Acórdão nº 4475/15.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO ALEXANDRE DAMI
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Comarca de Viana do Castelo- Barcelos- juízo central cível – (J2) * Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrentes: AA e esposa, BB; Recorrida: Euroscut Norte, Sociedade Concessionária da Scut do Norte Litoral, S.A.

* AA e esposa, BB propuseram a presente acção contra Euroscut Norte, Sociedade Concessionária da Scut do Norte Litoral, S.A.

, pedindo a condenação da mesma a pagar-lhes uma indemnização de 60.000,00 €, a título de responsabilidade civil extracontratual.

A Ré apresentou defesa por excepção invocando a incompetência absoluta do Tribunal para conhecer da acção.

Alega a mesma que celebrou com o Estado Português, em 17 de Setembro de 2001, um contrato de concessão de obras públicas, com vista à concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação, em regime de portagem sem cobrança aos utentes, de determinados lanços de auto-estrada no Norte Litoral.

A Concessionária, ora Ré, foi, então, designada como entidade a quem devia ser atribuída a Concessão, através do despacho conjunto do Ministro das Finanças e do Secretário de Estado das Obras Públicas, de 3 de Março de 2001.

Através do Decreto-Lei n." 23412001, de 28 de Agosto, foram aprovadas as Bases da Concessão. Posteriormente, através da Resolução do Conselho de Ministros n." 39-C/2010, foi "( ... ) aprovada a minuta do contrato de alteração ao contrato de concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, manutenção e exploração dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados designada por Norte Litoral em anexo à presente resolução, da qual faz parte integrante, a celebrar entre o Estado Português, representado pelos Ministros de Estado e das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, com a faculdade de delegação, e a Euroscut Norte - Sociedade Concessionária da SCUT Norte Litoral, S. A ( ... )".

No âmbito do contrato administrativo em apreço, a Concessionária, ora Ré, tinha como obrigação a condução e controlo dos processos expropriativos necessários à execução do contrato, sendo, para o efeito, investida dos necessários poderes de autoridade por via do contrato (cfr. Bases XXII e XXIII).

Diz ainda a Ré que não sofre contestação o facto de as normais, legais e contratuais atribuírem poderes à Concessionária para, entre outros, conduzir os processos de expropriação necessários à execução da obra pública concessionada. O que, aliás, resulta como possibilidade conatural a tais contratos, assim prevista no Código dos Contratos Públicos: "( ... ) Artigo 409º - Exercício de poderes e prerrogativas de autoridade 1 - As entidades adjudicantes podem conceder a execução ou a concepção e execução de obras públicas ou a gestão de serviços públicos.

2 - Mediante estipulação contratual, o concessionário pode exercer os seguintes poderes e prerrogativas de autoridade: a) Expropriação por utilidade pública; b) Utilização, protecção e gestão das infra-estruturas afectas ao serviço público; c) Licenciamento e concessão, nos termos da legislação aplicável à utilização do domínio público, da ocupação ou do exercício de qualquer actividade nos terrenos, edificações e outras infra-estruturas que lhe estejam afectas. ( ... )".

Significa isto, segundo a Ré, que a responsabilização da Concessionária por acções ou omissões no âmbito do exercício de tais prerrogativas, exercidas no âmbito do quadro legal e contratual jurídico-administrativo acima mencionado (para efeitos de construção de uma obra pública que é integrada no domínio público), consubstancia uma questão de natureza jurídico-administrativa, a ser dirimida na respectiva jurisdição.

Com efeito, diz a Ré, é perfeitamente identificável o ius imperii e, por outro lado, a actuação no âmbito de deveres, sujeições ou limitações especiais por razões de interesse público.

Entende a Ré que é facilmente subsumível a questão à tipificação presente no artigo 4.°, nº 1, alínea i) ou h) do ETAF, consoante seja a versão de 2002 ou de 2015.

Sendo que, em coerência, encontramos no nosso ordenamento jurídico a Lei n." 67/2007, de 31 de Dezembro, alterada pela Lei n." 3112008, de 17 de Julho, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas ("RRCEE").

