Acórdão nº 23/14.2T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO: I – As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, não se exigindo, porém, que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a um elevado grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida.

II – Atento o teor do art.º 41.º, n.º 1 do actual Regime Geral do Processo Tutelar Cível, continua válido e actual o entendimento, que era uniforme, de que só o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justifica que seja condenado em multa, somente relevando, quanto à culpa, o dolo no incumprimento.

III – A recusa ou o atraso na entrega da criança só têm relevância se forem significativos, se tais condutas, pela sua gravidade, demonstrem uma verdadeira ruptura na relação que, habitualmente, a criança tem com os seus progenitores, devendo ser os interesses da criança que primordialmente se hão-de considerar na aferição da gravidade do comportamento do incumpridor.

IV – O domicílio da criança é determinado pelo domicílio do/a progenitor/a guardiã/o, nos termos do art.º 85.º, n.º 1 do C.C., e por ser na casa desta/e que sentirá a sua vida organizada, sentirá a estabilidade do lar, no sentido lato do termo, se sentirá radicada, porque é aí que se encontra a sua “âncora”, que é a sua figura primária de referência.

V – Não se provando qualquer facto que indicie ter a mãe, progenitora guardiã, tentado, sequer, influenciar negativamente o filho no sentido de evitar ou dificultar a reaproximação ao pai, inscreve-se no dever de protecção da criança toda a sua actuação posterior aos dois factos que estiveram na origem da interrupção temporária das visitas, por os mesmos terem provocado acentuado desequilíbrio psicológico na criança.

VI – Se a mãe, progenitora guardiã, motu proprio, fez restabelecer as visitas quando constatou ter-se restabelecido o sentimento de confiança da criança no pai, também se não pode imputar-lhe um prolongamento fictício e, por isso, injustificado, da situação motivadora da suspensão das visitas, não tendo, por isso, sido culposa a sua actuação, porque ocorreu uma causa justificativa relevante, não merecendo, assim, o juízo de censura que constitui a condenação em multa.

** ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- E intentou contra I, incidente de incumprimento do regime do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança M, alegando, em síntese, que a Requerida decidiu alterar a residência e o infantário da criança sem o consentimento do pai e por outro lado, não cumpriu o regime de visitas a que está obrigada por sentença no período compreendido entre Outubro e Dezembro de 2014 e não cuidou da saúde do filho, requerendo que o tribunal condene também a progenitora em multa e numa indemnização a seu favor, “pelo valor máximo legalmente previsto”, relativamente a cada incumprimento que se venha a verificar.

    Notificada, a Requerida respondeu que sempre informou o pai, por escrito, de todas as alterações alegadas, porém este não estabelecia qualquer contacto consigo, vendo-se forçada a escolher sozinha a nova escola do filho; e como o pai não contactou a mãe por qualquer meio para combinarem entre si as visitas, não as podia assim, cumprir. Por outro lado, e atento o incidente de incumprimento cometido pelo pai em Setembro de 2014, trazendo o filho consigo para o norte na sequência de uma visita, a criança ficou muito receosa de que o pai repetisse tal acto e recusava-se a deixar a mãe. Só decorridos cerca de dois meses sobre tal incidente é que a mãe conseguiu que a criança viajasse e pernoitasse de novo com o pai, o que de resto sempre quis, justificando tal conduta temporária com o superior interesse da criança.

    Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que julgou parcialmente procedente o incidente de incumprimento, “condenando a requerida I por ter inviabilizado, de forma não culposa, o regime de visitas do filho M ao pai E nos fins-de-semana no período entre 3/10/2014 e 5/12/2014”, absolvendo-a “do demais peticionado”. No que se refere às custas, condenou o Requerente e a Requerida em partes iguais.

    Inconformado, o Requerente traz o presente recurso pretendendo ver alterada a matéria de facto e revogada a decisão, condenando-se a Requerida “nos incumprimentos culposos e correlativas multas peticionadas, com custas a cargo desta”.

    Contra-alegou (apenas) o Ministério Público pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

    Recurso que foi recebido como de apelação, com efeito meramente devolutivo.

    Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre apreciar e decidir.

    ** II.- O Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões: A- Vai o presente recurso para impugnar pontos da matéria de facto dados como provados e não provados.

    B- Foram incorretamente julgados os pontos 5; 8; 9; 10; 16; 17; 18; 19; 21 a 24; 28; 34; 41; 42; 45;47; 52; 59; 60; 61; 69; 75; 83, dos factos provados e as alíneas B) C) e E) dos factos não provados.

