Acórdão nº 1486/11.3TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Março de 2017
Magistrado Responsável | ELISABETE VALENTE |
Data da Resolução | 16 de Março de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1 –Relatório.
AA (A)intentou acção contra Construções Lda. (R), pedindo (após aperfeiçoamento da petição inicial):
a) Ser reconhecido que entre A e R foi celebrado um contrato de empreitada, consubstanciado em orçamento previamente aceite e acordado (…); b) Condenar-se a R à redução do preço da empreitada, no valor de € 51.670 da empreitada entre ambos celebrada e consequente devolução do mesmo ao A na proporção do devido (…).
c) Ser a R condenada a pagar ao Aa quantia de € 800 (…) emergente de despesas efectuadas com vista a definir a localização dos defeitos; d) Ser reconhecida a favor do Aa excepção de não cumprimento do contrato, no montante de € 51.670, correspondente à totalidade dos trabalhos mal executados e por realizar (…) e) Ser a R condenada a pagar ao Aindemnização a título de danos não patrimoniais, em quantia não inferior a € 30.000 (…).
Notificado para se pronunciar sobre a possibilidade de repercussão de outra acção (processo n.º 308696/10.0YIPRT) nos presentes autos, veio o A pugnar pela ausência de quaisquer efeitos da mesma sobre a decisão a proferir nos presentes autos.
Foi proferida a seguinte decisão: “[p]or via dos reflexos da autoridade do caso julgado da decisão proferida no processo 308 sobre a presente acção, julgou prejudicado o conhecimento dos pedidos formulados sob as alíneas a) e d), bem como absolveu a Ré da instância relativamente ao pedido de redução do preço formulado sob a alínea b).
E julgou manifestamente improcedentes os pedidos formulados sob as alíneas c) ee)”.
Inconformado com tal decisão, oA veio interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões (transcrição): “1. Entre a acção referida e a presente, não só não se verificam os requisitos do caso julgado (identidade quanto ao pedido e à causa de pedir), como ainda, a decisão que foi proferida nos autos 308 não chegou sequer a debruçar-se sobre a relação jurídica substancial, designadamente sobre as consequências jurídicas e legais de um cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, ficando-se apenas pela mera verificação da existência de defeitos que obstassem ao pagamento das facturas reclamadas pelo aqui Recorrido.
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Em concreto para se verificar a excepção dilatória do caso julgado, a lei exige a verificação de uma identidade tríplice: sujeitos, pedidos e causa de pedir.
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Quanto aos sujeitos é manifesta a existência de identidades entre os sujeitos das duas acções, a qual não se coloca em causa.
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No entanto, no que respeita ao pedido não poderemos dizer que se tratam dos mesmos pedidos, uma vez que na oposição à injunção formulada pelo aqui Recorrente, ali Réu, este embora tenha mencionado o direito à redução do preço e à resolução contratual, o pedido efectivamente formulado foi o se dar como provada a excepção de não cumprimento invocada, assente no pressuposto do direito a não pagar enquanto não fosse executados os trabalhos pelo aqui Recorrido, ali Autor.
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Resta, pois, apreciar da identidade, ou não, da causa de pedir de cada uma das acções, questão que justifica o desacordo do Recorrente quanto à decisão proferida.
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A identidade de causas de pedir que releva para verificação da excepção do caso julgado afere-se pelo facto jurídico de que emergem as pretensões deduzidas.
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Haverá identidade de causas de pedir sempre o facto jurídico concreto de que procede o direito ou interesse alegado pela parte seja o mesmo.
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Deste modo, ocorrerá a excepção de caso julgado quando o autor pretenda ver reconhecido, na nova acção, o mesmo direito que já lhe foi negado por sentença proferida noutra acção, identificando-se esse direito não só através do seu conteúdo e objecto, mas também através da sua causa ou fonte.
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Na acção anterior o Autor, ora Recorrido, formulou o pedido de condenação do agora Autor a pagar-lhe o valor das facturas n.º279 e 280 respeitante a mão-de-obra e materiais utilizados e não facturados, no âmbito do contrato de empreitada que as unia.
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A decisão aí proferida apenas condenou o agora Autor e Recorrente a pagar aquele valor, quando o ali Autor, aqui Réu e Recorrido realizasse a correcção dos trabalhos mal executados.
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Em suma, no caso concreto e entre as duas acções, identidade do pedido, já que, o pedido principal formulado naquela acção inicial era o de se reconhecer que o Recorrido (então Autor) tinha o direito ao pagamento das facturas pelo ali Réu, aqui Recorrente, enquanto que na presente acção, os efeitos jurídicos pretendidos, são o reconhecimento do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, com o consequente reconhecimento à redução do preço, à indemnização nos termos do artigo 1223,º do Código Civil, o direito à resolução contratual e o direito à indemnização por danos não patrimoniais.
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Inexiste entre as duas acções identidade de causa de pedir: Na primeira acção não foram alegados factos suficientes (dado também o tipo de acção) que permitissem aferir quanto ao direito à redução do preço, indemnização, resolução contratual e indemnização por danos não patrimoniais.
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A causa de pedir só será considerada a mesma se o núcleo essencial dos factos integradores da previsão das várias normas concorrentes tiver sido alegado no primeiro processo; Não tendo sido, como não foram, alegados factos essenciais que constituem a causa de pedir no primeiro processo, nada obsta a que seja intentada uma nova acção em que se aleguem esses factos até para obtenção de uma consequência /decisão jurídica de âmbitos diferentes, que apenas poderemos considerar complementares e nunca repetidos.
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A força e autoridade do caso julgado tem “por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica”, ao passo que a excepção dilatória do caso julgado se destina a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual – neste sentido Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, páginas 60 e 61, citado na decisão recorrida.
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A segurança jurídica, no nosso humilde entendimento ficará sim comprometida se o cidadão não tiver direito a interpor acção para lhe ver reconhecido um direito, sobre o qual nunca antes existiu qualquer apreciação, e decisão.
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Já ensinava o Prof. Alberto dos Reis, in ob. cit., pag. 92/93, que não é possível autonomizar o caso julgado - excepção e a autoridade do caso julgado como duas figuras essencialmente distintas, pelo que estaria errado quem entendesse que o caso julgado pode impor a sua força e autoridade, independentemente das três identidades mencionadas no art. 581°.
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Ou seja, segundo o mesmo autor, “ bem consideradas as coisas, há que concluir que o caso julgado - excepção e a autoridade do caso julgado não são duas figuras distintas, mas sim duas faces da mesma figura. O facto jurídico «caso julgado» consiste afinal nisto: em existir uma sentença, com trânsito em julgado, sobre determinada matéria.
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Tal não sucede no caso em preço, uma vez que nenhuma decisão foi tomada quanto ao direito do Recorrente de redução do preço; 19. Também nenhuma decisão foi proferida quanto ao direito do Recorrente obter uma indemnização pelo cumprimento defeituoso do contrato de empreitada.
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Também nenhuma decisão foi enunciada quanto ao direito do Recorrente resolver o contrato de empreitada, com as demais consequências legais.
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Também nenhuma decisão foi proferida quanto ao direito do Recorrente em ser-lhe atribuída uma indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes deste cumprimento defeituoso do contrato de empreitada! 22. Assim, o risco de contradizer ou reproduzir a decisão proferida na primeira acção é, salvo melhor e douta opinião, completamente inexistente! 23. Por outro lado, existe uma verdadeira contradição do tribunal “ a quo” na apreciação parcial do pedido quanto aos danos não patrimoniais.
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Entende o Meritíssimo Tribunal “ a quo” que apesar de entender estarem preenchidos os pressupostos da figura do caso julgado, deveria, apesar disso, pronunciar-se quanto ao pedido alicerçado nos danos não patrimoniais perspectivando-o no primeiro processo, ou seja, alicerçando-o nos factos dados como provados e já transitados em julgado na sentença do processo n.º 308696/10.0YIPRT.
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Nada mais contraditório depois de todas as formulações e teorias jurídicas e jurisprudenciais para fazer valer o instituto do caso julgado nos presentes autos.
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Ora, se o meritíssimo Tribunal entende que e encontram preenchidos os pressupostos para estarmos perante uma situação de caso julgado (o que desde já refutamos pelos argumentos supra), por se encontrar precludida a possibilidade de pela presente acção ver reconhecidos os direitos reclamados, então não faz sentido que aprecie um pedido de indemnização por danos não patrimoniais à luz do anterior processo, já decidido e já transitado em julgado.
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Se entende o meritíssimo tribunal que “toda a situação contraditória ou incompatível com aquela ficou definida na decisão transitada”, então esta pronúncia quanto ao pedido de danos não patrimoniais revela-se totalmente contraditória com tal decisão.
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Escreve ainda o Tribunal “a quo” na sua decisão que “este pedido só pode ser perspectivado, no âmbito da presente acção, como complementar do já reconhecido direito à eliminação dos defeitos, sendo, portanto, distinto de um eventual pedido de indemnização por danos não patrimoniais que possa vir a ser formulado com fundamento no não cumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos e como complemento de um hipotético futuro pedido de redução do preço com igual fundamento.” 29. Com efeito, se nesta específica situação e quanto a este pedido apresente decisão veio a proferir-se, levando a crer que afinal o direito à mesma não se encontra prejudicado ou precludido por acção anterior, então não se vislumbra o porquê que os restantes pedidos não poderão ser...
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