Acórdão nº 4992/15.7T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.RELATÓRIO J deduziu ação declarativa contra M peticionando a cessação da prestação de alimentos a que estava vinculado para com a ré, por acordo celebrado em 2009, aquando do divórcio por mútuo consentimento. Alegou que tal acordo foi condição imposta pela requerida para assinatura do requerimento de divórcio e que, na presente data, não tem condições de manter o pagamento da quantia então acordada.

Frustrada a conferência de conciliação a que alude o artigo 936.º, n.º 3 do CPC, apresentou a requerida a sua contestação em que impugna o alegado pelo requerente e sustenta a sua necessidade da manutenção da prestação alimentar.

Dispensada a audiência prévia, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação procedente, declarando cessada a invocada obrigação de alimentos do autor para com a ré.

Discordando da sentença, dela interpôs recurso a ré, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: 1. Encontra-se demonstrado e provado na douta sentença recorrida que a Recorrente é reformada por invalidez, encontrando-se atribuída à Recorrente uma pensão de invalidez no montante de €297,69 mensais, não tendo a Recorrente, pois, capacidade para trabalhar ou procurar emprego, e não tendo a Recorrente património de valor significativo para alienar ou quem a ajude financeiramente.

  1. A Recorrente encontra-se assim sem uma possibilidade real de efetiva ocupação laboral, e com apenas uma única e exclusiva fonte de rendimento: a pensão de invalidez que recebe no montante de €297,69 mensais.

  2. As despesas mensais da Recorrente com habitação, água, eletricidade, gás e condomínio não são exageradas e correspondem a necessidades básicas, ascendendo a cerca de €185,31 (€94,90 para habitação, €20,41 para água, €50,00 para eletricidade e gás, e €20,00 para condomínio).

  3. A Recorrente tem ainda despesas mensais com alimentação, saúde, vestuário, transportes e telefone, que também correspondem a necessidades básicas, dispondo apenas de cerca de €112,38 mensais para fazer face a tais necessidades pois esgota-se o remanescente do seu rendimento mensal nas suas despesas básicas com habitação, água, eletricidade, gás e condomínio (€297,69 - €185,31 = €112,38).

  4. O montante de €112,38 mensais para fazer face às necessidades da Recorrente com alimentação, saúde, vestuário, transportes e telefone é claramente deficitário, uma vez que somente com alimentação, presumindo-se um gasto de apenas €3,50 diários, tal gasto ascenderia a uma despesa mensal de €105,00, do que se conclui que a Recorrente tem seguramente despesas mensais com alimentação, saúde, vestuário, transportes e telefone superiores a €105,00, sendo o montante de €112,38 de que ela dispõe para tal, claramente deficitário, em consequência.

  5. Por sua vez, encontra-se demonstrado e provado na douta sentença recorrida que o Recorrido aufere mensalmente cerca de 5.097 francos suíços (aproximadamente €4.714,00), e que tem despesas mensais no montante de 3.049,13 francos suíços (aproximadamente €2.819,96), ao qual acresce o montante de €150,00 relativo ao crédito referente ao apartamento que doou ao filho menor e €270,00 a título de pensão de alimentos para o filho menor.

  6. Sendo assim, o Recorrido, após as despesas discriminadas, ainda tem disponível mensalmente o montante de €1.474,04 (€4.714,00 – €3.239,96 = €1.474,04).

  7. Posto isto, a sentença recorrida, ao fazer cessar a prestação de alimentos prestada pelo Recorrido à Recorrida, e ao estabelecer um termo de comparação entre o montante recebido pela Recorrente a título de pensão de invalidez no montante de €297,69 e a atual pensão de sobrevivência do regime não contributivo (€202,34), deixando implícita uma relação entre a mera sobrevivência e a cessação da prestação de alimentos, errou.

  8. De facto, como nos ensina a jurisprudência, “O alcance do auxílio a prestar ao ex-cônjuge que pretenda exercer um direito a alimentos concebe-se num plano intermédio, visando colocar, se possível, o ex-cônjuge numa situação razoável, isto é, acima do limiar de sobrevivência, nos termos dos limites de uma vida sóbria, embora provavelmente abaixo do padrão de vida que o casal atingiria.” 10. “A carência de alimentos não se esgota nas condições de sobrevivência. Sempre que possível, deverá visar igualmente um mínimo de condições de conforto que impeça uma ruptura absoluta com o nível de vida de que tal cônjuge usufruía durante a vigência do matrimónio, sem que isso signifique, contudo, o direito à manutenção do nível de vida existente na pendência do matrimónio, que esse não contende, já, com a vida de divorciado”.

  9. “Como refere o Professor Pereira Coelho (Curso de Direito da Família, Volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág.s 741 e 742), “supomos que esta orientação cabe na nossa lei, desde que queiramos dar ao adjectivo “indispensável”, do art. 2003.º, n.º 1, uma interpretação mais folgada quando o pedido de alimentos for formulado por um ex-cônjuge, com base numa acentuação da ideia de solidariedade pós-conjugal”.” 12. “O entendimento perfilhado, e agora consagrado na nova redacção do artº 2016º, afasta-se, assim, da ideia indemnizatória ou compensatória da prestação de alimentos, que resultava da redacção anterior, ao conceder o direito a alimentos, em geral, apenas ao cônjuge inocente, ou ao menos culpado no divórcio.” - cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-07-2013, processo nº 304/11.7TMPRT-A.P1, Relator Maria Amália Santos, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/0f02586aadb7725c80257bdb002eb200?OpenDocument.

  10. É pois claro que, in casu, o propósito da prestação de alimentos existentenão é deixar a Recorrente com o mesmo o nível de vida usufruído pelaRecorrente aquando da pendência do matrimónio, ou atribuir-lhe umacompensação ou indemnização, mas apenas não a deixar com a merasobrevivência básica que a sua única fonte de rendimento mal lheassegura, e garantir-lhe, invés, condições de conforto ligeiramentesuperiores, evitando-se, como referido na jurisprudência citada, umarutura total.

  11. Tendo em conta o rendimento da Recorrente, a inexistência de patrimóniosignificativo para alienar da Recorrente, a impossibilidade real de efetivaocupação laboral da Recorrente, a falta de quem a apoie financeiramente,e o rendimento do Recorrido, a prestação de alimentos em causa preenchetodos os pressupostos e obedece a todos os requisitos dos artigos 2003º eseguintes, e em especial do artigo 2016º, do CC, assim como encontravalidade e vai de encontro à melhor doutrina e jurisprudência existente.

  12. A douta sentença recorrida errou na interpretação e aplicação dasdisposições legais referidas aplicáveis (artigos 2003º e seguintes, e emespecial o artigo 2016º, do CC), estando em desacordo com a melhordoutrina e jurisprudência existente.

  13. Tem assim a...

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