Acórdão nº 162/10.9TBAVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO M intentou a presente acção de impugnação pauliana, sob a forma de processo ordinário, contra: 1º - S, 2ª - R, pedindo que seja decretada a ineficácia em relação ao autor do acto de partilha do bem referido no artº. 12º da petição inicial, devendo ser ordenada a restituição do referido bem ao património do obrigado de modo a que a Autora se possa pagar à custa desse prédio.

Alega, em síntese, que no processo nº. 357/1998, que correu termos no Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, o 1º Réu foi condenado, por sentença datada de 17/02/2006, a pagar à A. a quantia de € 54 917,65 e, em 14/04/2008, foi ainda condenado, em liquidação de sentença, a pagar a quantia de € 18 049,25, quantias essas acrescidas de juros de mora calculados à taxa legal desde as respectivas decisões até integral pagamento, sendo que, na data da propositura da acção, o R. devia à A. a importância de € 64 569,30, após ser descontada a quantia de € 8 397,60 que o R. já havia pago por força da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória nº. 357-A/1998.

Mais alega que em 7/03/2006, depois de ter tido conhecimento da condenação do Réu S, a Ré R instaurou contra o ora Réu, com quem era casada, acção de divórcio litigioso, que correu termos no Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez sob o nº. 168/06.2TBAVV, que aquele não contestou.

Acrescenta que os factos alegados na acção de divórcio eram falsos, uma vez que o R. nunca abandonou o lar, a sua esposa e o seu filho, com quem continuou a viver em casa do sogro, sendo que os RR. tiveram, entretanto, outro filho e em 2005 iniciaram, em conjunto, a construção de uma moradia, tendo para o efeito, em Junho de 2005, solicitado e obtido um empréstimo do BCP para custear aquela construção.

Apesar disso, na tentativa de conciliação daquela acção de divórcio, realizada em 29/06/2006, os RR. convolaram o divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento e acordaram, entre outras coisas, que: - não existem bens comuns a partilhar; - o R. renunciava à edificação, em grosso, que estava a ser construída no prédio denominado “Monte de Polos”, sito no lugar da Igreja, em Jolda Madalena, uma vez que reconhecia que a mesma estava a ser construída com dinheiro pertencente à Autora; - o R. pagará de alimentos devidos ao menor a quantia mensal de € 150, a ser actualizada em função da taxa de inflação, no mínimo de 3%, a começar em Janeiro de 2007.

Refere, ainda, que o R. renunciou ao único bem que lhe era conhecido e onerou o seu salário com a referida pensão de alimentos a favor do seu então único filho, tendo o acordo para partilha dos bens comuns e fixação dos alimentos ao filho visado impedir a concretização de uma posterior penhora da moradia e diminuir a parte penhorável do salário do Réu.

Caso a intenção do R. se venha a concretizar, ficará a A. impossibilitada de, através da penhora dos referidos bens, vir a obter o pagamento da indemnização a que aquele foi condenado.

Cada um dos RR. apresentou contestação, impugnando os fundamentos da acção e alegando, em síntese, que: - se separaram no início de 2005, tendo depois disso feito várias tentativas de reconciliação, das quais resultou a gravidez da Ré e o nascimento do segundo filho do casal em Novembro de 2006; - em Março de 2006, depois do insucesso daquelas tentativas de reconciliação, a Ré acabou por instaurar a acção de divórcio, que foi decretado em 29/06/2006; - o acordo alcançado entre ambos quanto à edificação que estava a ser construída em “Monte de Polos” teve origem no facto do terreno ter sido doado à Ré pelos seus pais, por escritura celebrada em 10/10/2002, e de o R. ter firmado com aqueles um acordo de cavalheiros no sentido de que renunciaria àquela edificação e que a Ré pagaria ao Banco mutuante as amortizações decorrentes do empréstimo com o qual estava a ser construída a dita moradia; - desde que se separaram definitivamente, uns dias antes da instauração da acção de divórcio, os RR. têm vidas separadas e autónomas; - após o divórcio, com base nos acordos nele celebrados e na escritura pública de assunção de dívida outorgada em 17/11/2006, a Ré assumiu em exclusivo o pagamento da dívida ao Banco mutuante, tendo este, em consequência disso, emitido uma declaração a desonerar o R. do pagamento das amortizações do empréstimo; - a casa de habitação construída não é um bem comum dos RR., sendo que o R. nunca teve mais do que uma mera expectativa de ser dono da respectiva meação, caso viesse a contribuir para o pagamento da amortização do empréstimo que a financiou; - o mencionado prédio rústico e a benfeitoria pertencem única e exclusivamente à Ré, pois para além do terreno lhe ter sido doado pelos pais, a casa de habitação foi construída com dinheiro desta, sendo ela quem pagou e continua a pagar as prestações ao Banco; - a renúncia do R. à benfeitoria não foi um negócio gratuito, mas sim oneroso, porquanto a Ré, após o divórcio, assumiu a dívida ao Banco credor.

