Acórdão nº 703/13.0TBMDL-K.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Maio de 2017
Magistrado Responsável | FERNANDO FERNANDES FREITAS |
Data da Resolução | 25 de Maio de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
27 Tribunal da Relação de Guimarães 2ª Secção Cível Largo João Franco - 4810-269 Guimarães Telef: 253439900 Fax: 253439999 Mail: guimaraes.tr@tribunais.org.pt **
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RELATÓRIO I.- Por douta sentença proferida nos autos de Reclamação de Créditos acima mencionados, que correm por apenso aos Autos de Insolvência da devedora “S”, foram reconhecidos e graduados os créditos reclamados, dentre os quais o do “N”, que está garantido por penhor mercantil constituído sobre diversos bens móveis, identificados em relação que foi junta aos autos.
Tendo sido apreendidos apenas bens móveis, foram os créditos assim graduados: “1.º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção do produto da venda de cada bem móvel (art. 172.º, nºs 1 e 2, do CIRE); 2.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito laboral dos trabalhadores, que gozam de privilégio mobiliário geral e são graduados antes dos referidos no artigo 747.º, n.º 1, do Código Civil (prevalecem sobre todos os restantes créditos com privilégio mobiliário geral e mobiliário especial), com excepção dos créditos por despesas de justiça (art. 746.º, do Código Civil).
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- Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito reclamado pela Fazenda Nacional, no valor de € 7.492,58, referente ao IVA, IRC, IRS, imposto de selo e coimas, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento, que beneficia de PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL, nos termos do disposto nos artigos 734.º, 736.º e 744.º, n.º1 do Código Civil e 47.º, n.º4, alínea a) e 97.º, n.º1, alínea b), do CIRE.
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- Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito por contribuições para o Instituto de Segurança Social que beneficia de privilégio mobiliário geral, nos termos do art. 10.º do DL n.º 103/80, nos limites previstos no referido art. 97.º, n.º 4, alínea c), do CIRE.
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- Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do credor Norgarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., no valor de € 48.007,60, GARANTIDO por Penhor Mercantil, na proporção de 75% sobre os equipamentos constantes do doc. 1 e do credor Banco Espírito Santo, S.A., no valor de € 135.022,52, GARANTIDO por Penhor Mercantil, na proporção de 25% sobre os equipamentos constantes do doc. 1.
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- Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (art. 47.º, n.º 4, alínea c), do CIRE.
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- Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.º do CIRE.
”.
Inconformado com esta graduação, traz o Credor “N” o presente recurso pretendendo que o seu crédito seja graduado para ser pago em primeiro lugar.
Contra-alegou apenas o Ministério Público que se pronunciou em sentido favorável à pretensão do Recorrente.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Cumpre apreciar e decidir.
** II.- O Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida deve ser revogada, porque nela se fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito.
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O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que, entendeu que o crédito garantido por penhor deve ceder face aos créditos com privilégio mobiliário geral reclamados pela Segurança Social e pelos trabalhadores da Insolvente.
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Por aplicação do artigo 666° e 749° do Código Civil, o crédito garantido por penhor prevalece sobre i) o crédito com privilégio mobiliário geral dos trabalhadores (artigo 333° do Código do Trabalho) e ii) os créditos do Estado por impostos (mencionados na referida alínea a) do nº 1 do artigo 747º do Código Civil).
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Segundo o nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, o privilégio mobiliário geral de que goza o crédito da Segurança Social por contribuições, quotizações e juros de mora "prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior".
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A graduação levada a cabo pelo Tribunal a quo não resolve adequadamente o concurso de credores, especificamente o concurso entre os créditos que gozam de privilégios mobiliários gerais e o crédito garantido por penhor.
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Ao conjugar os normativos aplicáveis (nº 1 e 2 do artigo 204° da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333°, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigos 666°, 747°, nº 1 do Código Civil) de forma a graduar em primeiro lugar o crédito dos trabalhadores, em segundo os créditos de IRS, IRC e IVA, em terceiro o crédito da Segurança Social e em quarto o crédito pignoratício, o Tribunal a quo não interpretou adequadamente a Lei.
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Decidindo como decidiu, a sentença recorrida i) desrespeita por completo a prevalência - invariável - do crédito pignoratício face ao crédito dos trabalhadores que goze de privilégio mobiliário geral (cfr. artigo 666° e 749° do Código Civil); ii) penaliza - de forma excessiva e desadequada - o crédito pignoratício e retira toda a relevância prática que lhe é atribuída pela sua natureza real e consequente sequela; e iii) privilegia, ilegitimamente, o crédito dos trabalhadores, estendendo-lhe, de forma ilegal e arbitrária, a norma do nº 2 do artigo 204° da Lei nº 110/2009.
