Acórdão nº 484/13.7TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelLINA CASTRO BAPTISTA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO I – A falta de dedução pelo réu de uma exceção perentória no prazo legalmente fixado para o efeito, traduz-se numa renúncia à invocação do direito respetivo, ficando o mesmo precludido definitivamente.

II - A estatuição do art. 579.º do C.P.Civil tem o seu campo de aplicação restrito às situações em que a lei estabelece expressamente a possibilidade de conhecimento oficioso, sendo os casos paradigmáticos os da caducidade (cf. art. 333.º do C.Civil) e da nulidade do negócio jurídico (Cf. art. 286.º do C.Civil).

III – A eventual extinção da fiança, por impossibilidade de sub-rogação, traduz-se numa exceção perentória de direito material, do tipo extintivo, a necessitar de ser invocada pela parte a quem aproveita e estando, por inerência, vedado o seu conhecimento oficioso.

IV – Diversamente, a inutilidade superveniente da lide nos casos em que o insolvente seja réu em ação de cobrança de dívidas é uma mera questão de ordem processual e, nessa medida, uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, decorrente do facto de o CIRE, na sequência da decretação da insolvência, obrigar a que todos os créditos do insolvente sejam reclamados e apreciados nessa sede.

V – Em termos substantivos, a decretação da insolvência do devedor principal não determina a extinção da obrigação do fiador, por não se traduzir numa situação de desaparecimento voluntário das garantias e/acessórios do crédito e, cumulativamente, por o CIRE salvaguardar a posição dos garantes, ao permitir-lhes a reclamação do seu crédito, sob condição suspensiva (Cf. art. 95.º, n.º 2, do CIRE).

* Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I—RELATÓRIO N, sociedade com sede na Rua Alexandre Herculano, n.º …, Linda-a-Velha, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra P, sociedade com sede no Parque Industrial das 7 Fontes, Lote …, Braga; L, com domicílio no Lugar do Penedo, Maximinos, Braga; A, com domicílio na Quinta do Passal, Vilela, Valdevez, e J, com domicílio na Rua Sophia de Mello Breyner, Lote 9, Palmeira, Braga, pedindo que os Réus sejam condenados solidariamente a pagar-lhe a quantia de € 249 971,99, sendo € 233 173,89 a título de capital e € 16 303,01 de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva fixada para os créditos de que são titulares empresas comerciais, sem prejuízo dos juros vincendos até integral pagamento.

Alega, em síntese, ter celebrado com os Réus um contrato, através do qual regularam a compra e promoção por parte da 1ª Ré, em regime de exclusividade, de café da marca “Buondi”, lote “Prestige”, por si comercializado.

Bem como que, nos termos do mesmo contrato, os 2º, 3º e 4º Réus assumiram a qualidade de fiadores e principais pagadores solidários, “garantindo a satisfação de todas as obrigações” da 1ª Ré.

Afirma que, no dia 01/06/2012, confrontada com sucessivas faltas de pagamento dos fornecimentos efetuados à 1ª Ré, que ascendiam ao montante de € 23 368,88, suspendeu os fornecimentos de café e intentou ação declarativa de condenação contra a mesma. Bem como que, nessa sequência, a 1ª Ré lhe comunicou a resolução do contrato.

Entende que, face à resolução indevida do contrato, tem direito à restituição da quantia de € 108 699,91, referente a comparticipação publicitária; ao pagamento da quantia de € 121 450,50, referente a € 10,00 por cada quilo de café não adquirido até ao termo do contrato e ao pagamento da quantia de € 3 023,48, correspondente ao valor dos equipamentos à data da resolução do contrato. Bem como que os 2º, 3º e 4º Réus estão solidariamente vinculados ao pagamento das mesmas quantias que a 1ª Ré, por força da obrigação de fiança assumida no contrato em causa.

O 3º Réu veio contestar, excecionando que a resolução do contrato foi operada por pessoa que não representava a 1ª Ré e que foi pressuposto da celebração do contrato dos autos, na qualidade de fiador, que se mantivesse gerente da 1ª Ré, cargo que abandonou em finais de 2010. Impugnou a essencialidade da matéria de facto da Petição Inicial.

Conclui pedindo que a presente ação seja julgada não provada e improcedente quanto a si.

Os demais Réus vieram igualmente contestar, contrapondo que, a partir de 01 de junho de 2012, a Autora deixou de prestar o serviço contratado, sem qualquer pré-aviso ou justificação. Defendem que este comportamento constitui incumprimento contratual por parte da Autora, com prejuízos para a 1ª Ré, que se viu privada de uma matéria-prima essencial e, consequentemente, da receita resultante da comercialização do café.

Rematam pedindo que a contestação seja julgada procedente, por provada, e, em consequência, absolvidos do pedido.

Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os Factos Assentes e a Base Instrutória.

Entretanto, a Administradora de Insolvência do Processo n.º 5463/13.1TBBRG, veio informar que a 1ª Ré foi declarada insolvente, por sentença proferida no dia 12 de setembro de 2013, e requerer que a presente ação seja julgada extinta por inutilidade superveniente da lide, relativamente a esta Ré.

Por sentença proferida em 03 de novembro de 2014, foi declarada extinta a instância quanto à 1ª Ré, por inutilidade superveniente da lide.

No mesmo ato, a Autora foi notificada para informar se reclamou o crédito em discussão destes autos no indicado Processo de Insolvência, tendo a mesma vindo informar que não reclamou a verificação do seu crédito no dito Processo.

Sequencialmente, a Excelentíssima Sr.ª Juiz a quo notificou as partes para se pronunciarem sobre a eventual extinção da fiança por facto superveniente (liberação por impossibilidade de sub-rogação).

A Autora veio pronunciar-se, no sentido de que os fiadores optaram por não exercer o direito decorrente do eventual pagamento futuro da dívida, como crédito sob condição suspensiva. Bem como que os mesmos não invocaram a exceção em causa, não podendo o Tribunal conhecer oficiosamente da mesma.

Os 2º e 4º Réus vieram – da mesma forma – pronunciar-se, no sentido de que o comportamento omissivo da Autora, em não apresentar a sua reclamação de créditos no prazos em que devia, provocou a impossibilidade do exercício do direito de sub-rogação por parte dos fiadores – podendo eles desvincular-se por virtude deste ato omissivo da aqui Autora.

A Excelentíssima Sr.ª Juíza do Tribunal recorrido proferiu despacho, declarando extinta a fiança, ao abrigo do disposto no art. 653.º do C.Civil, com a consequente absolvição dos Réus do pedido.

Inconformada com este despacho, a Autora interpôs recurso, terminando com as seguintes CONCLUSÕES: 1) A liberação da fiança, por verificação das circunstâncias previstas no artigo 653° do Código Civil, constitui uma excepção de direito material cuja invocação depende da vontade do interessado.

2) Ao absolver os RR. fiadores, com fundamento em liberação por impossibilidade de sub-rogação, sem que eles tivessem manifestado essa vontade no respeito das regras processuais, a Senhora Juíza "a quo" infringiu o artigo 579° do C.P.C.

3) Como, na data em que a contestação foi apresentada, ainda não ocorrera a declaração de insolvência da sociedade afiançada, os RR. deviam ter invocado a excepção em articulado superveniente, o que não fizeram no momento próprio.

4) Esse momento ocorreu nos 10 dias posteriores à notificação da data da audiência final ou, quanto aos RR. L e J, nos 10 dias seguintes à data da junção do comprovativo do pagamento da 2a prestação da taxa de justiça que sanou a nulidade da falta daquela notificação.

5) Sem prescindir, o artigo 95°, n° 2, do CIRE veio permitir ao co-devedor solidário e ao garante, exercer, no processo de insolvência, o direito contra o devedor insolvente decorrente do eventual pagamento futuro da dívida, reclamando-o como crédito sob condição suspensiva, se o próprio credor não reclamar.

6) Como resulta do artigo 627°, n° 1, do Código Civil, o fiador é um garante pessoal, estando claramente abrangido pelo artigo 95°, n° 2, do CIRE, e podendo mesmo estar duplamente abrangido, se, além da qualidade de garante, assumir, por vontade expressa ou disposição legal, responsabilidade solidária pela dívida.

7) O artigo 95°, n° 2, do ClRE não limita aos garantes que assumam verdadeira responsabilidade solidária, a faculdade de reclamar, como crédito sob condição suspensiva, o direito contra o devedor insolvente.

8) Face à utilização da expressão "garante", o artigo 95°, n° 2, do ClRE cobra aplicação mesmo para o fiador que não assume responsabilidade solidária.

9) O facto de a posição do fiador que se obrigou como principal pagador não se identificar rigorosamente com a do co-devedor solidário, face à acessoriedade da fiança, em nada afasta a aplicação do referido artigo 95°, n° 2.

10) A única consequência relevante que da acessoriedade da fiança advém para a aplicação desta norma é que o fiador que cumpre a obrigação pode, depois, exigir do afiançado a totalidade do que pagou, enquanto o co-devedor solidário só tem direito de regresso quanto à parte da dívida que competia a cada co-devedor.

11) Hoje, a omissão da reclamação do crédito pelo credor originário, abrindo ao fiador a faculdade de reclamar ele o crédito, já não lhe impossibilita a sub-rogação e não determina, portanto, a liberação por aplicação do artigo 653° do Código Civil.

12) A A. não impossibilitou a sub-rogação dos RR.: não tendo ela reclamado o crédito na insolvência da afiançada, estes podiam exercer o direito decorrente do eventual pagamento futuro da dívida, nos termos do artigo 95°, n° 2, do CIRE.

13) No caso dos autos, porém, mesmo a admitir-se que a possibilidade de reclamação do crédito eventual dos fiadores, prevista no artigo 95°, n° 2, do CIRE, não afasta a sua liberação por impossibilidade de sub-rogação, esta seria inaceitável.

14) Os RR. assumiram em regime de solidariedade as obrigações emergentes...

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