Concluem, pugnando ambos pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

A A. replicou e a Ré R apresentou tréplica, mantendo ambas, no essencial, as posições defendidas nos anteriores articulados por elas apresentados.

Realizou-se a audiência preliminar, na qual foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória, que não foram objecto de reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção procedente e, em consequência, decidiu declarar - e condenar os RR. a reconhecer - a ineficácia em relação à A. do acto referido no artº. 12º da petição inicial, de renúncia do R. à edificação que estava a ser levada a cabo no prédio “Monte de Polos”, sito no lugar da Igreja, em Jolda Madalena, restituindo-se o respectivo direito ao património do Réu.

Inconformado com tal decisão, o R dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1ª - O R. discorda da decisão do tribunal “a quo” por ter julgado provados os factos constantes nos pontos 23) e 24) e não provados os factos constantes das alíneas c), d), e) h), i), j), k) e o).

  1. - O tribunal “a quo” refere que as testemunhas indicadas pelos RR (com excepção da testemunha P) confirmaram, no essencial, os factos vertidos nas als. c), d), e), h), i), j), k) e o).

  2. - Porém, não atribuiu credibilidade aos depoimentos das testemunhas porque ou são amigas de há muitos anos dos RR. ou são familiares e existem elementos nos autos que, conjugados entre si, suscitaram dúvida razoável sobre a sua veracidade.

  3. - Os factos em apreço têm a ver com a vida privada de um jovem casal em plena ruptura conjugal e todos sabemos que estes factos são restritos às pessoas mais íntimas.

  4. - A decisão do tribunal é absolutamente estranha e “sui generis”, uma vez que, ao contrário daquilo que é habitual, a suspeição da M.ma Juiz “a quo” não teve origem nas dúvidas decorrentes do confronto das versões dos depoimentos das testemunhas da A. com as testemunhas dos RR. (a A. nomeou 4 testemunhas, abdicou de 3 e ouviu 1 que nem sequer conhecia os RR.).

  5. - O tribunal “a quo” enumera os elementos existentes nos autos que, conjugados entre si, suscitaram dúvida razoável sobre a veracidade dos depoimentos das testemunhas.

  6. - Em 1º lugar afirma que não é crível que um casal a viver uma crise matrimonial, da qual poderia resultar um divórcio e que motivou a sua separação, contraia um empréstimo de valor elevado para levar a efeito a construção de uma casa.

  7. - Não conseguimos descortinar onde é que a M.ma Juiz “a quo” foi buscar a convicção para afirmar que o casal estava a viver uma crise matrimonial, se ela própria julgou como não provados os factos constantes das alíneas c), d) e ) dos factos não provados.

  8. - Consta da alínea Q) dos factos assentes que «a construção da habitação começou por ser um projecto comum dos RR. surgido pouco depois do casamento», que teve lugar a 18/08/2000.

  9. - Depois foi necessário percorrer diversas etapas até ao momento da concessão do empréstimo (01/07/2005), nomeadamente a doação do prédio à Ré, a desafectação da área de reserva, a desanexação da parcela urbanizável da parcela rústica, o projecto da casa, o licenciamento e a análise das condições de mercado.

  10. - O processo de divórcio litigioso foi instaurado pela Ré no dia 07/03/2006 e no dia 29/06/2006, data designada para a tentativa de conciliação, foi convertido em divórcio por mútuo consentimento.

  11. - O divórcio dos RR. ocorre um ano depois da data da concessão do empréstimo.

  12. - Em 3º lugar, afirma a M.ma Juiz “a quo” que as prestações do crédito hipotecário continuaram, depois do divórcio, a ser debitadas numa conta bancária de que o R. era o 1º titular durante quase mais 2 anos (31/03/2008) e o R. continuou a suportar os seguros de vida e de protecção da casa associados áquele empréstimo, o que não faz sentido já que o R. declarou renunciar ao direito à edificação e a Ré assumiu em Novembro de 2006 o pagamento daquele crédito.

  13. - O que a M.ma Juiz “a quo” não disse - mas devia ter dito - é que todos os pagamentos anteriores ao divórcio também tinham sido debitados nessa mesma conta.

  14. - No dia 01/07/2005, os RR. assinaram a escritura pública do contrato de mútuo com hipoteca e o documento complementar elaborado nos termos do nº 2 do artº. 164 do Código do Notariado (que faz parte integrante da escritura).

  15. - Das cláusulas 1 e 6 do citado documento complementar decorre que o banco concede aos mutuários um empréstimo global de 143.500,00 € por crédito na conta nº 175168033 e os pagamentos a efectuar pelos mutuários serão efectuados por débito na conta de depósitos à ordem mencionada anteriormente.

  16. - No dia 29/06/2006 foi decretado o divórcio dos RR. e acordado que o R. renunciava à edificação, em grosso, uma vez que a mesma está a ser levada a efeito com dinheiro...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT