Acórdão nº 5106/16.1T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Março de 2017
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 30 de Março de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO “AA” intentou, em 14-09-2016, este processo especial a fim de, através dele, nos termos dos artºs 17º-A e sgs, do CIRE, dar início a negociações com os seus credores com vista a com eles estabelecer um acordo que conduza à sua revitalização.
Alegou que já em 2013 tinha apresentado outro que terminou com a aprovação de um Plano. Na sua execução, conseguiu reduzir o seu passivo em cerca de 300.000,00€. Precisa de novo acordo com os seus credores e de novas medidas para prosseguir a estratégia de revitalização, possível, e o desenvolvimento da sua normal actividade, de que se encontra impedida porque a Banca lhe retirou apoio financeiro, a fim de ultrapassar a sua situação económica difícil.
Em 15-09-2016, foi proferido despacho inicial nomeando Administrador Judicial Provisório (AJP).
Em 18-10-2016, foi junta pela AJP a Lista Provisória de Créditos, entre os quais consta o reclamado pelo apelante Novo Banco, no valor global de 917.023,89€.
O Novo Banco declarou pretender participar nas negociações, conforme fls. 120 e 121.
Foram decididas as impugnações por despacho de 26-11-2016 (fls. 240).
Em 23-12-2016 a apelada “AA” requereu a prorrogação do prazo de negociações por mais um mês, o que lhe foi deferido (fls. 244 e 245).
Em 25-01-2017, a mesma apelada, apresentou nos autos requerimento em que declarou querer desistir da instância, nos termos do artº 21º, do CIRE, requerendo a sua homologação (fls. 256).
Em 26-01-2017, a Caixa Geral de Depósitos, reclamante de créditos nos montantes de 214.480,14€, 9.155,38€ e 3.811,43€, informou ter votado contra o Plano entretanto apresentado (fls. 252 e 253).
Na mesma data, a AJP informou já ter o resultado final da votação do Plano apresentado mas que aguardava a decisão sobre o requerimento de desistência da instância.
Com data de 27-01-2017, foi logo proferido o despacho homologatório da requerida desistência do seguinte teor: “No processo especial de revitalização, a prolação da decisão declaratória do encerramento do processo marca o limite a partir do qual deixa de poder haver lugar à desistência da instância ou do pedido de revitalização, sendo indiferente o trânsito em julgado desta decisão. Fundamental, para o efeito, é que o requerimento do desistente da instância ou do pedido de revitalização dê entrada antes da prolação da decisão declaratória do encerramento do processo” (Ac. da RG de 1/10/2013, proc. 84/13.1TBGMR.G 1).
Assim, atento o teor do requerimento mencionado, a qualidade da interveniente, a legalidade e disponibilidade do objeto da ação, a qual foi efetuada respeitando os termos legais, julgo válida a desistência nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 17.º e 21.º do CIRE e 293.º, n.°1, 296.º, 299.º e 300.º, nºs 1, todos do Código de Processo Civil e, em consequência, declara-se a instância extinta (artigo 287.° alínea d) do Código de Processo Civil).
Custas pela requerente.
Registe e Notifique.
“ Nesse mesmo dia, pelas 17,49 h, o apelante apresentou, Via Citius, requerimento a opor-se à homologação da desistência.
Seguiu-se-lhe, sem mais, o seguinte despacho: “Atenta a decisão já proferida nos termos do artº 613º do CPC está esgotado o poder jurisdicional.” O credor Novo Banco não se conformou com aquele despacho homologatório e dele interpôs recurso para este Tribunal, alegando e concluindo: “1. A aqui recorrida, requerente do PER, apenas informou que estava em PER, sendo que ao longo dos três meses de supostas negociações nunca mais contactou o recorrente para encetar negociações.
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Após a votação do plano pelos credores, veio a recorrida desistir da instância, sendo tal desistência homologada pelo douto despacho recorrido.
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Com o devido respeito, o despacho proferido pelo Tribunal a quo não poderia ter homologado tal desistência.
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Em Processo Especial de Revitalização, não é admissível a desistência da instância por parte do devedor, nos termos do disposto nos artigos 285º e seguintes do Código de Processo Civil 5. Sob pena de estar encontrada a forma ideal de o devedor fazer paralisar indefinidamente todas as acções judiciais para a cobrança de dívidas, pendentes ou a instaurar, assim como os processos de insolvência anteriormente instaurados.
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A recorrida não conseguiu cumprir um anterior plano que apresentou aos credores e que foi homologado em 11/09/2013.
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Além do mais, de acordo com o disposto na página 2 do plano apresentado nestes autos a votação dos credores a recorrida encontra-se em “profundas dificuldades”, por falta de financiamento, sendo que desde 2013 que já não apresenta lucros.
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Á data da publicação da lista de credores nestes autos o passivo da recorrida rondava cerca de um milhão de euros.
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A recorrida no plano apresentado nestes autos limitou-se a apresentar um plano de pagamentos, não apresentando aos credores verdadeiras medidas de fundo que possam permitir uma real revitalização da sociedade.
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Assim, encontra-se a recorrida impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas pelo que tem de ser considerada em situação de insolvência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3º do CIRE.
Termos em que, e no mais que Vossas Excelências se dignarem suprir, dentro do Vosso mais Alto Saber e Critério, deve ser considerado procedente o presente recurso, revogando-se a douto despacho por outro que não admita a desistência e encerre o processo com a declaração de insolvência da recorrida. Assim se fará JUSTIÇA.
” Não houve contra-alegações.
Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
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QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
No caso, coloca-se-nos a questão de saber se, neste tipo de processo especial e particularmente na fase em que o mesmo se encontra, é inadmissível e não deve ser homologada a desistência da instância requerida pelo devedor III. FACTOS Relevam os atrás relatados, emergentes dos autos.
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DIREITO A Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de Outubro, tomada no âmbito do “Memorando de Entendimento” com a CE, o BCE e o FMI, aprovou os chamados “Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores”.
Prosseguiu-se tal desígnio, por duas vias: -preconizando um mecanismo, puramente extrajudicial, a desenvolver sob os auspícios do IAPMEI, designado por SIREVE (Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial) que viria a ser implementado pelo Decreto-Lei 178/2012, de 3 de Agosto; -criando um outro, de natureza mista, mediante alteração do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Para tal, o Governo aprovou, em 30-12-2011, a Proposta de Lei nº 39/XII com vista à alteração do CIRE e à concomitante introdução nele do chamado “processo especial de revitalização”.
Assim, a Assembleia da República viria a aprovar a Lei 16/2012, de 20 de Abril, corporizando nesta o novo PER.
Buscando o seu espírito e olhando à sua forma, conclui-se, sem dificuldade, que tal processo especial, apesar de confiado aos tribunais, preserva uma índole marcadamente voluntária e extrajudicial e, por isso mesmo, especificidades formais na sua tramitação que pouco têm a ver com um litígio persistente entre pessoas e cuja resolução seja por elas instada e confiada à Justiça enquanto entidade orgânica formal constitucionalmente vocacionada para, com a sua autoridade, o dirimir, dizendo o Direito.
Percorrendo-se as normas aplicáveis dos artºs 1º, nº 2, e 17º-A a 17º-I, do CIRE, neste precisamente introduzidas por aquela Lei, delas se destaca que o processo destina-se a permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com eles um acordo conducente à sua revitalização, desígnio que, não fossem os incentivos, as garantias e os efeitos por lei previstos para tal iniciativa e quanto à intervenção, ainda que mínima, do tribunal no procedimento, porventura jamais passaria das intenções e se consumaria voluntária e extrajudicialmente.
O juiz limita-se, uma vez apresentado na secretaria judicial o requerimento em que o devedor, com apoio de pelo menos um credor, manifesta vontade de negociar, a nomear, por simples despacho, o administrador judicial provisório (artº 17º-C, nº 3, alínea a), a decidir eventuais impugnações à lista de créditos (artº 17º-D, nº 3), a homologar ou a recusar o plano aprovado (artº 17º-F, nº 5) e, nesta última hipótese ou na de nenhum acordo ter sido conseguido, a encerrar o processo, extinguindo-se os efeitos deste ou declarando-se a insolvência do devedor, consoante esta situação se verifique ou não.
Assim e em suma, através deste processo judicial e com a reduzida intervenção de juiz: -promove-se ou potencia-se uma negociação inteiramente extrajudicial, “fora do tribunal” e quase fora do próprio processo, com “amplíssima liberdade”, originada e fundada na manifestação de vontade e consequente solicitação pelo devedor; -assegura-se, para o efeito, o chamamento dos credores, os quais, se o fossem apenas mediante apelo exclusivo à sua participação livre e espontânea, não seria exequível, prevenindo-se e dissuadindo-se, assim, o seu eventual alheamento, e obrigando-se ao seu comprometimento, sob pena de, caso não cooperem, se virem a achar vinculados a um plano de recuperação em que não participaram (artº 17º-F); -assegura-se também, por simples efeito do processo judicial, a suspensão generalizada de acções já intentadas e em curso (mesmo processos de insolvência em que esta...
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