Acórdão nº 4247/11.6TBBRG-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO: I - Os Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência não têm o carácter vinculativo que tinham os “Assentos”, mas os Tribunais devem acata-los, sob pena de descaracterização do instituto, posto que lhe estão subjacentes razões de protecção dos valores de segurança jurídica e de igualdade de tratamento.

II - A jurisprudência fixada só poderá ser desconsiderada se surgirem circunstâncias novas que alterem os pressupostos em que assentou o entendimento jurisprudencial, ou se forem trazidos novos argumentos que não foram tidos em conta no acórdão uniformizador e que, pela sua marcada relevância, justificam a divergência da decisão.

III – Na sentença de verificação e graduação de créditos, a que alude o art.º 140.º do C.I.R.E., os tribunais devem obediência à doutrina fixada pelo AUJ n.º 4/2014, do S.T.J., quanto ao reconhecimento do direito de retenção apenas aos promitentes-compradores consumidores.

IV – No conceito de consumidor cabem, apenas, as pessoas a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a um uso não profissional, ou seja, o sujeito final na transacção do bem.

V – Estando o administrador da insolvência obrigado a referir, na lista a que alude o art.º 129.º do C.I.R.E., a natureza de cada um dos créditos, a classificação que ele faça de um crédito como “garantido” por virtude de um direito de retenção, não é vinculativa para o Juiz, nem mesmo na ausência de impugnações.

VI – A admissibilidade do pedido de reforma da sentença está dependente da verificação cumulativa de dois requisitos principais: a) que a decisão não admita recurso; b) que tenha ocorrido um lapso manifesto do juiz: i) na determinação da norma aplicável, v.g.

quando aplique uma norma revogada ou não aplique uma norma vigente; ii) na qualificação jurídica dos factos, v.g.

quando qualifique os factos com ofensa de conceitos ou princípios elementares do direito; iii) na desconsideração de documentos ou outro meio de prova plena que existam no processo e que impliquem, só por si, uma decisão diversa da proferida, ou seja, não havendo reparado que determinado facto está provado nos autos por documento, por confissão ou por ter sido admitido por acordo.

VII - Sendo admissível recurso, a correcção de erros ou lapsos de que enferme a sentença há-de ser operada por esta via.

VIII – Só faz caso julgado formal a decisão que conheça e aprecie uma concreta questão.

** ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES RELATÓRIO I.- Nos autos de Reclamação de Créditos apensos à Insolvência de A, foi proferida douta sentença, nos termos do disposto no art.º 140.º do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE), a qual, no segmento do reconhecimento dos créditos decidiu nestes termos: “A lista a que alude o art. 129º do CIRE junta aos autos a fls. 1531 a 1541 inclui já as alterações resultantes das decisões proferidas nos incidentes das impugnações oportunamente apresentadas, sejam sentenças ou sentenças homologatórias … Nestes termos, e para além dos créditos reconhecidos nos apensos F) e G) e da rectificação antes determinada, homologo a lista de credores reconhecidos apresentados pelo Sr. AI que faz fls. 1531 a 1541 do presente apenso B) nos montantes e com as características aí referidas”.

Na parte da graduação de créditos graduou como “crédito garantido” por direito de retenção: i) o crédito de R e E, “sob condição do cumprimento do contrato-promessa”, relativamente ao bem imóvel descrito no auto de apreensão e arrolamento sob a verba n.º 14; ii) e o crédito da credora T, relativamente ao bem imóvel descrito no mesmo auto sob a verba n.º ….

Relativamente ao crédito da Credora C, por defeito, visto da referida sentença se não ter feito constar qualquer justificação, graduou-o como crédito comum, mesmo relativamente ao bem imóvel descrito, ainda no mesmo auto, sob a verba n.º ….

**

  1. Notificados os Credores veio a M interpor recurso daquela decisão pedindo a sua revogação e que o seu crédito seja graduado em primeiro lugar no que respeita aos bens imóveis descritos nas verbas n.º … (fracção autónoma designada pela letra “U”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, e inscrita na matriz no artigo …) e n.º … (fracção autónoma designada pela letra “AD”, descrita na mesma Conservatória sob o n.º … e inscrita na matriz no artigo …), quanto à primeira por estar já extinto o direito de retenção do qual eram beneficiários os promitentes-compradores R e E, uma vez que o Sr. A.I. já cumpriu a promessa de venda e à segunda por não assistir o direito de retenção à promitente-compradora, sociedade comercial T, visto não caber no conceito de “consumidor”, atenta a interpretação que foi acolhida pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) do S.T.J. n.º 4/2014, de 22 de Maio de 2013.

