Acórdão nº 136787/14.3YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO I – As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. A Relação, na reapreciação da decisão de facto, deve avaliar todas as provas carreadas para os autos para formar a sua própria convicção.

II – Os contratos em que o predisponente deixa ao destinatário apenas a liberdade de aceitar ou não as cláusulas com a redacção que lhe é apresentada, constituem um desvio ao princípio da liberdade contratual, consagrado no art.º 405.º do C.C., na vertente da livre conformação do contrato, que pressupõe que as partes contratantes estejam a negociar numa posição de igualdade, podendo apresentar contrapropostas, contribuindo, assim, activamente no ajustamento dos interesses recíprocos.

III – Os art.os 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (LCCG) impõem ao predisponente o dever de comunicar aos proponentes ou aderentes o teor completo das cláusulas, e o dever de os informar dos aspectos essenciais nelas compreendidos, aclarando o que seja necessário aclarar, chamando a atenção para as cláusulas que contribuam para a interpretação de outras, e até mesmo para aquelas que ofereçam riscos para os seus interesses, e indicando ainda o sentido da interpretação que delas faz.

IV – Estas comunicação e informação são obrigações pré-contratuais que derivam da boa fé imposta pelo artº. 227º., do C.C., que faz, sobretudo, apelo à lealdade e honestidade.

V – Na interpretação das cláusulas contratuais reduzidas a escrito valem as regras constantes dos art.os 236.º e 238.º, do C.C., nos termos dos quais a declaração negocial vale com o sentido que for apreensível por um homem médio, suficientemente esclarecido, colocado na posição do real declaratário, regra que só é afastada se for conhecida a vontade real do declarante (falsa demonstratio non nocet), ou se aquele sentido não corresponder minimamente ao texto do documento.

** ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- O “B”, apresentou requerimento de injunção contra F, com os sinais de identificação nos autos, pedindo a notificação deste para lhe pagar a quantia de € 8.459,30, acrescida dos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, e ainda o valor da taxa de justiça inicial, que foi de € 152,00.

Fundamenta alegando, em síntese, que celebrou com o Requerido um “C”, tendo este, na sequência do contrato, efectuado movimentos a crédito e a débito. Conforme o extracto da Conta-Cartão, emitido em 27/07/2012, a conta do Requerido, associada ao cartão, apresentava um débito no valor de € 6.223,50, que, não obstante as insistências feitas nesse sentido, ele ainda não liquidou. De acordo com o estipulado no contrato venceram-se juros que somam € 2.082,80.

O Requerido deduziu oposição impugnando os factos invocados pelo Banco Requerente, alegando bem saber este que a responsabilidade pelos pagamentos das importâncias referentes aos movimentos do referido cartão, cabe unicamente à sociedade “A”, não só por o contrato ter sido celebrado em seu nome e por sua conta, como também porque é esta a única titular da conta associada ao cartão. Mais alega que o ora Requerente reclamou e foi-lhe reconhecido este crédito no PER, a que se apresentou a supramencionada “A”, e, numa fase ulterior, também no processo de insolvência que se lhe seguiu. Alega ainda que foi a pedido do Departamento Financeiro desta empresa, para a qual, na altura, trabalhava, com as funções de sub-director do Hotel à mesma pertencente, que acedeu a que o seu nome figurasse no cartão, limitando-se a apôr a sua assinatura nos locais que lhe foram sinalizados com uma cruz, sem que lhe fosse entregue, sequer, uma cópia do contrato, tendo-lhe sido garantido que não ficava com qualquer responsabilidade de pagamento das compras efectuadas com o cartão. Alega que o Banco Requerente não cumpriu os deveres de comunicação e de informação relativamente às cláusulas contratuais gerais. Finalmente, alega que a sua vontade foi no sentido de apenas ficar vinculado como titular nominativo do cartão, e só nessa qualidade.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 5.926,14 (cinco mil novecentos e vinte e seis euros e catorze cêntimos), a título de capital, acrescida dos juros remuneratórios, à taxa acordada, e dos juros moratórios, à taxa acordada, e demais encargos, vencidos após a data da citação e vincendos até integral pagamento.

Absolveu o Autor do pedido de condenação como litigante de má-fé, que o Réu havia formulado.

Este, inconformado, traz o presente recurso pedindo a alteração da decisão da matéria de facto e a sua absolvição do pedido.

Contra-alegou o Autor propugnando para que se mantenha o decidido.

O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

** II.- O Apelante/Réu funda o seu recurso nas conclusões: 6. Os factos dados como incorrectamente provados são os seguintes: 2; 6; 12 e 15.

7. Além de que, foram, também, erradamente considerados como não provados os seguintes factos: “ - O R. não tivesse celebrado qualquer contrato que o vinculasse ao A.

- O R. apenas “detivesse” o nome inscrito na parte frontal do cartão, com a menção de “F”, não se tendo vinculado, em sede alguma, perante o A. com qualquer obrigação de natureza contratual e/ou creditícia.

- O A. bem soubesse que a responsabilidade pelos pagamentos era da única e exclusiva responsabilidade da sociedade “A”.

- A entrega do cartão por parte do R. tivesse sido feita antes da data da sua desvinculação à referida sociedade.

- O director financeiro da referida sociedade, S, tivesse transmitido ao R. que o titular aquele cartão não assumiria qualquer obrigação.

- O R. só tivesse tido conhecimento do teor do contrato junto aos autos quando teve conhecimento da reclamação de créditos apresentada pelo A. no processo referido supra.

- O R. não tivesse ficado com qualquer cópia ou duplicado do contrato.

- O R. só tivesse assumido a qualidade de titular do cartão na condição de não ter que assumir qualquer obrigação mas apenas para desempenhar as suas funções no hotel a pedido do Departamento Financeiro.

- O R. nunca tivesse sido elucidado do sentido, efeito e alcance da sua vinculação enquanto titular do cartão nem sido informado dos termos do contrato.

- Nunca, desde a data da celebração do contrato - 17-6-2010 - lhe tenha sido (ao R.) remetida qualquer outra ordem de pagamento, nem qualquer outro extracto do cartão, nem tampouco lhe tenha sido feita qualquer outra comunicação para efectuar o pagamento de quaisquer valores.” 8. O Recorrente considera que, da análise que se efetua aos depoimentos prestados pelas testemunhas e das próprias declarações de parte, não poderia o Tribunal “a quo”, dar os factos, anteriormente referidos, como provados e não provados 9. Em suma, das declarações prestadas pelo Recorrente e que melhor se encontram vertidas nas alegações, extrai-se o seguinte, com relevância para a decisão da causa: 10. Inicialmente desempenhava as funções de subdirector, considerando que as mesmas eram de grande responsabilidade e com a saída do então director, passou a ocupar esse cargo, representado, assim, a sociedade “A”.

11. A questão da assinatura do contrato surgiu neste contexto, no ano de 2009/2010, tendo o mesmo sido remetido pela testemunha S, que interveio na negociação do mesmo, não tendo o recorrente mantido qualquer contacto com o Autor, dado que, adentro das suas funções, tal não lhe estava acometido.

12. O Recorrente limitou-se a assinar no local onde a testemunha S lhe indicou (com a aposição de uma cruz), ou seja, assinou como vulgarmente se designa “de cruz”, sem ler as cláusulas contratuais e muito menos entender o conteúdo das mesmas, porque nada lhe foi explicado e/ou transmitido a não ser que era condição a existência de um titular nominativo do contrato, uma pessoa singular, e foi só neste contexto que o assinou.

13. O Banco e/ou alguém a seu mando, assim como o diretor financeiro e/ou o gerente em sede ou circunstância alguma comunicou/explicou ou informou o Recorrente do conteúdo aposto no verso do contrato, onde constavam as cláusulas contratuais gerais.

14. O Recorrente não intervinha nos pagamentos que eram efetuados pelo Hotel, nem sequer no que ao cartão associado ao contrato dizia respeito, até porque, o extrato do mesmo não lhe era remetido. Apenas, teve conhecimento de que lhe estava a ser exigido o pagamento do cartão, quando foi notificado, no seu domicílio fiscal, do requerimento injuntivo que deu causa aos presentes autos.

15. Embora, o cartão estivesse em nome do Recorrente, não era movimentado única e exclusivamente pelo mesmo, também o era pelo chefe da receção e pela diretora de compras, P, cujos quais tinham acesso ao segredo do cofre onde mesmo estava guardado e ao código do cartão.

16. O Recorrente desvinculou-se contratualmente do “A” em Novembro de 2011 e, com a sua saída, procedeu à entrega de todos os instrumentos de trabalho inerentes ao seu cargo nomeadamente, o cartão.

17. Porque, posteriormente, teve necessidade de fazer um empréstimo pessoal junto do B, foi-lhe solicitado, pela mesma entidade bancária, uma declaração emitida pela “A”, da qual deveria constar que o Recorrente se considerava desresponsabilizado de todo e qualquer assunto relativo ao contrato e respectivo cartão associado (documento esse que consta dos autos e lhe foi remetido pela testemunha S, que na altura era diretor financeito do grupo que detinha o hotel).

18. Com a entrega da referida declaração o Recorrente criou a convicção de que se encontrava inteiramente desvinculado até porque é isso mesmo que consta da declaração que lhe foi entregue e, como tal, entendeu que o problema estaria sanado/resolvido.

19. Em suma, o Recorrente actuou na convicção de que o seu nome constava do contrato (por isso o assinou) e do cartão...

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