Acórdão nº 3583/14.4TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Apelação nº 41/08.0TBSTB.E1 Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1 –Relatório.

Luís Nuno da Cunha Pereira de Carvalho Assis (A) intentou contra BB, CC, DD, EE, FF, GG (RR) acção para reconhecimento da sua qualidade de herdeiro do seu falecido tio-avô HH.

Mais tarde interveio nos autos como R II.

Para o efeito alegou que, no testamento que efectuou, o seu tio-avô declarou: “[d]eixo todos os meus bens imóveis a (…) minha irmã Maria com a obrigação de os transmitir a seus netos, nascidos ou nascituros que preencham a condição que abaixo indico. Esta minha irmã poderá alienar algum ou alguns dos bens transmitidos para satisfazer necessidade pessoal que não possa satisfazer com a alienação de bens próprios. Os meus sobrinhos netos que podem beneficiar da disposição anterior são aqueles que até à data de vinte e sete anos completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro. Os meus sobrinhos netos que satisfaçam esta condição quando mais de um dividem entre si em partes iguais todos os meus bens imóveis, ou o que restar deles”.

Alega que tinha concluído com 27 anos as disciplinas do curso superior de arquitectura que, pelo seu tipo e quantidade, o habilitavam ao exercício da profissão de docente do ensino secundário, como de resto sucedeu.

Os seus primos João, Paulo e Sérgio contestaram a acção, pugnando pela não atribuição da qualidade de herdeiro ao A, defendendo que não têm que dividir com este os bens imóveis do respectivo tio-avô, testador, porquanto aquele não tinha, com vinte e sete anos, o grau académico bastante.

Realizou-se a audiência final.

Foi proferida sentença que julgoua acção totalmente procedente e, em consequência, reconhece o AAA como interessado e legítimo herdeiro na partilha dos bens imóveis que se efectua no processo de inventário instaurado por óbito de HH, falecido em 29/12, na freguesia de Fradelos, concelho de Braga.

Inconformados com tal decisão, vieram os RR interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): “PRIMEIRA I. O presente recurso tem por base a sentença da Meritíssima Juiz a quo que julgou totalmente procedente a acção e, em consequência, reconheceu o apelado AA, como interessado e legítimo herdeiro na partilha de bens imóveis que se efectuou no processo de inventário instaurado por óbito de HH, falecido em 29/12/, na freguesia de Fradelos, concelho de Braga.

II. A reapreciação da prova, impugnação da matéria de facto, nos presentes autos circunscreve-se à errada interpretação, compreensão, sentido, valoração dos depoimentos de parte e das testemunhas que se identificam especificadamente, o que releva, sobretudo quanto á valoração e a consideração de factos instrumentais e complementares que também se deixam alegados e concluídos.

III. A Meritíssima Juiz a quo interpretou erradamente a vontade do testador à luz do disposto no art. 2187.º do Código Civil, porquanto o testador na sua disposição de vontade ao condicionar a atribuição de qualidade de herdeiros à conclusão de estudos pretendeu premiar aqueles que terminassem um curso universitário ou superior e não perpetuar a indivisibilidade dos bens na família; IV. A Meritíssima Juiz a quo interpretou erradamente a aplicação conceptual da expressão “equiparado”; V. A Meritíssima Juiz a quo NÃO aplicou a lei, mais concretamente o Despacho Normativo n.º 32/84; o Reconhecimento ao abrigo do disposto no capítulo V do Decreto-Lei n.º 283/83, de 21 de Junho; a Equiparação a um curso superior, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 29 992, de 21 de Outubro de 1939; o Reconhecimento do valor nacional, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 514/74, de 2 de Outubro; e Declaração de relevância em termos nacionais ao abrigo do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 555/77, de 31 de Dezembro.” VI. A Meritíssima Juiz a quo entendeu que, pelo facto de o apelado ter sido professor durante o período de 194 dias, tal concedia-lhe um grau equiparado (!) à licenciatura ou bacharelato; VII. O Tribunal a quo estribou a sua decisão com base em depoimentos de testemunhas ligadas à docência, para concluir que o apelado reuniu os requisitos para dar aulas, ainda que só por 194 dias, então tal facto habilitava-o ao grau de equiparação (!); VIII. Da errónea interpretação da vontade do testador quanto ao conceito de “equiparado” não poderá relevar nem de produzir efeitos jurídicos, uma vez que o mesmo é contrário à vontade do testador bem como à lei, mais concretamente aos diplomas indicados ponto IV) supra.

