Acórdão nº 612/11.7TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelLINA CASTRO BAPTISTA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO I – O objeto do recurso está balizado pelo objeto da ação, designadamente pela causa de pedir e pedidos formulados nos articulados.

II - Já à luz do regime legal decorrente do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, a prova dos factos essenciais constantes da Base Instrutória podia ser feita diretamente ou mediante a prova de factos instrumentais e/ou complementares daqueles, independentemente de estes terem sido alegados pelas partes nos articulados ou serem posteriormente trazidos ao processo através da produção da prova, designadamente testemunhal.

III - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida em instrução e julgamento ou documento superveniente impuserem decisão diversa.

IV – É sobre a Autora sociedade que recai o ónus da prova da inexistência de interesse próprio na prestação de garantias reais ou pessoas a dívidas de outras entidades, nos termos e para os fins previstos no art. 6.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais.

* Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I—RELATÓRIO I, sociedade com sede no Lugar da Bonança, freguesia de Fão, concelho de Esposende, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B, sociedade com sede na Avenida da Liberdade, n.º 195, Lisboa, entretanto substituída por N; M, sociedade com sede na Avenida da Boavista, n.º …, freguesia de Mogege, concelho de Vila Nova de Famalicão, entretanto com firma alterada para F e declarada insolvente; A, residente na Avenida da Boavista, n.º 330, Mogege, Vila Nova de Famalicão, entretanto declarado insolvente, e C, Notário, com domicílio profissional na Avenida de Londres, Bloco 1C, F, freguesia de Creixomil, concelho de Guimarães, pedindo que seja: Ø Declarada a nulidade da hipoteca sobre o bem descrito na cláusula 6ª da Petição Inicial, com a consequente ordem de cancelamento do registo respetivo, uma vez que a Autora não tinha nem tem qualquer interesse próprio e justificado na constituição da mesma, não tão-pouco possuía qualquer relação de domínio ou grupo com a 2ª Ré; Ø Declarada a nulidade da escritura pública respetiva, atenta a violação do disposto nomeadamente do disposto no n.º 3 do art. 6.º do C.S.C., com as legais consequências; Ø Declarada a falsidade da escritura pública no que diz respeito a qualquer menção da existência de justificado interesse próprio da Autora; menção constante da escritura, onde se diz a fls. 135 “o do qual os Outorgantes declaram não prescindir na respetiva leitura” e a fls. 137 vs. onde se diz “e aos mesmos explicado o seu conteúdo”; Ø Declarada a condenação solidária dos 2º, 3º e 4º Réus no pagamento de todas as quantias que se mostrem necessárias para repor a situação em que se encontrava o bem objeto de hipoteca, à data da constituição da hipoteca, valor esse a liquidar em execução de sentença condenatória.

Alega, em síntese, que, no dia 16 de julho de 2009, outorgou com os Réus e teve participação na Escritura Pública de Hipoteca, da qual resultou a hipoteca, até ao limite de € 822 000,00 do prédio urbano composto de casa com um pavimento, piscina e logradouro, situado no lugar de Bonança, freguesia de Fão, concelho de Esposende, ao qual atribuíram o valor de € 600 000,00, ficando aí declarado que a hipoteca se destinava a garantir as obrigações emergentes da garantia bancária número 15226, celebrada entre as 1ª e 2ª Rés. Acrescenta que nesse ato o 3º Réu declarou, na qualidade de Presidente do seu Conselho de Administração, que havia um justificado interesse próprio da sociedade na constituição da hipoteca, Afirma que a constituição desta hipoteca foi uma liberalidade da qual não resultou qualquer vantagem patrimonial ou de outra natureza para si. Diversamente que a mesma beneficiou a 1ª Ré, que alcançou uma contra-garantia para garantia prestada em exclusivo proveito e benefício da 2ª Ré, que logrou a obtenção de um financiamento. Acrescenta que não celebrou com a 2ª Ré qualquer negócio que pudesse servir de base às hipotecas constituídas nem tem qualquer interesse no contrato celebrado entre a 1ª e a 2ª Ré.

Alega igualmente que a 1ª Ré tinha perfeito conhecimento de que a representação da sociedade Autora não poderia prescindir de assembleia geral de accionistas. Especifica que o 3º Réu compareceu na escritura pública beneficiando de poderes do Conselho de Administração sem que tal Conselho possuísse poderes para o constituir procurador para os termos e condições da hipoteca em causa.

Declara que a 1ª, 2ª e 3ª Rés atuaram indiciariamente conluiados, contando com o beneplácito do 4º Réu.

Finalmente, refere ainda que não foi lido e explicado o conteúdo da escritura em voz alta, não tendo o 4º Réu diligenciado pela verificação da verdade das declarações prestadas pelas partes.

O 4º Réu veio contestar, impugnando a essencialidade da matéria de facto da Petição Inicial.

