Acórdão nº 739/14.3GBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: No âmbito do processo comum singular nº 739/14.3GBBCL da Instância Local, Secção Criminal de Barcelos, da Comarca de Braga, o arguido J. L.

e M. C.

foram submetidos a julgamento e, realizado este, foi proferida sentença, datada e depositada a 18/03/2016, absolvendo os arguidos da pronúncia na parte respeitante à autoria de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º do C. Penal, e julgando a pronúncia parcialmente procedente por provada condenou a arguida, como autora material de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, nº 1, do C. Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), absolvendo-a da pronúncia na parte respeitante à autoria de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º, nº1, do C. Penal. Inconformada com a referida decisão, interpôs a arguida recurso, pedindo a sua absolvição, mediante a formulação, na sua motivação, das seguintes conclusões: «

  1. A M. C., no dia 16 de julho de 2014, pelas 18h45, sem que nada o justificasse ou pudesse prever, quando a assistente circulava na via pública, no momento em que passava em frente da casa da arguida, esta no interior do jardim atirou à assistente um balde água fria, o que molhou por completo a assistente, ao mesmo tempo que dizia, dirigindo-se à assistente, “puta, vaca, agora já tens a pita fresca”.

  2. O que a arguida negou, alegando que não praticou o crime.

  3. Factos corroborados pelas testemunhas da acusação, nomeadamente P. L. e M. C..

  4. Com o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo, mal andou ao considerar que a arguida, apelidou a assistente de puta e vaca, tendo condenado pelo crime de injúria.

  5. Factos corroborados pelas testemunhas arroladas pela assistente e que o Tribunal a quo entendeu serem essenciais para condenar a arguida, nomeadamente, P. L. e M. C..

  6. Refira-se que de acordo com a testemunha P. L., as expressões constantes da acusação, não podem ser consideradas como proferidas.

  7. Por sua vez a testemunha M. C. que se encontrava no exterior da sua casa, também não ouviu qualquer expressão da boca da arguida e viu a deitar o balde de água.

  8. Não se entende ainda como o Tribunal considerou ter a arguida praticado aquele crime, já que a testemunha P. L., viu a deitar a água, ouviu um grito, mas não ouviu a arguida a apelidar a assistente de puta e vaca. A testemunha M. C. também nada ouviu.

  9. Alheou-se o Tribunal do depoimento das demais testemunhas, nomeadamente as de defesa e formou a sua convicção apenas e tão só na versão da assistente, sem apoio das suas próprias testemunhas.

  10. Diga-se ainda que a arguida para apelidar a assistente nos termos constantes da acusação teria de ser audível pelas testemunhas, que relataram que viram a deitar o balde de água. Para as testemunhas terem visto deitar o balde de água teriam de ter ouvido também as expressões.

  11. Uma das testemunhas, até ouviu um grito da assistente. Ao ter a arguida proferido a expressão constante da acusação esta teria de ter sido ouvida pela testemunha.

  12. Além disso a testemunha M. C. estava no exterior da sua casa, se a arguida tivesse proferido aquelas expressões a testemunha teria ouvido.».

    Discordando também da decisão recorrida, na parte respeitante à absolvição do arguido, a assistente C. C. interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões: 1. Pela douta sentença proferida nos autos à margem identificados foi o arguido J. L. absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal.

    1. Sucede que, a fundamentação de facto e direito levada a cabo pelo tribunal “a quo” na sentença sob recurso, não só colide frontalmente com as regras da experiência comum, como também com a prova produzida em audiência de julgamento e a merecida aplicação do direito.

    2. Impondo-se a efectiva condenação do arguido J. L. pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido nos termos do artigo 143º, n.º 1, do Código Penal.

    3. Existiu, assim, por parte do tribunal “a quo” um manifesto erro na apreciação e valoração da prova produzida em sede de audiência de julgamento, considerando que foi produzida prova suficiente e concreta que suporta a ocorrência da factualidade que foi dada como não provada e, por isso, impõem decisão diversa da recorrida.

    4. Com efeito, tendo em conta a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, em particular as declarações da assistente, com registo do seu depoimento no suporte magnético, gravado digitalmente desde as 11h01m10s até às 11h25m21s, e das testemunhas C. M., com registo do seu depoimento no suporte magnético, gravado digitalmente desde as 11h28m13s até às 11h41m25s, e P. L., com registo do seu depoimento no suporte magnético, gravado digitalmente desde as 11h42m44s até às 11h59m01s, e na ausência de qualquer outra prova que infirmem os referidos depoimentos, resulta provado, de forma clara e inequívoca, não só que a) «Com a sua conduta o arguido causou dores físicas e a lesão do corpo da assistente, nomeadamente, a pisadura num dos braços»; como também, concluir por provado que b) «o arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, com intenção concretizada de ofender e molestar a saúde física e o corpo da assistente, o que quis e conseguiu não obstante saber que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal».

