Acórdão nº 2833/11.3TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | PEDRO DAMI |
Data da Resolução | 11 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s):- SCM e F. L.; Recorridos: - I. F.; - Companhia de Seguros A S. A.;*I. F.
intentou a presente acção contra SCM; F. L.
, médico e PF, enfermeira, todos devidamente identificados na petição inicial, formulando pedido de condenação dos RR. no pagamento da quantia global de 106.807,68 euros, acrescidos de juros legais desde a citação e até efectivo pagamento.
Fundamenta a sua pretensão em assistência médica defeituosa que lhe foi prestada no estabelecimento hospitalar, propriedade da primeira Ré, pelos segundo e terceira RR., com inobservância do estabelecido para a situação da Autora, que tinha sofrido uma ferida na palma da mão que demandou 8 pontos de sutura, que deveria ter sido feito teste funcional aos dedos, teste que omitido determinou a não identificação de lesão nos tendões do 5º dedo da mão, que por sua vez foram a causa de danos e incapacidade, cuja indemnização ora reclama.
Sustenta o montante reclamado em prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.
*Os RR. contestaram contrariando os fundamentos da causa.
Invocaram ainda a prescrição do direito, que julgada improcedente no despacho saneador, foi objecto de recurso, e confirmada a decisão por Acórdão transitado em julgado do TRG.
A Ré, SCM, requereu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros A S. A.
, invocando contrato de seguro válido e em vigor com cobertura de danos elencados nos autos.
*Admitida a intervenção, esta Companhia de Seguros veio sustentar a exclusão do contrato de seguro ao caso dos autos, porquanto a denúncia dos factos foi efectuada mais de um ano após o seu cometimento e existir cláusula contratual excludente em tal caso.
*Houve réplica.
*A seu tempo foi proferido despacho saneador que declarou regular e válida a Instância.
Foi seleccionada a matéria de facto, e prosseguiu-se para julgamento, após realização das perícias médicas requeridas.
*Na sequência foi proferida a seguinte sentença: “Segue decisão: Julgo parcialmente procedente por provada a presente acção e consequentemente condeno os RR Hospital X e F. L. solidariamente, a pagar à Autora a quantia de 2.316,66 euros referentes a danos patrimoniais acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação e até efectivo pagamento A quantia global de 41.854,00 euros referente a dano biológico (11.854,00 euros) e danos não patrimoniais (30.000,00 euros) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data desta sentença e até efectivo pagamento.
Relego para ulterior liquidação o montante referente às perdas salariais sofridas pela autora no período de baixa médica que decorreu entre Março de 2010 e Fevereiro de 2011.
Do mais peticionado, vão os RR absolvidos.
Vai ainda totalmente absolvida a Ré P. F. e Interveniente principal Companhia de Seguros A, SA.”*É justamente desta decisão que os RR./Recorrentes vieram interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “CONCLUSÕES 1ª- Vem, o presente recurso de Apelação interposto, quer quanto à matéria de direito, quer quanto à matéria de facto, da douta sentença proferida nos presentes autos.
(…) 7ª- Quanto à matéria de direito, a douta decisão recorrida considera que a assistência prestada à Autora, se enquadra no domínio da responsabilidade contratual pelo facto de o Hospital Y ser um estabelecimento privado de saúde.
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- Ora, o Hospital Y é propriedade da SCM, que é uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social, enquadrada no regime estabelecido no Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº119/83, de 25 de Fevereiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 172-A/2014 de 14/8 e da Lei de Bases da Economia Social, prevista no Decreto-Lei n.º138/2013, de 9 de Outubro), fazendo ainda parte integrante do SNS (SNS) (Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro), conforme o Portal acessível a todos os cidadãos através do link www.sns.gov.pt, pelo que não é um estabelecimento privado ou clínica privada de saúde.
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- Por isso, quando a Autora se deslocou ao serviço de urgência do Hospital Y, não foi estabelecido qualquer contrato de prestação de serviços, pois o corpo clínico tinha obrigação de lhe prestar os cuidados médicos, independentemente até do pagamento de qualquer taxa moderadora.
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- Assim, tem natureza extracontratual a alegada responsabilidade civil, por também alegados factos ilícitos cometidos pelo médico no referido serviço de urgência, em virtude da inexistência de um vínculo jurídico entre a suposta vítima e o alegado lesante.
*11ª- No que respeita à matéria de facto, os apelantes entendem que, salvo o devido respeito por opinião diversa, a douta sentença recorrida faz uma errada apreciação da prova produzida na audiência de julgamento (art. 640º do C.P.C.).
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- De facto, na douta sentença recorrida manifesta-se um erro notório na apreciação da prova.