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O Tribunal a quo desvirtuou completamente o sentido de todo o esquema jurídico relativo às garantias das obrigações e ao concurso de credores.
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O nº 2 do artigo 204°, da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, é uma norma de carácter excepcional, que se aplica apenas aos créditos da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral (previstos no nº 1) e não a todos os créditos que gozem de um privilégio mobiliário geral.
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Enquanto norma excepcional não pode ser analogicamente aplicada.
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O Tribunal a quo não poderia ter estendido a prevalência do privilégio mobiliário geral da Segurança Social sobre o penhor, de forma a abarcar outros privilégios mobiliários gerais (o que fez, in casu, com o privilégio dos trabalhadores) aos quais a lei não reconhece, nem quis reconhecer, preferência, sobre o penhor, no concurso de credores.
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Em virtude do conflito insanável da legislação aplicável, caberá ao intérprete, na procura de uma solução harmoniosa para o caso, fazer um esforço interpretativo, de forma a encontrar a solução que seja a menos onerosa e, simultaneamente, a mais coerente face a todo o esquema legislativo das garantias das obrigações e do concurso de credores.
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À luz dos critérios estipulados no artigo 9° do CC, a unidade do sistema jurídico e a realização da justiça do caso reclamam uma interpretação corretiva-restritiva da norma do nº 2 do artigo 204° da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, segundo a qual quando concorram em exclusivo este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.
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A jurisprudência tem vindo a considerar que o privilégio mobiliário geral da Segurança Social só prevalece sobre o penhor, nos termos do nº 2 do artigo 204° da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, quando concorram os dois em exclusivo.
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Quando concorrem outros créditos com privilégio mobiliário geral (nomeadamente os créditos do Estado por impostos ou os créditos dos trabalhadores) a prioridade conferida pelo artigo 204° nº 2 da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro não opera, uma vez que há uma contradição insanável entre todos os dispositivos aplicáveis.
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O princípio da prevalência do penhor sobre os privilégios mobiliários gerais deve, assim, enformar a decisão a proferir pelo Tribunal, por ser um princípio geral nesta matéria, respeitando-se, ainda, a coerência do sistema jurídico.
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Esta é a única solução que: i) Respeita a ordem geral de graduação dos privilégios mobiliários gerais, estabelecida no artigo 747°, nº 1 a) Código Civil, artigo 204º nº1 da Lei nº 110/2009 e artigo 333° nº 2, a) do Código do Trabalho; ii) Cumpre os princípios gerais do direito, mormente a natureza real e a característica da sequela do penhor, nos termos dos artigos 666° do Código Civil; iii) Privilegia o substantivo em relação ao processual, na medida em que respeita o princípio substantivo, plasmado no artigo 749° do Código Civil, de que "o privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente", como é o caso do penhor; iv) Respeita o princípio da protecção da confiança, ínsito no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa.
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A decisão a quo viola os artigos 9°, 666°, 747°, n° 1 e 749°, n° 1 do Código Civil, o artigo 204º, nº 1 e 2 da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social), o artigo 333°, nº 1 e 2, do Código do Trabalho.
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A conjugação de todos os normativos aplicáveis ao presente processo subverte a ordem de graduação imposta pelos supra mencionados artigos, consubstanciando uma violação dos princípios constitucionais da confiança (ínsito no artigo 2°) e da proporcionalidade (artigo 18°).
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O princípio da confiança é violado, na medida em que o credor pignoratício jamais poderia contar, à luz do Direito vigente, que os créditos laborais que gozam de privilégio mobiliário geral fossem graduados à sua frente, o que, de facto, aconteceu.
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A natureza real do penhor, conferida no artigo 666° e o princípio de que os privilégios mobiliários gerais não valem face àquele, estabelecido no artigo 749º nº 1 ambos do Código Civil, foram, arbitrariamente, descaracterizados, o que frustra, definitivamente, as legítimas expectativas do credor pignoratício na prioridade do seu crédito.
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A interpretação conjugada dos nº1 e 2 do artigo 204° da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333°, nº 2 a) do Código do Trabalho e os artigos 666° e 747° do Código Civil, levada a cabo pelo Tribunal a quo, conduziu a uma limitação desproporcional e, por isso, intolerável, da garantia real conferida ao credor pignoratício.
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A graduação de créditos realizada desvirtua o conteúdo essencial da garantia real penhor, restringindo-a, e privilegia os créditos laborais de forma ilegal e excessiva, violando, assim, o princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 18°, da...
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