Acórdão nº 2955/15.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO 1) As licenças para o exercício de certo ramo (que podem implicar a realização de obras internas, instalações de água e eletricidade próprias e definições de áreas de compartimentos) cumprem ao arrendatário que pretende exercer a atividade específica; 2) Na interpretação da declaração negocial releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer.

***** Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO

  1. S veio intentar ação com processo comum contra o C, onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência, a ré condenada a: a) Ver declarado que o contrato de arrendamento teve o seu termo por oposição à renovação em 31 de Março de 2015; b) Entregar à autora livre de pessoas e coisas o arrendado; c) Indemnizar a autora com €1.000,00 por cada dia de atraso na entrega do arrendado ou o valor que vier a ser fixado, a contar de 1 de Abril de 2015 até efetiva entrega.

    O réu C apresentou contestação onde conclui:

    1. Deve a ação ser julgada não provada e improcedente, absolvendo-se a ré dos pedidos formulados pela autora, com custas por esta, sendo ainda esta condenada em multa e indemnização de valor não inferior a todos as despesas e encargos processuais, por litigância de má-fé.

    2. Deve a reconvenção ser julgada provada e procedente e condenar-se a autora a pagar, nos termos peticionados, o valor de €148.939,44, acrescidos de juros de mora à taxa legal e anual, contados desde a notificação desta contestação e até integral pagamento, sendo ainda declarado e reconhecido que a Associação ré goza do direito de retenção da coisa locada até que se mostre pago esse seu crédito, tudo com custas pela autora.

      A autora S apresentou réplica onde conclui entendendo dever a ação ser julgada procedente e a reconvenção julgada improcedente, por não provada, devendo a ré ser condenada, como litigante de má-fé, em indemnização e multa a favor da autora, não inferior a €10.000.

      * B) Foi elaborado despacho saneador, tendo-se relegado o conhecimento da invocada exceção perentória de direito de retenção para momento posterior, foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

      * C) Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença onde se decidiu julgar a ação parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente e, consequentemente:

    3. Declarar que o contrato de arrendamento em causa teve o seu termo por oposição à renovação em 31 de março de 2015; b) Condenar a ré a entregar à autora livre de pessoas e coisas o arrendado; c) Absolver a ré do pedido de indemnização formulado nos autos; d) Absolver a reconvinda do pedido reconvencional.

      * D) Inconformado com a decisão proferida, veio o réu C interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito suspensivo (fls. 229).

      * Nas alegações de recurso d o réu C, são formuladas as seguintes conclusões: 1-Vem o presente recurso interposto, também com impugnação da decisão sobre a matéria de facto e com reapreciação da prova gravada, para o Tribunal da Relação de Guimarães, a processar como de Apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo, sendo o presente recurso alargado à impugnação da decisão da matéria de facto e com reapreciação da prova gravada (artigos 638º, 639º e 640º NCPC).

      2-Na verdade, a Apelante entende, salvo melhor opinião, que, atenta a prova documental, bem como os depoimentos gravados, a decisão deveria ser precisamente a contrária, ou seja deverá antes a douta sentença ser revogada e julgar-se totalmente improcedente a ação, absolvendo-se a ré de todos os pedidos, e a reconvenção julgada procedente, com condenação da autora /apelada no pagamento da quantia de €131.092,64, acrescida de juros e com reconhecimento do direito de retenção por parte da ré até que se mostre pago, sem prejuízo de se julgar improcedente o pedido de despejo, com declaração de que o contrato se mantém em vigor e se mostra renovado nos termos legais.

      3-Daí que, nos termos do artigo 662º nº 1 do NCPC entende a ré que deve ser também dada por provada a matéria que se encontra alegada e foi objeto de prova documental e testemunhal acima transcrita, designadamente:

    4. Que o local arrendado nunca o foi para outro fim que não fosse a de instalação e exploração de um parque de campismo; b) Que, nos termos do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, com as alterações do Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de Setembro, de conhecimento oficioso, um parque de campismo é um empreendimento turístico.

    5. Que a atividade ali desenvolvida pela ré/apelante é uma atividade que é classificada como integrada na chamada indústria turística, com a prática de atos comerciais discriminados no artigo 19º do referido Decreto-Lei nº 39/2008; d) Que os créditos resultantes da realização de obras decorrentes do disposto neste Decreto-Lei gozam, por parte da entidade exploradora, ou seja a apelante, do privilégio creditório imobiliário previsto no nº 4 do artigo 57º, logo sendo a apelante credora do respetivo montante dado por provado (€131.092,64); e) Que o regime aplicável é o da urbanização e da edificação nos termos do nº 1 do artigo 23º do Dec.Lei nº 39/2008.