IX. O Tribunal a quo não apreciou devidamente a prova documental junta pelo apelado, pois não interpretou conjugadamente a mesma (Doc. 9 e Doc. n.º 10) de onde resulta que o apelado, no ano em que iniciou a docência, não tinha o número de cadeiras que no Doc. n.º 10 refere que tem; X. Acresce que o Tribunal a quo não valorou o depoimento de parte dos apelantes, nomeadamente do apelante DD ouvido na sessão de Julgamento de 06.04.2016, no registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 51:10 ao minuto 52:01 e CC, ouvido na sessão de Julgamento de 06.04.2016, no mesmo com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 40:09 ao minuto 40:54, ambos acerca dos estudos, designadamente sobre a vontade que o inventariado tinha que os sobrinhos netos se formassem, mas valorou o depoimento de parte do interessado LUÍS, ouvido na sessão de Julgamento de 06.04.2016, com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 17:17 ao minuto 21:29, sobre o mesmo facto.

SEGUNDA XI. A génese do presente recurso está em descortinar qual a real vontade do testador, ou seja, o que de facto pretendeu o testador ao referir no seu testamento: “Deixo todos os meus bens imóveis a esta minha irmã Maria com a obrigação de os transmitir a seus netos, nascidos ou nascituros que preencham a condição que abaixo indico.

Esta minha irmã poderá alienar algum ou alguns dos bens transmitidos para satisfazer necessidade pessoal que não possa satisfazer com a alienação de bens próprios. Os sobrinhos netos que podem beneficiar da disposição anterior são aqueles que até à data de vinte e sete anos completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro. Os meus sobrinhos netos que satisfaçam esta condição quando mais de um dividem entre si em partes iguais todos os meus bens imóveis, ou o que restar deles”.

XII. Na sua motivação a Meritíssima Juiz a quo refere que “um dos grandes objectivos do testador era o de impedir que os seus bens fossem alienados, sendo essa a razão pela qual deixou à sua mãe (irmã do de cujos) para que os mantivesse e subsequentemente partilhasse pelos netos “ (parágrafo 3.º da motivação).

XIII. O Tribunal a quo interpretou erradamente a vontade do testador quanto a este id, pois, na verdade, a vontade do inventariado não era a de perpetuar os bens na família, pela indivisibilidade dos mesmos, mas garantir que os sobrinhos-netos se formassem, os bens eram um incentivo.

XIV. De facto a vontade do testador era que os sobrinhos-netos se formassem, deste modo, deixou os bens imóveis à sua irmã MARIA, com a obrigação de os transmitir a seus netos, e não aos filhos desta, e sobrinhos do inventariado, pois estes não tinham concluído qualquer curso superior ou universitário.

XV. Deste modo, a MARIA poderia alienar algum ou alguns bem se fosse para satisfazer necessidade pessoal que não pudesse satisfazer com a alienação de bens próprios, tal como resulta do depoimento da testemunha, Exma. Senhora ISABEL, filha de MARIA e tia dos apelantes e apelado, ouvida na sessão de Julgamento de 04.04.2016, com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160406095441_1334748_2870571, do minuto 11:08 ao minuto 12:13, bem como do depoimento de parte de JOSÉS, pai do apelado, filho de MARIA e sobrinho do inventariado, ouvido na sessão de Julgamento de 06.04.2016, com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 17:17 ao minuto 18:35, ambos referiram a instâncias do mandatário dos apelantes e a cerca da indivisibilidade dos bens, que a mãe, MARIA ROSA, poderia vender os bens imóveis.

XVI. Ou seja, o inventariado deixou os bens à sua irmã mas com o encargo de os conservar, por forma a que estes bens se transmitissem para quem? Para os sobrinhos-netos que “até à data de vinte e sete anos completem um curso universitário ou superior a que corresponda grau de licenciatura ou de bacharelato, ou equiparado, em qualquer estabelecimento de ensino nacional ou estrangeiro.

XVII. O testador era médico, tendo nascido em 15.11.1918 (início do século XX) e falecido em 06.11.1986, com cerca de 68 anos de idade.

XVIII. Licenciou-se como médico com 27 anos de idade, ou seja em 1945, final da II Guerra Mundial.

XIX. Na sua época, raros eram aqueles que sabiam ler e escrever, pelo que ser médico era de facto um estatuto deveras importante, marcante, dignificante, digno de tributo.

XX. Sem filhos, os seus “filhos” eram os seus sobrinhos e mais tarde os seus sobrinhos-netos, pelo que era neles que recaía todos os desejos, as vontades, os gostos e desgostos do de cujus.

XXI. Acresce que, o inventariado atribuía uma atenção especial/privilegiada às pessoas que possuíssem graus académicos, conforme o depoimento de parte de JOSÉ, ouvido na sessão de Julgamento de 06.04.2016, com o registo de depoimento Habilus Média Studio, 20160404145433_1334748_2870571, do minuto 19:05 ao minuto 19:07.

XXII. Para o inventariado não ter sobrinhos ou sobrinhos-netos com um grau académico era um DESGOSTO, uma VERGONHA.

XXIII. A disposição de última vontade do inventariado não teve como objectivo de perpetuar os bens na família...

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