Acórdão nº 2301/16.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelLINA CASTRO BAPTISTA
Data da Resolução11 de Maio de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO A, residente na Av. da L..., n.º , Travassos, Fafe, intentou, através de requerimento executivo de 08 de abril de 2016, ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra AM e R, residentes no Hotel T..., Largo..., Guimarães.

Apresentou como título executivo um documento particular, intitulado “Declaração de Dívida” e, no requerimento executivo, justificou que, através deste documento declarou ter emprestado aos Executados, que aceitarem ter recebido daquele, a quantia de € 290 532,50, acrescida de juros à taxa contratual de 6 % ao ano. Acrescenta não ter sido acordado prazo quanto à restituição da quantia mutuada. Afirma que já instou os Executados, por carta registada com aviso de receção, para efetuarem o pagamento da quantia em dívida.

Com data de 10/05/16, foi proferido despacho nos autos a ordenar a notificação do Exequente para, no prazo de 10 dias, esclarecer se o documento dado à execução titula um único empréstimo ou vários, ao que o Exequente veio responder que o documento dado à execução titula um único empréstimo.

Com data de 25/05/16, foi proferido novo despacho nos autos a conceder ao Exequente o prazo de 10 dias para se pronunciar quanto à eventual falta de título executivo.

Sequencialmente, com data de 08/06/16, foi proferido despacho final nos autos, em que se decidiu – no essencial – que “Ora, como é sabido, o novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6) infletiu o sentido de ampla executoriedade de documentos consagrada no anterior CPC, retirando exequibilidade aos documentos particulares, com ressalva dos títulos de crédito. Contudo, o Tribunal declarou, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.ºda Constituição)”. Deste modo, o documento dado em execução enquadra-se no artº 45º, nº 1, alínea c), do C. P. Civil – redação anterior à Lei nº 41/2013, de 26-06 – cf. artº 6º, nº 3, desta Lei, sendo que, por ter sido alegado pela embargante e aceite pela embargada, a confissão de dívida tem subjacente um contrato de mútuo da quantia de €290.532,50. Ora, o contrato de mútuo para ser válido encontra-se, no entanto, sujeito a determinadas exigências de forma, variáveis consoante o valor do capital mutuado. (…) Nos presentes autos, o capital mutuado é superior a €25.000,00, pelo que carecia o contrato, para ser válido, de ter sido celebrado por escritura pública, o que não sucedeu. Com efeito, limitaram-se as partes a assinar uma mera declaração escrita. A preterição de exigências de forma impostas por lei, determina a nulidade dos contratos [cf. artº 220º do C. Civil]. A nulidade é de conhecimento oficioso - [cf. artº 286º do C. Civil]. Deste modo, resultando que a confissão de dívida que serve de título à execução decorre de um contrato de mútuo de valor superior a € 25.000,00, terá de concluir-se pela nulidade do título executivo. (…) Nessa conformidade, com fundamento na invocada nulidade do contrato de mútuo, e, consequentemente, do título executivo, deverá ser indeferido o requerimento executivo. Assim, nos termos do disposto no artº 726º, nº 2, al. a), decide-se indeferir o requerimento executivo, por falta de título executivo válido. (…).” Inconformado com esta decisão, o Exequente interpôs o presente recurso, terminando com as seguintes CONCLUSÕES I. Decidiu o despacho apelado inexistir título executivo válido, indeferindo liminarmente o requerimento executivo, por entender que padecendo a confissão de dívida que serve de título à execução de nulidade por falta de forma legalmente exigida, tal nulidade estender-se-á também à exequibilidade da pretensão incorporada no título.

II. Está aqui em causa saber se pode ser título executivo na presente execução, uma confissão de dívida assinada pelos executados, onde estes reconhecem que receberam de empréstimo do exequente a importância de € 290.532,50, a que acrescerá a taxa de juros contratual de 6% ao ano, comprometendo-se aqueles a pagar aquela importância quando lhes fosse exigido; III. Ora, de acordo com o art, 45°, n° 1, do Cód. de Proc. Civil então vigente, estipulava -se que toda a execução tem por base um título, através do qual se determina o fim e os limites da acção executiva; IV. Por sua vez, o art. 46°, n° 1 do CPC procedia à enumeração dos vários tipos de títulos executivos admitidos na lei, para fundamentar uma execução, estipulando-se na aI. c) como título executivo, "os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto. "; V. No caso em apreço o título apresentado reconhece a existência de uma obrigação contratual para os executados decorrente de um contrato de mútuo que os mesmos ali reconhecem haver celebrado com o exequente encontrando-se essa obrigação vencida com a interpelação, não obstante o contrato de mútuo celebrado, apesar de superior a € 25.000,00, por documento particular e não por escritura pública como exigido pelo art. -1143° do CC.

VI. Porém, entende o apelante, pese embora essa falta de formalização, sendo tal mútuo nulo por força do disposto no referido art. 1143°, sempre aquele título executivo preenche os requisitos previstos na referida aI. c) do n° 1 do art. 46°, em relação ao capital mutuado peticionado; VII. Neste sentido, chamamos aqui à colação o defendido pelo Prof. Anselmo de Castro, in "A Acão Executiva Singular, Comum e Especial", págs. 41 e 42 da 3.ª ed., onde se refere que "não há coincidência entre a força probatória legal e força executiva ou exequibilidade. A lei concede força executiva a títulos que não possuem força probatória legal ". E acrescenta mais adiante “mesmo quando representativas de mútuo" - referindo-se a obrigações pecuniárias -, "formalmente nulo, será o título de considerar-se sempre exequível para a restituição da respectiva importância, só o não sendo para o cumprimento específico do contrato (v.g. para exigir os juros)"; VIII. No mesmo sentido concluiu o douto acórdão de 19-02-2009 do Supremo Tribunal de Justiça, no processo 0784427 que numa linguagem impressiva, referiu que o título executivo é o invólucro sem o qual não é passivei executar a pretensão ou direito que está dentro desse invólucro, revestindo a declaração de dívida - que no caso se refere a um contrato de mútuo igualmente nulo por vício de forma - o formato do invólucro e o contrato nulo constitui o conteúdo de que resulta nos termos do art. 289°, n.º 1 do Cód. Civil, a obrigação de restituir tudo o que tiver sido prestado, podendo este direito à restituição ser exigido em acção executiva com a declaração de dívida como título executivo.

IX. Por outro lado, do documento apresentado como título executivo consta o reconhecimento de uma obrigação pecuniária cujo montante está determinado decorrente de um contrato de mútuo igual à pedida pelo exequente - além dos juros referidos; X. Exigir, neste caso, que o exequente recorra previamente ao processo declarativo é uma exigência que se não compadece com o interesse do legislador, no sentido de alargar o campo dos títulos executivos extrajudiciais, num caso em que a obrigação em causa está já determinada e reconhecida, nos seus pressupostos fácticos por declaração com os requisitos previstos na apontada aI. c) do art, 46°, e obrigação essa que com aqueles pressupostos resulta directamente da lei.

XI. A posição dos executados está, em nosso entender, plenamente salvaguardada com a possibilidade de deduzirem atempadamente embargos à execução com os fundamentos que entenderem.

XII. Em apoio deste entendimento, veio o douto Supremo Tribunal a proferir o assento n° 4/95, em 28/03/1995 - DR n° 114/951 I série A de 17-05-1995 -, hoje com valor de acórdão de uniformização de jurisprudência em que concluiu:" Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado como pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com o fundamento no n.º 1 do art. 289.º do Cód....

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