      4- Atendendo aos critérios dos artigos 236º e 238º do Código Civil, bem como ao teor do texto do contrato original, designadamente quanto ao montante da renda e fim do contrato – “Primeira: O prédio arrendado destina-se à instalação de um parque de campismo e caravanismo”, não restam dúvidas quanto ao fim do contrato.

      5- Como tal, e contrariamente à interpretação da douta sentença recorrida, faz todo o sentido a sua integração nas normas transitórias do NRAU – artigos 27º e seguintes, uma vez que os contratos de prédios rústicos para fins comerciais ou industriais são sujeitos às regras do arrendamento urbano para aqueles fins.

      6- Desta feita mantém-se o nosso entendimento quanto à aplicação do artigo 1097º, nos termos da redação conferida pela Lei 6/2006 de 27 de fevereiro.

      7- Nunca a autora comunicou à ré que pretendia aplicar ao contrato o regime previsto na Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, muito menos a ré alguma vez aceitou expressamente submeter ao regime desta lei o contrato de arrendamento e designadamente este seu último aditamento.

      8- Mas, ainda que se considerasse que o contrato tivesse o seu termo em 31.03.2015, a “denúncia” ou declaração de intenção de não renovação naquela data não foi efetuada com a antecedência mínima legal, então exigível.

      9- A Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, que veio alterar o regime de arrendamento, introduziu nova redação aos artigos 1110º do Código Civil, estipulando no seu nº 2 que “na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos…” 10- Também a mesma Lei nº 6/2006 veio dar nova redação ao artigo 1097º do Código Civil, ao estipular que “o senhorio pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato”.

      11- Acresce que da mesma Lei nº 6/2006, das suas normas transitórias, designadamente nos seus artigos 26º e 27º, resulta ser este novo regime aplicável ao contrato objeto dos autos.

      12- Assim, é de concluir que a autora não observa nem a forma prevista no artigo 1097º do C. Civil, na redação do DL 321-B/90, de 15 de outubro, nem os prazos e meio processual estipulados, muito menos o prazo de um ano previsto no mesmo artigo na redação da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que lhe é aplicável.

      13- Na verdade, atento o disposto na Lei 31/2012, de 14 de agosto, que aprova o NRAU, que só entrou em vigor no prazo estipulado no seu artigo 65º, tendo em atenção a data da sua entrada em vigor e o disposto nos seus artigos 59º, nº 1 e nº 4, ou seja que “as normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável”, é óbvio e definitivo que, mesmo que fosse considerada a alegação e confissão da autora de que o contrato teve o seu termo em 31.03.2015, a autora não efetuou a denúncia do contrato na forma e com a antecedência legal exigidas, o que conduz a total improcedência da ação.

      14- Deste modo, o contrato em curso tinha o seu termo não em 31.03.2015, mas sim em 31.12.2015 e, porque a autora não fez qualquer denúncia do mesmo no prazo e forma legal, para ter efeitos nesta data de 31.12.2015 ou em qualquer outra, o contrato encontra-se virtual, automaticamente, legal e formalmente renovado, nos termos da lei aplicável supracitada.

      15- Finalmente, não estamos perante o arrendamento simplista de um terreno rústico, mas antes de um complexo de construções, com artigos urbanos, e de um terreno com inscrição matricial rústica, mas que se destinam no seu todo ao exercício da atividade da industria de turismo, com prática de atos comerciais, designadamente da prestação de serviços turísticos pela ré, tendo como compensação o pagamento de taxas e valores diários por ocupação de espaço e instalações, uso e consumo de infraestruturas de água e energia elétrica, de saneamento e de higiene pessoal e pública, serviços de segurança e guarda de pessoas e bens, venda de produtos e serviços turísticos, como definidos no Decreto Lei nº 39/2008, de 7 de Março.

      16- Ora, sujeitos que estão tais empreendimentos turísticos a licenciamento, nos termos dos artigos 26º e seguintes daquele Decreto-Lei, foi estabelecido no seu artigo 75º um prazo de dois anos para a sua legalização e licenciamento nos termos decretados, sem exceção, sob pena de encerramento.

      17- Daí que, sendo a lei de conhecimento oficioso, o Tribunal a quo deixou...

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