferente daquela que foi proferida! 10. O silêncio em nada pode desfavorecer o arguido! 11. E do lado oposto ao mesmo, só temos as declarações da menor S. C., nenhuma outra prova se tendo produzido! 12. Impondo-se como realidade paradigmática à compreensão do problema em análise, determinar os contornos da noção de imputabilidade.

13. Esta assenta na capacidade do agente, no momento da prática do facto, avaliar a ilicitude do mesmo e agir de acordo com essa avaliação.

14. O que está em causa é o discernimento do agente, perante o mal que advém da prática do crime, em valorar a conduta/resultado e, consequentemente, abster-se de qualquer comportamento ilícito.

15. Só poderá haver imputação do ato ao seu ao autor se este possuir a noção exata da natureza e do alcance daquele e tendo-o praticado! 16. O mesmo teve conhecimento da conduta ilícita que lhe estava a ser imputada através das entidades de investigação criminal, o que o deixou apreensivo e preocupado, não se revendo nos factos pelos quais foi condenado! 17. O tribunal a quo ao dar como provados os factos ocorridos nos dias de fls… nas versões que constam da fundamentação da sentença, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, do CPP.

18. O recorrente é visto como um indivíduo de trato cordial com aqueles com que interage no quotidiano! EM SUMA, REQUERENDO-SE A REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA NOS PRESENTES AUTOS, NÃO SÓ FICARÁ PROVADO QUE O RECORRENTE NÃO PRATICOU O ILÍCITO POR QUE FOI CONDENADO, COMO QUE NÃO TEVE QUALQUER COMPORTAMENTO INDICIADOR DO MESMO.

QUANTO MUITO PERANTE A DÚVIDA, DEVERIA TER SIDO ABSOLVIDO EM OBEDIÊNCIA DE ELEMANTARES PRINCIPIOS.

TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADO O ACORDÃO RECORRIDO, ABSOLVENDO-SE O MESMO DA PRÁTICA DO CRIME DE ABUSO SEXUAL DE MENOR.

Fazendo-se assim, a habitual e necessária JUSTIÇA!» 3.

O Exmo. Procurador-Adjunto na primeira instância respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, por entender que a decisão sobre a matéria de facto foi adequada e materialmente justa e correta, face a toda a prova produzida, não tendo existido qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova; que no decurso da audiência de julgamento não se suscitou a questão da inimputabilidade do arguido nem este requereu a realização de perícia psiquiátrica para aferição da sua eventual inimputabilidade; e que da leitura da decisão não resulta que o tribunal a quo tenha chegado a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolhesse a tese desfavorável ao arguido, pelo que não foi violado o princípio in dubio pro reo.

4.

Apresentou igualmente resposta M. F. C., legal representante da menor S. C., demandante civil, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, confirmada a sentença recorrida, porquanto o recorrente alegou apenas que a decisão deveria ter sido diversa, mencionando os factos dados como provados na sua generalidade, mas sem os circunstanciar em concreto e, essencialmente, sem apontar a forma diversa em que deveriam ter sido julgados, mais entendendo que não houve qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova nem do princípio in dubio pro reo, bem como que em momento algum perante o tribunal a quo surgiram quaisquer dúvidas pelo arguido e seu defensor da questão da suposta inimputabilidade.

5.

Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, por entender que, em síntese, o recorrente coloca a discussão da matéria de facto na área da valoração que o tribunal conferiu aos meios de prova, concretizando um ataque às ilações que o julgador retirou da prova produzida, visando impor o seu ponto de vista e a sua subjetiva leitura da mesma, bem como que a formação da convicção do tribunal a quo se mostra suficientemente objetivada no texto da sentença, claramente despida de qualquer arbitrariedade, não ficando numa dúvida insanável perante formas diversas de observar os factos, antes chegando a uma certeza jurídica sobre os mesmos, para além de qualquer dúvida razoável, pelo que não se pode validamente convocar o princípio in dubio pro reo, e que, por fim, quanto à inimputabilidade, reportando-se, aparentemente, a estranha argumentação do recorrente à falta de comprovação dos factos delituosos imputados, encontrar-se-á a mesma, obviamente, prejudicada pelo referido anteriormente.

6.

No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer reposta.

7.

Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do citado código.

II.

FUNDAMENTAÇÃO 1. QUESTÕES A DECIDIR Em conformidade com o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação pelo recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso(1).

Assim, constituem questões a apreciar: a) - A impugnação da matéria de facto.

  1. - A violação do princípio in dubio pro reo.

  2. - A inimputabilidade do recorrente.

    1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO CONSTANTE DA SENTENÇA RECORRIDA (transcrição, na parte relevante para a apreciação do recurso): «

    1. Factos Provados: Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a mesma: Relativos ao Arguido J. M.: 1. O Arguido J. M.

    conhece a menor S. C., nascida a 20-7-1999, desde data não concretamente apurada mas seguramente desde o ano de 2004 em virtude de ser proprietário de uma habitação a poucos metros da habitação na qual a menor residia juntamente com a sua mãe, nomeadamente em …, Carrazeda de Ansiães; 2. O Arguido J. M.

    residia em França e utilizava a mencionada habitação em determinados períodos do ano; 3. Mercê dessa proximidade, o Arguido conhecia a S. C., assim como a mãe e o pai desta, oferecendo à menor coisas diversas, como rebuçados, chocolates e chicletes; 4. Em dia não concretamente apurado do ano de 2009, mas seguramente após o dia 20 de Julho de 2009, pelas 15:00 horas, nas imediações da sua residência, o Arguido J. M. avistou a menor S. C. e aproximou-se da menor; 5. De seguida, agarrou-lhe o braço e...

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