Acórdão nº 165/15.7GBMDL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Março de 2017
Magistrado Responsável | AUSENDA GON |
Data da Resolução | 20 de Março de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: No processo comum singular nº 165/15.7GBMDL da Instância Local, Secção de Competência Genérica de Mirandela, da Comarca de Bragança, os arguidos R. M.
e J. P.
foram condenados, como co-autores de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 145º, nº l, al. a) e nº 2, por referência ao artigo 132º, nº 2, al. i) do C. Penal, nas penas de, respectivamente, 10 meses de prisão, substituída por 280 dias de multa à taxa diária de € 5, no montante global de € 1400 (mil e quatrocentos euros) e de 12 meses de prisão, substituída por 320 dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros), no montante global de € 2.240 (dois mil duzentos e quarenta euros), bem como a pagarem ao ofendido o montante de € 2.500, acrescido de juros de mora à taxa anual de 4%, contados desde a prolação da sentença até efectivo e integral cumprimento, ao abrigo do disposto no art. 82º-A, nº1, do CPP, a título de reparação dos danos causados.
Inconformado, o arguido J. P.
interpôs recurso dessa decisão, formulando na sua motivação as seguintes conclusões: «1ª O Tribunal a quo procedeu a uma alteração da qualificação do crime imputado ao arguido, não tendo notificado o mesmo dos motivos da alteração.
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Agindo desta maneira o Tribunal a quo não cumpriu com os requisitos formais e substanciais, não obedecendo e respeitando o princípio do contraditório.
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Impossibilitando assim o ofendido de apresentar a sua defesa.
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Tal omissão violou o preconizado no Artigo 32º, n.º 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
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Em face de tal deve a Sentença proferida considerada nula, ser o arguido notificado da fundamentação da alteração da qualificação jurídica, podendo ulteriormente exercer o contraditório.
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Na eventualidade de tal não acontecer deverá o arguido ser absolvido.
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A sentença proferida pelo Tribunal a quo não motiva, nem fundamenta a condenação do arguido, o que constitui uma nulidade.
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O Tribunal “a quo” violou o Princípio da Livre Apreciação da Prova, contido no artigo 127º do Código de Processo Penal.
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O Tribunal “a quo” violou o Princípio da Presunção de Inocência.
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O Tribunal “a quo” também violou o Princípio Constitucional in dubio pro reo.
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Não ficou provado qual o conteúdo do spray alegadamente utilizado pelo arguido e não ficou demonstrado o nexo de causalidade na utilização do mesmo com a queda do ofendido.
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O arguido não agiu utilizando ou recorrendo a qualquer “meio insidioso”.
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O arguido não colocou o ofendido numa posição de difícil ou impossível defesa.
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Atendendo ao desconhecimento do teor do spray não pode a conduta do arguido ser considerada censurável ou perversa.
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O arguido J. P. não agiu em co-autoria com o outro arguido.
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A sentença proferida é totalmente omissão relativamente à fundamentação da co-autoria.
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Em face de tal deverá o arguido ser absolvido, beneficiando do princípio in dubio pro reo.
Sem prescindir ou conceder 18ª Quanto muito o arguido poderia ser condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física simples.
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Em face de tal no máximo poderia ser condenado numa pena não privativa da liberdade atendendo ao facto de não ter antecedentes criminais.
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A Sentença proferida violou os Artigos 40º e 71º do Código Penal atendendo que a pena aplicada ao arguido ultrapassou a culpa daquele.
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O arguido não tem antecedentes criminais.
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A sua vida foi pautada pela normalidade social.
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O arguido merece um juízo de prognose favorável.
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Em face de tal deveria o arguido ser condenado numa pela de multa nos limiar dos limites mínimos.
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O Tribunal a quo não poderia ter condenado o arguido no arbitramento de reparação dos danos sofridos pela vítima, atendendo que não existem particulares exigências de protecção da vítima.
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Tal arbitramento constitui um caracter excepcional no qual o ofendido não se enquadra.
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O arguido deverá ser absolvido no que diz respeito ao arbitramento de reparação dos danos sofridos pela vítima.
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Mesmo que se enquadrasse em tal regime, teria o arguido de ser notificado para o exercício do contraditório.
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O arguido não foi notificado para o exercício do contraditório no âmbito do Artigo 82º-A do C.P.P..
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Tal omissão constitui uma anulabilidade de conhecimento oficioso que acarreta com reabertura da audiência para dar cumprimento ao disposto no n.º2 do Art.º 82º-A do C.P.P..
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Deverá ser reaberta da audiência para dar cumprimento ao disposto no n.º2 do Art.º 82º-A do C.P.P..
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O valor arbitrado para a reparação é um valor totalmente desproporcional aos alegados danos sofridos pelo ofendido.
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O ofendido teve possibilidade e foi notificado para apresentar o PIC não o tendo realizado por sua iniciativa.
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Em face de tal não poderá ser arbitrada qualquer compensação ou indemnização nos termos legais.».
O Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta ao recurso deduzido pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, por entender que a sentença recorrida não violou qualquer disposição legal ou princípio jurídico, mostrando-se devidamente fundamentada, justa e adequada, motivo pelo qual deverá a mesma ser mantida integralmente. E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer, sustentando que a decisão de 1ª instância não sofre de qualquer nulidade, por se encontrar devidamente fundamentada, tendo feito um exame crítico das provas, que permite avaliar cabalmente o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, no entanto discordou da subsunção jurídica na mesma plasmada porque em seu entender os factos provados não permitem a qualificação do crime de ofensas corporais pela utilização de um spray de conteúdo desconhecido.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.
*Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 402º, 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as questões (organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência) de saber se: 1. - a sentença é nula por: 1.1.- ter sido precedida de decisão que alterou a qualificação jurídica dos factos sem observância do princípio do contraditório e sem fundamentação; 1.2. - omissão de fundamentação; 2.
- não se preenchem os pressupostos da qualificativa do crime de ofensas à integridade física p. pelo art. 145º, nº l, al. a) e nº 2; 3. - não se preenchem os requisitos da co-autoria; 4. - foram violados os arts 40º e 71º do C. Penal; 5.
- foi violado o art. 82º-A do CPP; 6. - o recurso interposto aproveita ao arguido não recorrente.
*Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinentes os factos considerados provados e não provados na decisão recorrida (sic): «1) No dia 27.09.2015, pelas 05h00, H. T. ao sair da discoteca denominada DC, sito na localidade de Vila Nova das Patas, em Mirandela, e no momento em que caminhava em direcção à sua viatura, que se encontrava estacionada no parque da discoteca, foi abordado pela C. R. .
2) Após uma troca de palavras, aproximou-se o arguido J. P. (pai da C. R. ), munido na mão com um ferro com cerca de um metro de comprimento, que o ergueu, em direcção do H. T..
3) O H. T. conseguiu retirar o ferro das mãos do arguido J. P..
4) Em acto contínuo, o arguido J. P. retirou do bolso uma lata de spray cujas características não foi possível apurar, e pulverizou o referido produto, diversas vezes no rosto do H. T..
5) Tendo vindo a atingi-lo na zona dos olhos, levando a que este deixasse de ver por breves instantes e provocou a sua queda ao solo.
6) O H. T. estava assim no chão e nessa altura aproximou-se o arguido R. M. (namorado da C. R. ) e desferiu vários pontapés nas pernas e nas costas do H. T..
7) Das agressões que sofreu resultaram ferimentos para o H. T., tendo necessidade de receber tratamento hospitalar, como recebeu, no ULS Nordeste, Unidade Hospitalar de Mirandela, onde se queixava de dores oculares e odinofagia com rubor e prurido nos membros superiores; apresentava rubor periorbital; conjuntivas bem, sem défices visuais na visão ao perto; também apresentava rubor nos antebraços; rubor ligeiro e edema da orofaringe sem exsudados.
8) Da actuação dos arguidos, por via daquelas agressões, resultaram para o ofendido H. T., os ferimentos corporais descritos, que de forma directa, adequada e necessária lhe provocaram dores e determinaram 5 (cinco) dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional.
9) Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de ferir fisicamente o corpo e a saúde do H. T., de causar as lesões supra descritas, bem sabendo da ilicitude das suas condutas e que estas eram proibidas e punidas por lei.
10) Em consequência das condutas levadas a cabo pelos arguidos, bem como das lesões físicas sofridas pelo ofendido, o mesmo sentiu dores e incómodos, bem como vergonha, humilhação, tristeza, angústia, instabilidade, ansiedade e agitação.
11) Os encargos com a assistência prestada ao ofendido, em consequência das condutas dos arguidos, pela Unidade de Saúde do Noroeste, E.P.E., importaram na quantia de € 110,21, relativos aos episódios de urgência a que foi sujeito.
12) Do Certificado de Registo Criminal dos arguidos nada consta.
13) O arguido R. M. é agricultor.
14) Vive com os padrinhos que o sustentam.
15) Não tem rendimentos.
16) O arguido J. P. exerce funções como polícia marítimo.
17) Aufere como fruto do seu salário o valor de € 940,00 mensalmente.
18) Vive em casa própria.
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B.
Factos Não Provados De resto, não se provaram quaisquer outros factos.».
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Motivação da matéria de facto (sic): «O tribunal fundou a sua convicção no que toca à data, ao local e ao objecto do processo com base no depoimento das testemunhas ouvidas, conjugado com o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente o Auto de Notícia de...
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