No que ao caso interessa, refere a Ré, devemos atentar no artigo 1º, n." 5 do RRCEE, onde se dispõe o seguinte: "( ... ) As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sej am reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo. ( ... )".

Termina a Ré dizendo que deve ser julgada procedente, por provada, a excepção de incompetência absoluta, por ser o caso da competência da jurisdição administrativa.

* Na sequência, o Tribunal de 1ª Instância veio pronunciar-se sobre a excepção dilatória invocada, tendo concluído com seguinte decisão: “ … Nos termos do disposto no art. 99° do CPC, verificada a incompetência absoluta da instância central cível, absolve-se a Ré da instância (arts. 576° n° 2, 577° aI. a), 278° n° 1 aI. a), todos do CPC) …”.

* É justamente desta decisão que o Autor/Recorrente veio interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “Em conclusão: 1.º incontroverso que a incompetência absoluta de um tribunal, nomeadamente no que respeita à matéria, se pode encontrar no modo como o objecto da respectiva acção judicial nos é exposta, através da respectiva causa de pedir e pedido.

2.ºO disposto no art.º 211.º, n.º 1 da CRP, prescreve que: -“Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.” E o ponto 3 do mesmo comando, prescreve: -“Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.” Por sua vez 3.ºNos termos do art.º 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), na redacção actual, é estatuído que são cometidos aos Tribunais Administrativos a apreciação e resolução dos conflitos que contendam, e nomeadamente, com a fiscalização da legalidade das normas jurisdicionais e demais actos jurídicos, ainda que praticados por agentes privados, maxime as concessionárias dos Poderes Administrativos.

4.ºO objecto da proposta acção sub judice, e quer no que se reporta à parcela de terreno sobrante S1, e objectos nesta contidos, quer no que tange à parcela sobrante S2 e sua inerente transformação em zona non aedificandi, consiste na fixação do justo valor indemnizatório a atribuir aos ora recorrentes pela sofrida expropriação.

Assim 5.º As referidas, parcela sobrante S1 e objectos nela contidos e a parcela sobrante S2, resultaram do processo expropriativo n.º 431/06.2TBVCT do então 2.º Juízo Cível da Comarca de viana do Castelo.

Na verdade 6.ºA ré, Scut Norte Litoral, S.A., na qualidade de concessionária da Administração do Estado, procedeu à expropriação da parcela de terreno n.º 41, parte integrante de um prédio dos Recorrentes, para sobre ela fazer decorrer a auto-estrada A28, e assim satisfazer um relevante Serviço Público.

Daí que 7.ºSendo pelo objecto da acção, configurado pela respectiva causa de pedir e pedido, através dos seus factos essenciais, que se classifica a jurisdição dos tribunais pelos quais a acção deve tramitar e, por isso, encontrando-nos no âmbito de uma relação jurídica de jurisdição administrativa, a acção sub judice deveria decorrer pelos Tribunais Administrativos.

8.ºSó que sendo forçosamente de conceber que, quer o Processo Expropriativo, quer o Processo Comum por indemnização extracontratual, que com aquele se conexiona, são regidos por normas e institutos de Jurisdição Cível e de Jurisdição Administrativa; 9.ºNecessariamente que haveremos de classificar e separar as normas e institutos jurídicos que, por um lado, presidem a tais Processos Expropriativos e, pelo outro, aos Processos Comuns com aqueles conexionados.

Assim 10.ºPorque da primeira fase jurisdicional, constando do processo expropriativo, como constam, as normas e instituto jurídicos, tais como Declaração de Utilidade Pública (DUP), tomada de posse administrativa e a respectiva Vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam, necessariamente que tais normas e institutos apenas se confinam ao domínio da relação Jurisdição Administrativa, Vide art.ºs, e nomeadamente, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º e de 17.º a 21.º do Código das Expropriações.

11.ºA segunda fase jurisdicional, do dito processo expropriativo, sendo por natureza litigiosa, e porque tendo por objecto a fixação do valor a pagar aos expropriados pelo objecto das respectivas expropriações, decorre, necessariamente, pela Jurisdição do Tribunal...

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