Acórdão nº 387/15.0T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução18 de Maio de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1. RELATÓRIO A autora AA, intentou, em 02-07-2015, no Tribunal de Fafe, vindo depois a correr seus termos e a ser decidida no de Guimarães, acção declarativa comum, sob a forma de processo sumário(1), contra o réu BB, seu ex-marido.

Pediu que seja declarado e reconhecido como bem comum do casal, por isso e como tal sujeito a partilha, o imóvel que constituía a casa de morada de família por ambos construída, composto de casa de habitação, tipo T4, de r/c e 1º andar, com logradouro, sito em Fafe, descrito na CRP sob o nº xxxx e inscrito na Matriz sob o artº xxxx, no valor patrimonial de 117.110,55€.

Alegou, em resumo, que, em 04-04-1997, casou com o réu, no regime de comunhão de adquiridos, mas tal casamento foi dissolvido por divórcio judicialmente decretado em decisão transitado no dia 25-01-2012.

Sucedeu que, numa acção executiva para pagamento de quantia certa (crédito indemnizatório) intentada (pelo lesado) contra o réu (lesante) foi penhorado o imóvel supra referido – bem comum do casal ainda não partilhado – e, na sequência disso, instaurada, por apenso, a separação de bens.

O credor/exequente reclamou da relação de bens onde o imóvel foi descrito como comum, defendendo que se trata de bem próprio do réu, contra o que entendem este e a autora.

A pretexto da complexidade da questão assim suscitada, foram os interessados remetidos para os meios comuns. Daí a necessidade desta acção.

O dito imóvel – casa de habitação – foi edificado pelo casal, durante a vigência do casamento, tendo sido concluído em 31-05-2007, numa parcela para construção doada ao réu em 03-03-2006 que foi desanexada de um prédio rústico descrito sob o nº 03023/280497 e inscrito na matriz sob o artº XXX, com recurso a empréstimo para o efeito solicitado e obtido por ambos junto de um banco em 22-06-2006 e cujas prestações são pagas através de conta por eles titulada, fruto da economia comum do casal. O imóvel passou a constituir a casa de morada de família e, por isso, até pediram e beneficiaram de isenção do IMI.

O réu, apesar de devidamente citado, não contestou.

Em despacho subsequente, entendeu-se que, por ser caso de litisconsórcio necessário, havia ilegitimidade passiva do réu, pelo que a autora foi convidada a deduzir o incidente de chamamento do credor CC.

Tendo-se esta oposto, entretanto, o próprio credor referido deduziu incidente da instância – intervenção espontânea passiva – nele defendendo que deve ser julgada improcedente a acção e consequentemente o pedido da autora e “ser o bem imóvel reconhecido e declarado como bem próprio do réu”.

Alegou, para tal, que o divórcio e a presente acção são simulados tendo como único objectivo retirar o bem do património do réu e não pagar a dívida deste. O bem foi doado apenas ao réu pelos pais deste. A autora apenas tem direito às benfeitorias nele realizadas, devendo estas ser relacionadas na partilha e não o imóvel, por, apesar da construção, continuar a ser bem próprio do réu, conforme jurisprudência que indica.

Tal incidente foi admitido e, notificadas as partes para o contestar, apenas a autora o fez, impugnando a factualidade alegada pelo interveniente, defendendo a inadmissibilidade do incidente e a procedência da acção.

Em posterior despacho, foi decidido que, não tendo o réu primitivo também contestado o incidente tal equivale ao reconhecimento por ele do direito do interveniente e, por isso, este tomará a sua posição de réu na causa, conforme artº 337º, nº 1, CPC. Foi também fixado em 117.100,00€ o valor da acção e, por isso, ordenada a remessa dos autos a Guimarães.

Aqui foi proferido despacho a convidar a autora a concretizar o valor do prédio doado e o valor da construção nele incorporada, o que esta fez indicando o de 5.000,00€ e de 117.100,00€, respectivamente – valores estes que o interveniente impugnou, pedindo a realização de uma perícia.

Entretanto, foram confrontadas as partes com o despacho no sentido de que o estado dos autos já permitia o conhecimento de mérito, nada tendo oposto.

Seguiu-se, então, com data de 01-02-2017, saneador-sentença, no qual: -se declararam verificados tabelarmente os pressupostos do processo e a validade deste.

-se apreciou como “questão prévia” o pedido formulado pelo interveniente de que deve “ser o bem imóvel reconhecido e declarado como bem próprio do réu”, considerando-o “não escrito”.

-se considerou também “não escrita” a impugnação do oponente ao valor dos bens indicado pela autora.

-se fixaram os factos provados.

-por fim, após dissertação sobre a qualificação da acção como de “simples apreciação positiva” e interesse nela da autora, citações doutrinárias sobre os conceitos de benfeitoria e de acessão e a citação de três acórdãos a que se declarou adesão, foi decidido (sic): “Declara-se é bem comum do extinto casal formado pela aqui autora e réu e como tal ser sujeito a partilha, o imóvel que constituía a casa de morada de família, constituído por Casa de Habitação, de r/c e 1º andar, com logradouro, sito na freguesia e concelho de Fafe, descrita na CRP de Fafe sob o nº XXXX e inscrito na matriz sob o art. XXXX.

Custas pelo oponente, atento o decaimento.

Registe e notifique.”.

O interveniente não se conformou e dela interpôs recurso para esta Relação, alegando e concluindo assim: “1ª No regime de comunhão de adquiridos, são bens próprios os “bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento” e ainda bens próprios “os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação”.

  1. “A construção de uma casa em terreno próprio, na pendência do casamento celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos (…) não perde a qualidade de bem próprio deste, pois estamos perante despesas levadas a efeito e que integram a noção de benfeitorias úteis por força do disposto no artigo 216º, n.º 1, 2 e 3 do CC” 3ª O prédio cuja recorrida quer ver como considerado comum por subsunção no conceito de acessão imobiliária, não se concebe, pois a moradia não foi construída em terreno alheio uma vez que se entenda que apesar do terreno ser próprio do marido a recorrente não alheia ao mesmo, porquanto tem uma relação matrimonial com o proprietário.

  2. A possibilidade de adquirir pela acessão está excluída quando o proprietário do terreno tenha comparticipado na feitura da obra.

  3. Afastando-se o instituto jurídico da Acessão, sem negar no entanto, que estamos perante uma despesa realizada à custa de valores comuns do casal (a benfeitoria) e que, perante a extinção do vínculo conjugal, importa pois, contrariar o enriquecimento injustificado de um dos ex-cônjuges e repor o equilíbrio económico entre os patrimónios.

  4. À luz do disposto nos artigos 1722º e 1728º ambos do Código Civil, o bem melhorado não perde o seu “estatuto de bem próprio”, embora, como já se havia referido, deva verificarse uma reposição do equilíbrio económico entre os patrimónios, resultando um crédito do património comum sobre o cônjuge proprietário a compensar no momento da partilha.

  5. Não integrando a construção da moradia em terreno pertencente a um dos cônjuges, a qualidade de bens adquiridos, a que se refere o artigo 1724º do Código Cívil, não pode ser considerado esse bem como comum do casal.

Termos em que, e pelo que Vossas Excelências doutamente suprirão, no que o patrocínio se mostre insuficiente, deve dar-se provimento ao recurso, e em consequência alterar a decisão recorrida - julgar-se a acção não provada e improcedente com as legais consequências, fazendo-se assim JUSTIÇA!”.

A autora, na sua resposta, defendeu que, por corresponder à jurisprudência maioritária, a decisão recorrida deve ser mantida.

Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

  1. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

    No caso, importa apreciar e decidir se, nas circunstâncias apuradas, o bem não é comum do casal.

  2. FACTOS O tribunal recorrido considerou como assentes os seguintes factos(2): “A) A. e R. foram casados entre si, no regime de...

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