    5. Factos estes que que foram incorrectamente julgados pelo tribunal “a quo”, e considerados como não provados.

    6. Existindo, inclusivamente, uma certa contradição na fundamentação da matéria de facto sobre o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal “a quo” quando, invocando o princípio in dubio pro reo, julgou como não provado «a demais factualidade imputada ao arguido», mas, ao mesmo tempo, foi peremptório em afirmar que as declarações do arguido, em negar a totalidade dos factos que lhe eram imputados, «não lograram convencer o tribunal ou mesmo gerar dúvida do espírito do julgador».

    7. Ainda assim, no caso concreto, a invocação do princípio in dubio pro reo verificar-se-ia, quanto muito, relativamente aos crimes de coacção ou de importunação sexual, ambos na forma tentada, mas não certamente quanto ao crime de ofensa à integridade física (simples).

    8. Neste sentido, o principio in dubio pro reo não pode ser validamente invocado quanto à verificação da prática pelo arguido do crime de ofensa à integridade física (simples), previsto e punido no art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, em todos os seus elementos constitutivos, para o qual basta um dolo genérico ou eventual, pode ser perfeitamente imputado ao arguido face à sua autonomização factual e criminal e consta do despacho de pronúncia.

    9. Com efeito, o arguido ao amarrar com força a assistente pelos braços e contra a sua vontade, nos termos em que o fez e estão provados, ainda que com um intuito amoroso, o tribunal “a quo” não pode ficar na dúvida se a conduta do arguido foi ou não adequada a provocar as dores e lesões físicas no corpo da assistente e que o arguido tenha actuado com intenção de lesar o corpo da assistente, bem sabendo que aquela conduta era proibida e punida pela lei penal.

    10. Considerando os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso, conjugados com as declarações da assistente, com registo do seu depoimento no suporte magnético, gravado digitalmente desde as 11h01m10s até às 11h25m21s, e das testemunhas C. M., com registo do seu depoimento no suporte magnético, gravado digitalmente desde as 11h28m13s até às 11h41m25s, e P. L., com registo do seu depoimento no suporte magnético, gravado digitalmente desde as 11h42m44s até às 11h59m01s, na parte ainda em que o tribunal “a quo” não teve em devida consideração (atrás transcR.s), aliado às regras da experiencia e à livre apreciação da prova, permitem dar como provado que o arguido provocou dores físicas e lesões ao corpo da assistente e concluir, dando também como provado, a intenção dolosa do arguido na prática destes factos, mais não fosse a título de dolo eventual.

    11. A livre apreciação da prova, previsto no art.º 127.º do CPP, não se confunde de modo algum com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espirito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiencia comum e da logica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

    12. Como se vê, a assistente e as supra referidas testemunhas são muito claras quando afirmam, por um lado, que o arguido amarrou inesperadamente a assistente pelos braços com força, e, por outro lado, que em resultado dessa conduta a assistente sofreu dores e ficou com marcas e pisaduras num dos braços. O que normalmente acontece quando se amarra alguém com força pelos braços, segundo as regras da experiencia comum.

    13. E, não tendo sido colocadas em causa a veracidade de tais declarações, permitem ao tribunal “a quo” dar como provados segundo a sua livre convicção.

    14. Tendo assim o tribunal “a quo” violado, de forma intoleravelmente discricionária, o princípio da livre apreciação da prova segundo as regras da experiência.

    15. No plano subjectivo, relativamente à conduta do arguido, na falta de uma confissão deve ser ponderado ponderado o inter criminis apurado.

    16. No caso concreto, a conduta objectiva apurada, assente nos factos provados (neles se incluindo “com a sua conduta o arguido causou dores físicas e a lesão do corpo da assistente, nomeadamente, a pisadura num dos braços”), permite concluir com a merecida certeza, pelo dolo do arguido, traduzido em «agiu de modo livre, voluntário e consciente, com intenção concretizada de ofender e molestar a saúde física e o corpo da assistente, o que quis e conseguiu não obstante saber que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal».

    17. Tal incorrecta valoração e apreciação da prova implicam, necessariamente, a alteração da matéria de...

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