Acórdão nº 1120/09.1TABCL.G3 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Maio de 2017
Magistrado Responsável | JORGE BISPO |
Data da Resolução | 08 de Maio de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.
RELATÓRIO 1.
No processo comum com intervenção de juiz singular com o NUIPC 1120/09.1TABCL, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Barcelos - J2 (anterior Secção Criminal da Instância Local), foi proferida sentença, datada e depositada a 24-10-2016, com o seguinte dispositivo (transcrição) (1): «III. DECISÃO Pelo exposto:--- [1] Julga-se a acusação procedente, termos em que se decide:--- a) Condenar a arguida sociedade M., Unipessoal, Ldª., pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p., pelas disposições conjugadas dos artºs 7º, nº 1, 12º, nº 2, 107º, nº 1, com referência ao artº 105º, nº 1 todos do RGIT e ao artº 30º, nº 2 do Cód. Penal, aplicável “ex vi” do preceituado na al. a) do artº 3º do primeiro dos indicados diplomas legais, na pena de 340 [trezentos e quarenta] dias de multa, à taxa diária de € 9,00 [nove euros], o que perfaz a multa global de € 3.060,00 [três mil e sessenta euros];--- b) Condenar a arguida A. C. pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, sob a forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 6º, nº 1, 12º, nºs 2 e 3, 107º, nº 1, com referência ao artº 105º, nº 1 todos do RGIT e ao artº 30º, nº 2 do Cód. Penal, aplicável “ex vi” do preceituado na al. a) do artº 3º do primeiro dos indicados diplomas legais, na pena de 170 [cento e setenta] dias de multa, à taxa diária de € 7,00 [sete euros], o que perfaz a multa global de € 1.190,00 [mil, cento e noventa euros], e a que corresponderão, se for caso disso, 113 [cento e treze] dias de prisão subsidiária;--- c) Mais condenar as arguidas, cada uma delas, no pagamento de taxa de justiça que se fixa em 1 UC, nos termos do disposto pelo art. 344º, n.º 2, al. c) e 513º, n.º 1 do CPP e 8º, n.º 5, do RCJ e tabela III anexa a tal diploma, e ambas, solidariamente, nos demais encargos do processo.--- [2] Julga-se o pedido de indemnização civil formulado por Instituto da Segurança Social, IP, procedente, termos em que se decide condenar as demandadas M., Unipessoal, Ldª, e A. C. a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de € 17.017,12, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das prestações, à taxa legal aplicável aos créditos da titularidade da SS e até efetivo e integral pagamento, ascendendo os primeiros a € 5.400,69.--- Custas da instância civil a cargo, solidariamente, das demandadas, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal.---» 2.
Dessa decisão recorreu a arguida A. C., concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos (transcrição): «CONCLUSÕES: A) O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal a quo que recaiu sobre a “QUESTÃO PRÉVIA” apreciada na sentença em apreço.
B) A Recorrente considera que, tendo sido proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em sede de oposição judicial, esta constitui caso julgado nos presentes autos.
Sucede que, C) Na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou que não foi discutida, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, nenhuma questão passível de contender com a qualificação criminal e que fosse do conhecimento reservado e privativo da jurisdição administrativa e, nessa sequência, determinou que aquela decisão não produziu qualquer efeito de caso julgado com incidência nos autos.
D) É precisamente nessa conclusão que radica o erro de julgamento ora imputado à sentença recorrida.
E) Erro que se verifica, quer na apreciação dos factos, quer na aplicação do direito ao caso concreto.
Vejamos: F) Decorre da sentença proferida pelo TAF de Braga, no processo de oposição judicial n.º 418/15.4BEBRG, constante dos documentos juntos aos autos, que a ora Recorrente/aí Oponente alegou a ilegitimidade da pessoa citada por não figurar no título executivo nem ser responsável pelo pagamento das dívidas, para o que invocou o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
G) Compulsada a referida sentença verifica-se, a páginas 6, que esta refere que o teor do despacho de reversão não contém, em termos suficientes, a explicitação dos motivos fácticos, desde logo quanto ao exercício da gestão de facto, mais aí se referindo que a Segurança Social, exequente, nada disse ou alegou que permitisse concluir que a Oponente/Recorrente foi, de facto, a gestora da devedora originária.
H) Ora, se no âmbito do processo penal tributário se pretende condenar a arguida, por, na qualidade de gerente, ser a responsável pelo pagamento das dívidas à Segurança Social (respeitantes a quotizações devidas ao Instituto de Gestão Financeira) e se, no processo de oposição judicial se decidiu que aquele Instituto não imputou à executada comportamentos, ações, ou quaisquer atos tendentes a permitir considerá-la como gerente de facto, anulando-se a reversão, I) Forçoso será concluir que a decisão do Tribunal Tributário constitui exceção de caso julgado para o processo penal, obstando à sua apreciação.
J) Está aqui em causa, a decisão sobre uma questão de caráter estritamente tributário (a determinação da Oponente/Recorrente como gerente de facto da sociedade arguida), absolutamente necessária à decisão da questão prejudicada, que é a verificação do crime fiscal tributário de abuso de confiança contra a segurança social, questão essa que se apresenta como um antecedente lógico-jurídico, com caráter autónomo, e que, nesse sentido, condiciona o conhecimento da questão principal.
K) O que sucede no presente caso é o facto de existir uma decisão judicial onde a ora Recorrente se encontra desonerada da responsabilidade pelo pagamento das dívidas à segurança social, por via do deferimento da sua pretensão pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em contradição com uma outra decisão judicial de condenação da Recorrente em multa e pedido de indemnização cível (calculado nos precisos termos dos valores das quotizações em dívida), todas com base no mesmo facto constitutivo da relação tributária – o exercício (ou não exercício) da gerência por parte da Recorrente.
L) Se a jurisdição tributária considera não existirem elementos suficientes para determinar que a ora Recorrente era gerente de facto da primitiva executada, porque a Segurança Social não carreou aos autos elementos de prova que permitissem essa constatação (comportamento que lhe era imposto por via da regra do ónus da prova), e, por isso, a desonera dessa responsabilidade, a jurisdição penal tem de acatar essa decisão e validá-la, M) Sob pena de vigorarem no nosso universo jurídico duas decisões judiciais contraditórias entre si.
N) Recorrente considera, pois, que a douta sentença recorrida deverá ser julgada inexistente, na medida em que a sentença proferida no âmbito do processo tributário, sendo causa prejudicial, constitui exceção de caso julgado no processo penal tributário, obstando à apreciação do processo penal (causa prejudicada).
O) A sentença recorrida ofendeu o princípio do caso julgado, estabelecido no artigo 48º do RGIT.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e proferido douto acórdão que declare inexistente a sentença ora recorrida, por ofender o princípio do caso julgado, legalmente estabelecido no artigo 48º do RGIT, normativo com aplicação ao caso ora em apreciação.
Acordando como se pugna, farão Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!» 3.
A Exma. Procuradora-Adjunta na primeira instância apresentou resposta, a...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO