Acórdão nº 669//16.4JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução08 de Maio de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: No processo Comum Colectivo nº 669/16.4JABRG da Instância Central, Secção Criminal da Comarca de Viana do Castelo, o arguido F. S.

, foi julgado e absolvido por acórdão proferido e depositado a 16/12/2016 da prática do crime de violência doméstica e de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e condenado, como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, nº 1, e 145º, nº 1, a), do C. Penal, e 86º, nº 3 e 4, do RJAM, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, e interdito de detenção, uso e porte de arma.

Foi ainda o arguido condenado no pagamento da quantia de € 6.057,08 (seis mil e cinquenta e sete euros e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da notificação do pedido de indemnização cível deduzido pela Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE.

Inconformados com a referida decisão, os assistentes S. C. e H. B. interpuseram recurso, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões: 1. Os aqui Recorrentes não se podem conformar com a sentença que absolveu o arguido, da prática do crime de violência doméstica e do crime de homicídio qualificado.

  1. O tribunal a quo deu como provada a matéria que consta do acórdão, supra melhor descrita.

  2. Por outro lado foi considerada como não provada, entre outra a matéria de facto, melhor descrita no aordão e supra.; 4.

    Salvo o devido respeito, o tribunal a quo não poderia ter dado como não provado o pontos supra referidos da matéria de facto dada como não provada, porquanto foi produzida prova nesse sentido.

  3. Também não poderia de forma alguma absolver o arguido dos crimes de homicídio qualificado na forma tentada e de violência doméstica, uma vez que é uma decisão contrária à matéria dada como provada.

  4. Na verdade, e não se pondo em causa o princípio da livre apreciação da prova, sempre se dirá que a matéria de facto dada como não provada na douta sentença foi incorretamente julgada e a decisão incorretamente dada.

  5. Na motivação o tribunal refere que já para o sucedido na madrugada de 11 de Junho após a chegada do filho a casa, serviram as declarações do arguido e as dos assistentes. Assim, as declarações dos assistentes foram no essencial concordantes, sendo que, quer pelos poucos segundos em que tudo se passou, quer pelo estado alterado em que ambos se encontravam - a assistente, resultante do conflito com o marido e, como ela própria referiu, do receio do que pudesse ocorrer entre pai e filho, desde logo porque, antes, pensou ter visto um pau na mão do arguido, mas também porque "o rapaz vinha tolo", e o assistente porque, como expressamente admitiu, estava "de cabeça perdida" e "ia confrontar " o pai, face ao que lhe tinha sido contado pela mãe - nenhum dos assistentes conseguiu afirmar com certeza que o arguido tenha apontado a caçadeira ao filho nos instantes que antecederam o disparo: a assistente refere que a arma estava na direcção "do peito para baixo", o que é vago, e o assistente declarou que o pai não teria tido tempo de fazer pontaria, uma vez que este reagiu de imediato ao arremesso da lata de tinta por parte dele. O quase imediatismo do episódio - o assistente atira a lata, não sabe se acertou no pai, e "nisto, ele virou-se para mim e disparou" - aliados ao já referido estado de embriaguez do arguido (que diminui consideravelmente, quando não elimina, a precisão de gestos) e a toda a tensão latente não permitem concluir com segurança que tenha havido por parte do arguido um acto de apontar a arma ao filho, ao contrário do que ambos os assistentes afirmaram que segundos antes tinha acontecido face à mulher. Relativamente à intenção do arguido ao disparar (que este nega ser sequer de ferir), pese embora a curta distância a que se encontrava do filho e o uso de uma caçadeira, com grande potencial letal, não dispõem os autos de elementos que permitam concluir com a necessária segurança que o arguido queria matar o filho, nem sequer que admitiu a hipótese de tal acontecer, com ela se conformando: o arguido estava embriagado, e portanto com os sentidos embotados, tinha medo que o filho viesse tirar desforço do que tinha sucedido entre o pai e a mãe, o que ainda obnubila mais a vontade e, como já se referiu, não há prova de que o arguido sequer fez pontaria. E nem se diga que basta carregar a caçadeira: isso torna-se perigoso, mas por si só não força a conclusão de que a arma só será usada para matar.

  6. Refere ainda com relevância que o arguido, mesmo no estado diminuído em que encontrava, sabia, porque a tinha carregado, que a arma dispararia se ele accionasse o gatilho e, logo a seguir a ter sido visado pela lata que o assistente arremessou (ou seja, de ter havido um desencadear de movimento e ruído que pôs os seus sentidos em alerta, ainda que entorpecidos pelo álcool), redireccionou a caçadeira para a zona em que se encontrava o filho (que, como este e a mãe explicaram, embora ambas na garagem, era separada por um pilar daquela onde se encontrava a assistente) e disparou. Ora, o arguido tem carta de caçador e licença de uso e porte de arma (fls. 371/372), sabe usá-la, carregou-a e dirigiu-a (embora sem apontar) a uma área da garagem onde sabia que estava uma pessoa, o filho, a quem tinha acabado de dirigir a palavra; por isso, não pode ter deixado de, naquele momento, se lhe colocar a hipótese de ferir o filho, dada a curta distância que os separava e o tipo de arma utilizada.

  7. No entanto, a prova produzida em audiência é demonstrativa de que o arguido cometeu, como autor, um crime de homicídio qualificado na forma tentada, nomeadamente e entre outra matéria melhor descrita que o arguido disparou sobre o filho sabendo que a arma usada era um "instrumento particularmente perigoso" e que as balas disparadas poderiam penetrar no corpo do assistente, 10.

    Pelo que sempre teria que, condenar o arguido pelo crime pelo qual vinha acusado, pois teria que concluir que o arguido não só quis atingir o seu filho como sabia que tal conduta era susceptível de lhe provocar a morte e, apesar disso, mesmo perante a elevada possibilidade de verificação desse resultado, não deixou de actuar, assim revelando a sua conformação com tal possibilidade.

  8. Conforme consta do texto da declaração de voto vencido o arguido i) conhecia as características da caçadeira - e conhecia-as bem, além do mais porque é caçador há vários anos (como resulta das declarações do próprio e dos assistentes S. P. e H. B., sendo, aliás, portador da respectiva licença de utilização) -, ii) sabia que a mesma era um "instrumento particularmente perigoso", iii) carregou a caçadeira momentos antes de os factos ocorrerem (ou seja, preparou-a deliberadamente para ser usada) e iv) até anunciou previamente as suas intenções à vítima, avisando-a que a mataria se esta não saísse do local. E, não tendo a vítima saído do local e, pelo contrário, tendo até arremessando um objecto na direcção do arguido, este, "cumprindo o prometido", disparou na sua direcção! 12. O acórdão dá ainda como provado que ao actuar da forma como actuou "o arguido representou como possível atingir o seu filho H. B. e, mesmo assim, conformou-se com essa possibilidade" e que "O arguido disparou (...) sobre o filho (...) sabendo que a arma usada era um instrumento particularmente perigoso e que as balas disparadas poderiam penetrar no corpo do assistente".

  9. Mas se o arguido admitiu a possibilidade de atingir a vítima e conformou-se com essa possibilidade, qual foi, afinal, o resultado que o arguido representou como consequência possível da sua actuação e com o qual se conformou? Perante a matéria de facto supra descrita, esse resultado não pode ter sido outro senão a morte da vítima, agindo o arguido com dolo eventual de homicídio na pessoa do seu filho. E, como o resultado morte só não ocorreu por razões alheias à vontade do arguido, o seu comportamento configura uma tentativa. (declaração de voto vencido) 14.

    Com estes fundamentos, que resultaram cabalmente provado em audiência de julgamento, o tribunal a quo apenas poderia condenar o arguido como autor de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p. arts.22°, 23°, 131°, 132°-1 e 2/a) CP, agravado nos termos do art.86°-3 Lei 5/06, de 23Fev.

  10. O tribunal a quo deveria assim ter condenado o arguido ainda a uma pena de prisão efetiva, pois só essa seria adequada e proporcional, ao crime cometido e porque também assim as razões de prevenção geral o exigem – fortes necessidades que neste caso o exigem - necessidades de reprovação e de prevenção do crime.

  11. Com efeito, numa situação de homicídio voluntário tentado na pessoa do próprio filho, perpetrado com uma caçadeira cujo disparo atingiu efectivamente a vítima, e em que a morte do visado só não sobrevém por razões estranhas à vontade do agente, o sentimento de reprovação social do crime é elevadíssimo! (declaração de voto vencido) 17. O arguido estava ciente de que utilizava, na agressão, instrumento excepcionalmente perigoso, tanto no aspecto contundente como cortante, para a saúde e para a própria vida.

  12. A morte do assistente só não sobreveio por circunstâncias alheias ao arguido.

  13. O arguido agiu de modo livre e consciente com conhecimento do carácter proibido da sua conduta.

  14. Com efeito, os factos provados especificados no acórdao mesmos integram a autoria material de um crime tentado de homicídio qualificado na forma tentada.

  15. O que ficou descrito no acórdão recorrido demonstra bem, só por si, que a morte do filho foi tentada pelo arguido em circunstâncias que revelam a sua especial censurabilidade ou perversidade, utilizando meio insidioso ou traiçoeiro e com frieza de ânimo e reflexão sobre os meios empregados.

  16. Se é certo que o arguido, se refugiou na garagem a aguardar pela chegada do filho, também é certo que o arguido (caçador experiente) não hesitou em...

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