Deduziu incidente de Intervenção Provocada da de “…Companhia de Seguros, S.A.”, seguradora junto da qual celebrou contrato de seguro, do ramo responsabilidade civil profissional, o qual foi oportunamente deferido.

Pede que a presente ação seja julgada improcedente no que a si respeita, com as legais consequências.

Também a Ré B veio contestar, impugnando a essencialidade da matéria de facto da Petição Inicial.

Refere que, em 16 de julho de 2009, o contrato de sociedade da Autora prescindia da deliberação da Assembleia Geral de Accionistas.

Alega que a Autora deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora, alterando a verdade dos factos e omitindo factos relevantes para a decisão, com o fim de conseguir a declaração de nulidade da hipoteca.

Conclui pedindo que a presente ação seja julgada improcedente e não provada, com a sua absolvição do pedido.

Requer igualmente a condenação da Autora como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor.

Também os Réus M e A vieram contestar, impugnando a generalidade dos factos da Petição Inicial.

Contrapõem que o 3º Réu não retirou qualquer benefício com a contratada hipoteca e participou na escritura de acordo com as indicações ordenadas pela 1ª Ré, para, assim, poder concretizar o prometido apoio a tesouraria da 2ª Ré por si administrada.

Rematam pedindo que a presente ação seja julgada totalmente improcedente por não provada, com todas as legais consequências.

Em sede de Réplica, a Autora veio impugnar a matéria de exceção invocada pelas Rés, bem como o incidente de condenação como litigante de má fé.

Alega que quem litiga de má fé são as 1ª e 2ª Rés, por, de forma concertada, terem contestado a presente acção, alegando factos e fundamentos que sabem ser falsos.

Finaliza concluindo como na Petição Inicial, pedindo que a matéria de exceção invocada e o pedido de condenação como litigância de má fé sejam julgados improcedentes, por não provados.

Requer que se admita a ampliação da causa de pedir e pedido da Petição, declarando-se judicialmente a extinção da hipoteca que se destinou a garantir as obrigações e responsabilidades previstas na garantia 1522 prestada em 10/09/2002, uma vez que esta caduca, decorrido que foi o período inicial de 60 meses e o único e automaticamente prorrogável período de 12 meses, pelo qual foi emitida, com as legais consequências.

Pede ainda que as 1ª e 2ª Rés sejam condenadas como litigantes de má fé, em multa e indemnização, a fixar oportunamente.

Os Réus vieram impugnar a matéria aditada em sede de ampliação de causa de pedir e pedido, bem como o pedido de condenação como litigante de má fé.

A Interveniente veio apresentar articulado de Contestação, impugnando a essencialidade da matéria de facto da Petição Inicial e concluindo pelo pedido de improcedência da acção, com a absolvição do pedido do 4º Réu.

Em sede de Audiência Preliminar, proferiu-se despacho saneador, admitiu-se a requerida alteração do pedido e causa de pedir e fixou-se a Matéria de Facto Assente e a Base Instrutória.

Realizou-se o competente julgamento e proferiu-se sentença que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos Réus dos pedidos formulados.

Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso, terminando com as seguintes CONCLUSÕES: 1) Na sua motivação o Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, consistente nos documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas, não tendo atendido aos depoimentos de parte para formar a sua convicção.

2) Quanto às testemunhas o Tribunal deu especial atenção e credibilidade aos testemunhos prestados por L e P, ambos trabalhadores da Ré.

3) Sucede que estas testemunhas depuseram sobre fatos que não foram alegados pelas partes nos seus articulados, não constam dos fatos provados nem dos fatos não provados, nem da base instrutória.

4) Ambas as testemunhas depuseram sobre fatos novos nunca carreados para os autos, fazendo menções a negociações, documentos, contratos e garantias nunca antes mencionadas nos autos.

5) Em particular, as testemunhas em causa alegaram que a hipoteca foi realizada no âmbito de uma reestruturação de dívidas da Autora e da sociedade M, nas quais foi liberta uma carta de conforto pelo Banco, foram concedidos empréstimos a ambas as sociedades, não juntando qualquer documentação suporte ou explicando o conteúdo de tais documentos.

6) Mais testemunharam sobre a existência de várias garantias iniciais aquando da emissão da garantia bancária …, nomeadamente aval do 3° Réu, e um penhor mercantil sobre os bens de empresa que não identificaram.

7) Mais disseram que foi no seio dessa reestruturação da divida entre as empresas que surge a hipoteca dos presentes autos, por via da concessão pelo Banco da libertação de uma carta conforto e de um empréstimo à sociedade M, tudo nos demais termos constantes da motivação da sentença em crise.

8) Ao fundamentar a sua decisão em fatos novos o Tribunal violou expressamente o disposto no artigo 608.º, n° 2 do Código de Processo Civil, apreciando questões não...

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