Acórdão nº 224/15.6GBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO PINA
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE GUIMARÃES: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Instrução que, com o nº 224/15.6GBGMR, correm termos na Comarca de Braga, Guimarães - Instância Central - 2ª Secção de Instrução Criminal - Juiz 2, recorre a assistente S. D.

, da decisão instrutória proferida pelo Mmº Juiz titular dos presentes autos, que decidiu negar provimento ao requerimento de abertura da instrução e, em consequência, não pronunciou o arguido A. S. pela prática dos crimes que lhe vinham imputados no requerimento de abertura da instrução e, determinou o oportuno arquivamento dos autos.

Da motivação do recurso, a assistente/recorrente S. D., retira as seguintes conclusões (transcrição): 1. A douta decisão instrutória está viciada de nulidade por omissão de pronúncia e de insuficiência da instrução e padece, ainda, de erro notório na apreciação da respectiva prova e, finalmente, de inadequada aplicação do direito; 2. Salvo o devido respeito por distinto entendimento, a douta decisão instrutória enferma do vício de omissão de pronúncia, uma vez que no aresto em crise não se procedeu à apreciação da apontada nulidade do inquérito decorrente por falta da dedução de acusação pública pelo crime de ameaça agravada e da falta de notificação da Recorrente para, nos termos e prazos legalmente previstos, deduzir acusação particular quanto aos crimes de injúrias; 3. Sendo que, pese embora se possa concordar com uma determinada liberdade conferida ao Ministério Público em promover as diligências que entenda necessárias em face dos factos denunciados, a dedução da acusação pelos crimes de ameaça agravada e, sobretudo, a obrigação legal de notificar a Assistente, ora Recorrente, para deduzir acusação particular relativamente aos factos que assumam tal natureza são, como se refere na douta decisão recorrida, “actos de prática obrigatória e as exigências do princípio”; 4. Contudo, já não lhe é conferida qualquer discricionariedade quanto à dedução de acusação quanto aos apontados crimes de ameaça agravada e, sobretudo, quanto à notificação do assistente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 285° do CPP; 5. Ora tratando-se de ato que a lei prescreve como obrigatórios, estamos perante uma nulidade de insuficiência do inquérito, legalmente prevista na alínea d) do n° 1 do artigo 120° do CPP e que foi alegada no requerimento de abertura de instrução e sobre a qual o Exmo. Tribunal a quo não se pronunciou, incorrendo, nesta parte a decisão a quo em omissão de pronúncia; 6. Vício que também é gerador de nulidade da decisão em causa - cfr. art° 379°, n° 1 al. c), do Cód. Proc. Penal; 7. Devendo, por força dos supra indicado vício de nulidade, ser a douta decisão instrutória substituída por outra decisão que declare a nulidade do inquérito, por insuficiência do mesmo, e, por via deste, a nulidade do despacho de arquivamento e dos demais atos processuais subsequentes, e, em consequência, ordenar a remessa dos presentes autos à fase de inquérito para ser prolatado despacho de acusação contra o arguido pela prática de dois crimes de ameaça agravada e ser determinada a notificação da Recorrente para, no prazo de dez dias, deduzir acusação particular quanto aos denunciados crimes de injúrias; 8. Mais acresce que, na douta decisão concluiu-se que “Vistos os factos tidos por suficientemente indiciados verifica-se que eventualmente se poderia considerar como preenchidos os elementos típicos objectivos e subjectivos de diferentes ilícitos penas, ainda que na forma tentada (ofensa à integridade física e/ou homicídio), pois que o arguido agiu de modo voluntário e querido teria tentando atingir a integridade física e/ou a vida da assistente”; 9. Salvo o devido por distinto entendimento, em face da conclusão que supra se transcreveu, devia ter o Douto Tribunal recorrido ordenada que, uma vez transitada a decisão em crise, se extraísse certidão dos presentes autos ou que se remete os presentes autos para o Ministério Público para que se prosseguisse com o inquérito para se apurar a responsabilidade do arguido quanto aos factos de tentativa de ofensa à integridade, na nossa respeitosa opinião, na forma grave ou qualificada, e/ou tentativa de homicídio, na forma simples ou qualificada; 10. Com efeito, tratando-se de ilícitos de natureza pública, cabe ao Ministério Público promover o respetivo inquérito — cfr. artigo 48° do CPP — não tendo isso sucedido e tratando-se da omissão de um ato legalmente prescrito e obrigatório, a douta decisão instrutória em apreço, por violação do disposto na al. d) do n° 1 do artigo 120º do CPP, ferida de nulidade; 11. Não obstante se concordar que poderá assistir uma certa liberdade ao Ministério Público na direção e condução do inquérito e no exercício da ação penal (por via do n° 1 do artigo 261° da CRP) o artigo 267° do CPP determina que o Ministério Público pratica os atos e assegura os meios de prova necessários à investigação sobre a existência de um crime, a determinação dos seus agentes e a descoberta e recolha das provas; 12. Deste modo, a atuação do Ministério deve pautar-se de acordo com a observância do princípio da legalidade, não lhe sendo lícito escolher os meios de prova que deve ou não produzir, cabendo-lhes praticar todos atos e produzir todos os meios de prova que cumpram as finalidades a que se alude no n° 1 do artigo 262° do CPC; 13. Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, a inquirição das testemunhas F. P. e M. P., reputando-se como essenciais para a descoberta da verdade, trata-se de diligências impostas por lei e cuja omissão determina, por violação do disposto na al. b), do n° do artigo 120º do CPP, por insuficiência do inquérito, a nulidade do despacho de arquivamento prolatado nos autos; 14. Nulidade esta, que oportunamente se arguiu e que, também, nesta sede, se renova, com todas as legais consequências dela decorrentes; 15. Acresce, ainda que, o douto despacho de arquivamento omitiu e, por essa via, não considerou, para além da prova produzida nos autos após o pedido de reabertura do inquérito, o depoimento prestado pela filha da Recorrente, a testemunha M. D., que, ainda que parcialmente, corroborou as declarações prestadas pela Assistente e duas testemunhas.