    A referida Credora T contra-alegou propugnando pela confirmação da decisão, na parte em que reconheceu e graduou o seu crédito como garantido, posto que goza do direito de retenção sobre o imóvel.

    O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

    Subsequentemente à notificação do Sr. A.I., já se mostra nos autos a escritura pública de compra e venda da Fracção Autónoma prometida vender aos Credores R e esposa, informando aquele que “inexiste nos autos crédito a favor” destes uma vez que ele, A.I., “optou pelo cumprimento do contrato-promessa de compra e venda”.

    ** B) No mesmo processo a Credora R, notificada da sentença referida, veio aos autos requerer a sua reforma, corrigindo-se o que considera ter sido um “lapso manifesto” por o seu crédito não ter sido graduado, nos termos em que foi reconhecido, como crédito garantido face ao seu direito de retenção sobre a Fracção Autónoma designada pela letra “X”.

    Opôs-se a credora M e a Meritíssima Juiz indeferiu o pedido de reforma entendendo que o seu fundamento não se enquadra “nos casos” legalmente previstos, pelo que a decisão só seria sindicável pela via do recurso, e havendo considerado esgotado o seu poder jurisdicional.

    Inconformada, a supramencionada Credora impugna o referido Despacho, que pretende seja declarado nulo, e se ordene a sanação do vício de omissão de pronúncia de que enferma a sentença.

    Contra-alegou a Credora M propugnando pela total improcedência do recurso, defendendo que o Tribunal ad quem não pode conhecer do seu objecto, porquanto a sede própria para a Apelante invocar a nulidade da sentença seria através do recurso, estando há muito já ultrapassado o respectivo prazo.

    O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

    ** Relativamente a ambos os recursos foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre, assim, apreciar e decidir.

    ** Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões oferecidas pelos Apelantes, que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

    ** * * ** A) recurso da MA.1.- A Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões: A. Foi proferida Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, em 01.08.2016, a qual reconheceu e graduou os créditos dos Credores R, E e T, com direito de retenção (artigo ….°, n.º 1 al. f) do CC) e com preferência sobre o crédito da Apelante, garantido por hipoteca (artigo 686.° e seguintes do CC), no que tange aos bens imóveis descritos nas verbas n.º … (fracção "U") e n.º … (fracção "AD”) do auto de apreensão de bens.

  2. A Apelante não se conforma com a douta sentença por considerar que a mesma violou o disposto nos artigos 762.° e 686.°, n.º 1 do Código Civil e artigo 20.°, n.º 1 do CIRE e, ainda, fez uma interpretação desacertada do artigo 755.°, n.º 1 alínea f) do CC, sendo contrária à jurisprudência uniformizada e fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014, de 22 de Maio de 2013.

  3. No que tange à verba n.º 14 do auto de apreensão de bens, correspondente à fracção autónoma designada pela letra "U", melhor descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n° … e inscrita na matriz sob o artigo …, a Sentença recorrida graduou o crédito garantido por direito de retenção dos credores R e E, sob condição de cumprimento do contrato promessa e à frente dos créditos da Apelante, garantidos por hipoteca.

  4. Em sede de reunião de Comissão de Credores, realizada em 24.07.2014, foi colocado à consideração dos seus membros o cumprimento do contrato de promessa de compra e venda dos promitentes-compradores R e E, tendo a aqui Apelante concordado que o Sr. AI optasse pelo seu cumprimento, desde que os promitentes-compradores renunciassem expressamente ao seu crédito, reconhecido pelo Sr. AI, nos termos do artigo 129.° do CIRE.

  5. Por Escritura Pública outorgada no Cartório Notarial da Dra. M e S, celebrada em 17.10.2014, entre o Exmo. Sr. Administrador da Insolvência (AI), R e mulher, foi vendida a referida fracção "U" e pago o remanescente do preço, no montante de € 34.690,89.

  6. A Apelante desconhece e não tem a obrigação de conhecer se o Sr. Administrador da Insolvência comunicou aos autos a celebração da referida escritura e a aquisição da fracção "U" (verba n.º 14) por parte dos compradores R e E.

  7. Com o cumprimento do contrato de promessa de compra e venda e com a realização definitiva da escritura de compra e venda da sobredita fracção, extinguiu-se o direito de crédito de R e E (cfr. artigo 762.° do Código Civil), não tendo estes legitimidade para figurar como credores da Insolvente (cfr. artigo 20.°, n.º 1 do CIRE).

  8. Não poderá ser reconhecido e graduado, como o foi na Sentença ora recorrida, nem o crédito, nem o direito de retenção a R e E.

    I. O Tribunal a quo ao homologar a lista de créditos reconhecidos e ao proceder à graduação dos "credores" R e E, com prevalência sobre a aqui Apelante, violou o disposto nos artigos...

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