Acórdão nº 501/15.T8EPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelALEXANDRA ROLIM MENDES
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1 – O acordo celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora no âmbito da resolução amigável de um sinistro automóvel consubstancia um contrato de transação previsto no art. 1248º do C. Civil.

2 – Tal contrato ficou perfeito com a aceitação da proposta, que lhe foi dirigida pela Ré (Seguradora), por parte do ora Autor, contendo uma proposta indemnizatória, ficando a Ré obrigada ao pagamento da indemnização fixada nesse contrato.

3 - Assim, não pode vir a Ré posteriormente retirar a proposta alegando que não se verificavam os pressupostos da sua obrigação pois neste caso teria que invocar um vício na formação da vontade, designadamente o erro sobre o objeto do negócio, não sendo tal erro de conhecimento oficioso.

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: C, casado, residente na Rua do Fulão, nº …, na freguesia de Forjães, do concelho de Esposende, intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra a ré P, com sede na Rua Ramalho Ortigão, nº …, em Lisboa alegando em síntese, que é dono de um veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca BMW, modelo 630-I, tendo celebrado com a aqui ré um contrato de seguro do ramo automóvel, com cobertura de danos próprios, mediante o qual esta assumiu vários riscos, como p. ex. o de incêndio da dita viatura, com um capital de € 35.000,00, bem como a obrigação de indemnizá-lo em caso de privação do uso da viatura, de lhe facultar uma viatura de substituição e ainda de suportar custos com reclamação jurídica e honorários de advogado.

Alegou ainda o autor que no dia 11 de Abril de 2015, quando conduzia o seu veículo automóvel, o mesmo incendiou-se em andamento, tendo ardido todo o habitáculo. Participou o sinistro à seguradora ré, tendo esta proposto pagar-lhe uma quantia de €30.800,00, proposta essa por ele aceite, tendo tal aceitação sido comunicada à ré por meio do seu mediador.

Enquanto esperava pelo pagamento da referida indemnização, a ré pediu-lhe autorização para ser realizada uma peritagem técnica ao veículo nas instalações da BMCar, em Braga, para onde foi transportado pela ré em meados de Maio de 2015 e onde ainda hoje se encontra às ordens desta última, negando-se agora a ré a pagar-lhe as indemnizações resultantes da apólice contratada e, nomeadamente a indemnização consigo acordada.

Pede que a Ré seja condenada a pagar–lhe a quantia de € 45.850,00, pelos danos patrimoniais por si sofridos, decorrentes do incumprimento do acordo indemnizatório e do incumprimento do contrato de seguro (“dano próprio”) face ao incêndio que inutilizou o veículo, quantia essa acrescida de juros legais, a contar da citação até efetivo pagamento e também a pagar-lhe o valor de honorários do advogado desta ação entre € 750,00 e € 1.250,00, que vierem a ser fixados, e o valor das custas e demais encargos judiciais desta ação que vierem a ser por si suportados, até ao valor de € 3.000,00, ambos estes valores a liquidar em execução de sentença. Pede, por fim, a condenação da Ré a entregar-lhe o salvado do veículo, estabelecendo-se ainda uma cláusula penal compulsória de € 100,00 por cada dia de atraso na entrega e a pagar-lhe a quantia correspondente aos juros legais sobre o montante de 3.500,00€ (valor do salvado), contado desde a citação até efetivo pagamento.

A ré P contestou aceitando ter celebrado com o autor o contrato de seguro em questão, mas precisando o alcance e sentido das coberturas facultativas contratadas que estão em causa neste pleito.

Disse ainda a ré que após a realização de averiguações e várias peritagens à viatura do autor, veio a concluir que o incêndio verificado nessa mesma viatura não se ficou a dever a uma combustão acidental, tendo pelo contrário sido provocado intencionalmente, o que, nos termos das coberturas e exclusões contratadas, a desonera da obrigação de pagar ao autor qualquer dos valores que por ele vêm reclamados na petição inicial.

Foi proferida sentença que decidiu a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

* * Inconformado veio o A. recorrer formulando as seguintes Conclusões: 1ª – Tendo a Ré Seguradora, após participação duma ocorrência do seu segurado de um incêndio do seu automóvel, coberto por danos próprios, escrito ao segurado (A.), informando-o que fez uma vistoria ao veículo incendiado, que terminou a sua instrução do seu processo de averiguações, propondo ao A. pagar-lhe de imediato o valor de 30.800,00€, podendo o A. dar o destino que entender ao seu veículo e tendo o A.

aceite na totalidade esta proposta, que transmitiu à Ré, pelo meio e no prazo por ela sugerido, estamos em presença de um acordo negocial (contrato).

  1. – Este acordo/contrato é vinculativo e, atualmente, é muito frequente no âmbito da “proposta amigável”, no âmbito do DL nº 291/07, de 21.8.

  2. – Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato feita dentro da liberdade negocial, é irrevogável (art. 230º 1, CC) e, uma vez aceite, configura um contrato vinculístico que deve ser “pontualmente” cumprido pelas partes e só pode modificar-se ou extinguir por mútuo acordo dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406º, CC) – o que até hoje nunca aconteceu.

    Ou seja, “in casu”, o A. é credor da Ré do valor da perda total acordada (30.800,00€), ficando o A. com o “salvado”, crédito que se venceu na data da aceitação da proposta (29.4.2015).

  3. – Assim, procedente nesta parte o recurso, fica prejudicado o conhecimento da 2ª causa de pedir, alegada subsidiariamente.

  4. – Tendo o A. alegado como 2ª causa de pedir o incumprimento do contrato de seguros por danos próprios e apresentando a Ré Defesa por exceção, com vista a preencher uma cláusula de exclusão de responsabilidade (“in casu”, clª 7ª, d), de fls. 59), cabe á Ré o ónus da prova dessa cláusula e ao A. fazer a simples contraprova.

  5. – Tendo-se a Ré obrigado por acordo a indemnizar o A. do incêndio do seu automóvel ocorrido em 11.4.2015, na sequência do contrato de seguros de danos próprios e, depois, enquanto aguardava pelo pagamento da indemnização, tendo este autorizado a Ré, em tempo razoável, a fazer uma peritagem do automóvel na “BMCar” em Braga, para onde a Ré fez deslocar o veículo, incumpre o contrato se tal peritagem excede o tempo razoável previsto no art. 36º, a) e b) do DL nº 291/07, de 21.8 – obrigando-se a Ré a indemnizar o A. pelo tempo excedido a título de dano da privação do uso até à devolução do veículo e à entrega do valor da perda total acordado, aplicando-se na fixação desta indemnização, por analogia o art. 42, nº 2 do cit. DL nº 291/07 e o valor locativo do veículo de substituição conforme facto provado nº 11 e 12.

  6. – Age contra os sãos ditames da boa fé (dever de respeito e correção) no cumprimento das suas obrigações – art. 762º 2, CC – a Ré, seguradora que depois de dar por terminado o seu processo interno de averiguações, faz uma proposta amigável ao segurado, que é aceite e depois enquanto este aguarda o pagamento da indemnização, pede-lhe depois para deixar fazer uma peritagem na “BMCar”, mas afinal faz uma 1ª peritagem em 12.2.2015 (fls. 78 v.) e não contente com o seu resultado, pede uma 2ª peritagem em 18.8.2015 (fls. 93) e ainda não contente com esta pede uma 3ª peritagem interna, sem data (fls. 109 v. e 110), não dá conhecimento do resultado de nenhuma dessas peritagens ao A. (art. 36º 1, d), do DL nº 291/07), não lhe paga o valor a que se obrigou pagar em 29.4.2015, nem lhe entrega um veículo de substituição e vem na Contestação “dar o dito por não dito”.

  7. – O facto nº 13 da Matéria de Facto provada contém, notoriamente, uma conclusiva de facto (“quod demonstrandum”) ou um juízo de valor (desconhecemos, porque se concluiu que o incêndio não foi acidental ? Em que factos concretos se fundamenta ? O que fez o A. para provocar o incêndio ? Quais as circunstâncias concretas que levam o Tribunal a concluir que o incêndio não foi acidental, mas intencional ?).

  8. – Conforme douto Ac. da RP de 28.10.2015, procº 8794/11, TBVNG-P1, dgsi e os nossos processualistas atualmente reconhecidos (Lebre de Freitas e M. Teixeira de Sousa)… “o nº 4 do art. 646º, CPC anterior tem plena correspondência com o art. 607º, nº 4 do NCPC, na medida em que … na decisão da matéria de facto deve constar factos (ocorrências da vida real) e não conclusivas de facto ou juízos de valor”.

    “In casu” acresce que este único facto contém em si a própria decisão de direito.

    A consequência é declarar-se “não escrito” o Facto nº 13.

  9. – O erro de julgamento da matéria de facto pode derivar simplesmente do meio de prova aduzido para fundamentar o ponto de facto impugnado por não conduzir ao resultado probatório.

  10. – Não é meio próprio, adequado, suficiente e credível a prova feita pela junção aos autos de três peritagens mandadas fazer por inspeção ocular ao veículo do A. (fls. 78 v. e 79; fls. 93; e fls. 109 v. e 110) e depois ouve em declarações testemunhais os ditos três peritos – em vez de fazer a prova através duma peritagem judicial ao veículo, com exame requisitado pelo Tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, com nomeação do perito pelo Tribunal que não tenha ligações à parte (art. 467º nºs 1 e 4, CPC), potenciando às partes a elaboração de quesitos, sujeita á presença das partes na diligência e à reclamação do laudo, etc., só assim haveria a garantia e a certeza duma boa decisão de facto. 12ª – Acaso aquelas peritagens fossem feitas nos termos legalmente previstos, nem sequer os peritos podiam prestar depoimentos testemunhais – cfr. art. 470º, CPC – o que de si já diz quanto à falibilidade e insuficiência para obtenção do resultado probatório do meio de prova aduzido pela Ré.

  11. – Deve dar-se como “Não Provado” o facto nº 13, por: Quanto à 1ª Peritagem: No seu Relatório a fls. 78 v. subscrito por Manuel Soares, diz …”detetamos um foco de incêndio no habitáculo onde os materiais eram mais inflamáveis” e logo a seguir que …”o incêndio resultou de um curto circuito” e da sua investigação contatou que...

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