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- Com efeito, conjugando-se a matéria de facto dada como provada, a prova documental, a prova pericial, os depoimentos das testemunhas e as declarações de parte, produzidos e gravados em audiência, detecta-se um erro notório na apreciação da prova, ou seja, houve um erro de julgamento da matéria de facto provada.
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- Assim, com a reapreciação da matéria de facto, o que se pretende é que o Venerando Tribunal da Relação, proceda, com base na prova produzida em audiência de Julgamento, à alteração da matéria dada como assente, com fundamentos acima invocados e que aqui se vão resumir.
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- Quanto à ALEGADA OMISSÃO DE ATO MÉDICO o Tribunal “a quo” considerou assente que a Autora foi atendida e tratada pela enfermeira, 3ª Ré, que suturou o ferimento apresentado por ela com oito pontos, ligou a mão e fez penso, sem que previamente ela fosse observada por um médico e sem a supervisão deste.
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- Ainda quanto à ALEGADA OMISSÃO DE ATO MÉDICO o Tribunal “a quo” também deu como provado que nem a enfermeira nem o médico o Réu Dr. F. L., procederam ao teste da funcionalidade para detectar qualquer eventual lesão tendinosa.
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- Ora, relativamente à observação médica, a douta decisão recorrida considerou provado que o médico o Réu Dr. F. L., se limitou a questionar a Autora sobre a forma como ocorreu o acidente sem nunca ter observado a ferida da demandante.
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- Esta decisão sobre a matéria de facto foi motivada nas declarações de parte da Autora.
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- O Réu Dr. F. L., nas suas declarações de parte referiu precisamente o contrário, ou seja, referiu que depois da triagem efectuada pela enfermeira e depois desta ter desinfectado a ferida, viu a autora na sala de enfermagem, fez o teste de funcionalidade e deu ordem à enfermeira para suturar o ferimento.
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- A douta decisão recorrida considerou que as declarações de parte do Réu F. L. não mereciam credibilidade, por não terem correspondência no relatório e ficha clínica.
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Por outro lado, concluiu, que a Autora depôs de forma, objectiva, calma, sincera, verdadeira e desinteressada.
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- Os Réus/Apelantes não se podem conformar com tal conclusão.
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- De facto, o tribunal “a quo” deparou-se com duas versões completamente opostas, uma a do Réu F. L. e, outra, a da Autora I. F., nas quais aquele refere que observou a ferida da demandante na sala de enfermagem e mandou suturar a ferida e esta refere que tudo isso foi feito pela enfermeira sem que o médico a tivesse observado.
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- Se é certo que o julgador de 1ª instância entendeu valorar diferentemente as declarações de parte, e que a Relação não pode colocar em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, e com a disposição de outros mecanismos de ponderação da prova global que o tribunal “ad quem” não detém, designadamente, a inquirição presencial das partes, a verdade é que não nos podemos esquecer que estamos perante DECLARAÇÕES DE PARTE.
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- Com efeito, as declarações de parte nunca podem ser consideradas desinteressadas, e deverão ser sempre conjugadas com outros meios de prova.
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- Veja-se a propósito o Acórdão da Relação do Porto, Proc. nº 216/11.4TUBRG.P1, de 15/09/2014, (www.dgsi.pt) “As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.” 27ª- Assim, a douta sentença recorrida não devia concluir que a versão do réu F. L. ou da Autora são desinteressadas, tendo antes ser aferida a veracidade das versões com a conjugação de outros meios de prova.
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- Não existindo qualquer prova testemunhal sobre o que realmente se passou no episódio de urgência ocorrido em 18/10/2008, sempre deveria o julgador socorrer-se de outros meios de prova referentes a esse episódio.
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- Relativamente a este episódio de urgência existe a ficha clínica, junta aos autos pela Autora com a sua petição inicial, numerada como documento nº 1.
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- Este documento constitui a ficha clínica do episódio de urgência nº 28050..., de 18/10/2008, pelas 16:17 horas referente à assistência prestada à Autora em consequência do acidente por ela sofrido nesse dia.
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- A ficha clínica, além dos elementos acima referidos, começa por identificar a Autora, e logo de seguida tem registado na secção intitulada “OBSERVAÇÃO CLÍNICA” a descrição do ferimento apresentado pela demandante, que é a seguinte: “Ferida corto-contusa eminencia hipotenar esq”.
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A mesma ficha, na secção intitulada “DIAGNÓSTICO” tem uma “X” em “Lesões traumáticas”.
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- A descrição do ferimento e o diagnóstico foram feitos pelo punho do Réu, F. L., que de seguida assinou a mesma ficha como médico e carimbou com o seu carimbo profissional.
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- Este documento confirma, inequivocamente...
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