    C- Relativamente ao ponto 5, dizer que não se poderia ter dado como provado este ponto face à prova produzida (documental e declarações de parte da recorrida indicadas no ponto 12 destas alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidas).

    D- Fica, assim patente que ambos os progenitores comunicavam um com o outro sobre assuntos relacionados com o menor, pelo que deveria ter sido dado como provado que, de facto, o relacionamento presencial foi cortado em Julho de 2014, contudo sobre a vida do menor mantinham contactos através de correio eletrónico.

    E- Dir-se-á que o mesmo se passa quanto ao ponto 8, pois o mesmo também não poderia ter sido considerado como provado, face exatamente aos meios de prova referidos na alínea anterior.

    F- E o tribunal recorrido, face a esta factualidade, conjugada com fls. 45 dos autos principais, não poderia deixar de dar como provado que o pai se opôs de modo frontal a que o centro de vida do menor fosse alterado (para Almada).

    G- Sempre reforçando à mãe que só o iria conceder, um dia que o tribunal assim o decidisse.

    H- Já no que diz respeito ao ponto 9 dos factos dados como provados, não tem qualquer suporte documental, o que se vislumbra claramente é que o tribunal recorrido apenas sustentou a sua posição nas declarações da recorrida.

    I- Contudo, salvo melhor opinião, é bom de ver que se os progenitores não comunicavam verbalmente entre si, e face à oposição do pai na ida do menor para Almada, fácil será de concluir que esta declaração da mãe não poderia ser valorizada, como de facto o foi.

    J- O menor, segundo resulta do depoimento da Professora C (indicado no ponto 17 destas alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidos), foi inscrito pela mãe em Setembro de 2014 no infantário, sendo que, no ato da inscrição, a mãe referiu que o menor tinha uma prima a frequentar aquela escola.

    K- Assim, como não se poderia dar como provado o ponto 9, também não se deveria dar como provado o ponto 10, pelo que se deveria retirar o segmento “pelo que se viu obrigada a escolher sozinha a escola do filho”, devendo constar na factualidade provada em 10, o seguinte: “A mãe escolheu a escola do filho, tendo informado os serviços daquela que o menor já tinha um primo a frequentar o infantário, o que não correspondia à verdade.” L- Para dar como provado o ponto 16, mais uma vez o tribunal apenas teve em conta as declarações da mãe, contudo esta nunca referiu que o recorrente tenha ficado “com as chaves no seu bolso.” M- Salvo melhor opinião, a conclusão aqui retirada é arbitrária e contraria a realidade, como se alcança do depoimento da recorrida, indicado no ponto 20 das alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

    N- Pelo que deste segmento deverá ser retirado “ficando o requerente com as chaves no seu bolso”.

    O- Na mesma senda, se retirará a mesma conclusão para o ponto 17 da factualidade provada, conforme resulta das declarações indicadas no ponto 22 das alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

    P- Os pontos 18 e 19 não se deveriam ter dado com provados pelos motivos e meios de prova referidos em pontos 24 a 28 das alegações e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

    Q- Ponto 21 a 23, não se deveriam ter dado com provados, em função da prova e dos argumentos levados aos pontos 29 a 31 das alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

    R- Ponto 24, no segmento “que a criança não desejava ir com o pai”, não deveria ter sido dado com provado, pelos argumentos invocados nos pontos 32 a 36 das alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

    S- Pontos 23; 28; 34; 42; 45; 52; 61; 69 e 75, quando referenciam a ausência de contato prévio do recorrente com a recorrida, nos dias das visitas, às sextas-feiras, não deveriam ter sido dados como provados, pelos motivos e meios de prova levados aos pontos 39 a 44 das alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

    T- O ponto 41 não deveria ter sido dado com provado, face ao que foi provado em ponto 40, nº 5 e os meios de prova indicados em 47; 48; 53 e 55, das alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

    U- Do ponto 47 deve ser expurgado o segmento que refere “a criança ainda receava ir com o pai, nem queria deixar a mãe pois tinha medo de não a voltar a ver”, por não ter sido corroborado por nenhuma testemunha, sendo que dos depoimentos – da C e J, resulta precisamente o contrário, como resulta dos meios de prova levados ao ponto 58 das alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

    V- Do ponto 59 dos factos provados só deverá subsistir o segmento levado ao ponto 58 das alegações que aqui se dá por integralmente reproduzido.

    W- Desde logo, com os fundamentos e meios de prova levados à conclusão U.

    X- O Ponto 83 não poderia ter sido dado como provado, com os fundamentos e meios de prova levados ao ponto 72 das alegações, que aqui se dão por integralmente...

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