16. Sendo que, no nosso respeitoso entendimento, a não consideração do depoimento da testemunha M. D. pelo douto despacho de arquivamento e a sua não conjugação com os demais meios de prova também determina a sua nulidade e dos demais ulteriores termos, com todas as legais consequências; 17. O Exmo. Tribunal a quo não efetuou, no que se refere ao crime pelo qual o arguido não foi pronunciado, uma criteriosa e cuidada apreciação da prova produzida nos autos, sendo que — se tal sucedesse — a prova referida no ponto III.D supra, no que à Recorrente diz respeito, somente poderia (como deveria e ainda deve) ser julgada como indiciada; 18. Salvo o devido respeito por diferente entendimento, em sede de instrução, encontra-se suficientemente indiciada a prática, pelo Recorrido, de um crime de violência doméstica, pois aquele submeteu, repetidamente, a Recorrente a maus tratos, físicos e psicológicos, tendo, para além da forma grave e reiterada, ofendido a integridade física da Recorrente, injuriado, ameaçado e ofendeu-a moral e psicologicamente, assim como violou a sua liberdade pessoal; 19. Sendo que, na nossa respeitosa opinião, o douto despacho recorrido padece quer de um erro de raciocínio, quer de fundamentação, de facto e direito, porquanto: 20. Atendendo à prova testemunhal produzida nos autos, cumpre sublinhar que a versão trazida aos autos pela Assistente somente é parcialmente corroborada pela sua filha, a testemunha M. D., cujo depoimento, contrariamente ao referido na decisão recorrida, não se pode assumir como “naturalmente comprometido”; 21. Parece-nos desrazoável que a indicada relação de parentesco e de proximidade seja suficiente para afastar o depoimento da testemunha M. D., pois de acordo com as regras da experiência, é possível afirmar que o crime de violência doméstica é, frequentemente, um crime praticado no recato do lar é normal e aceitável que apenas a identificada testemunha M. D., que coabitava com a assistente e o arguido, tivesse assistido aos factos por si relatados nos autos e o que fez, na nossa perspetiva, de forma isenta e credível; 22. Depoimento este que, conjugado com a demais prova testemunha, nomeadamente as declarações da Recorrente e os depoimentos de M. G., M. V., E. C., C. M., S. D. e P. C., permite-se concluir pela recolha dos indícios suficientes da prática do crime de violência doméstica; 23. Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, atenta a prova testemunhal produzida nos autos, conjugada com as declarações da Assistente, ora Recorrente, o Exmo. Tribunal a quo deveria ter julgado como totalmente indiciada a matéria de facto indicada nos pontos 1°, 2°, 3°, 4°, 5°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16°, 17°, 18°, 19°, 20°, 21°, 22°, 23°, 24°, 25°, 26°, 27°, 28°, 29 e 30° da matéria de facto não indiciada; 24. No âmbito do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152° do Código Penal, a citada norma jurídica visa proteger um “bem jurídico (...) plural e complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física e psíquica e a dignidade da pessoa humana” e que, obviamente, “não são todas as ofensas entre os cônjuges que cabem na previsão legal”; 25. A punição do crime de violência doméstica, visa, essencialmente, salvaguardar a vida e integridade física e a liberdade e dignidade da pessoa humana, querendo deste modo prevenir consequências mais gravosas que, irremediavelmente, irão surgir e afetarão o desenvolvimento harmonioso da personalidade da vítima; 26. Discordamos, todavia, do Exmo. Tribunal a quo - mesmo no caso de não considerar como indiciada a matéria de facto supra referida, o que se não concede - no facto de no caso vertido nos autos não estamos perante um mero “conflito...

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