Acórdão nº 448/17.1T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução18 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO António e mulher Fernanda vieram intentar a presente ação de simples apreciação negativa, com processo comum, contra Maria, pedindo que seja declarado que a ré não é proprietária do prédio justificado, declarando-se nula e ineficaz quanto à produção de quaisquer efeitos, designadamente o de fundamentar qualquer registo na Conservatória do Registo Predial, cancelando os registos já feitos com fundamento na escritura de justificação de posse aqui impugnada, declarando-se de igual forma tal escritura ineficaz quanto à definição e constituição de outros direitos.

Alegam, para tanto, que são proprietários e possuidores de 1/16 avos do prédio urbano situado em …, freguesia de …, concelho de Chaves, composto de habitação de rés-do-chão e 1º andar, inscrito na respetiva matriz predial sob o art. 66, que confronta do norte com Albertina, a sul com estrada, a nascente com Roberta e a poente com Altino.

Tal prédio encontra-se descrito a favor dos autores na proporção da sua quota na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 77 da dita freguesia de ….

Tal imóvel na proporção de 1/16 adveio à propriedade dos autores por escritura de doação datada de 8 de Novembro de 2016.

A ré, por sua vez, arroga-se dona de 15/16 do mencionado prédio, afirmando que o adquiriu por usucapião e tendo lavrado a correspondente escritura de justificação a 12 de Janeiro de 2016.

Nessa escritura refere a ré que a sua posse teve início em 1984 por doação verbal dos seus tios Manuel e mulher Sandra, o que é falso.

Sandra faleceu em 5 de Março de 1999, não tendo qualquer relação com a ré, não se visitando nem se falando.

Desde o óbito de Sandra nunca a ré pagou qualquer contribuição ou imposto sobre o imóvel, o que acabou por ser suportado por Filipa, sobrinha neta da mencionada Sandra.

A ré nunca exerceu quaisquer atos de posse sobre o imóvel, a não ser a colocação já no ano de 2016 de um portão.

A ré nunca usou tal prédio, nunca dele fruiu nem o habitou.

Nunca a ré realizou quaisquer benfeitorias ou obras de conservação e restauro.

Não obstante a ré nunca ter tido a posse do imóvel, o certo é que ainda não decorreu o tempo necessário para usucapir, uma vez que a D. Sandra faleceu há 18 anos.

Assim, impugnam a escritura de justificação celebrada pela ré a 12 de Janeiro de 2016 por ser falsa.

Os autores, em Novembro de 2016, para além da doação de 1/16 que já referiram, compraram aos herdeiros de Henrique mais 1/16 do mesmo prédio, que lhe pertencia, contando como tal na repartição de finanças (cfr. doc. de fls. 18 verso).

Após celebrar o negócio, pretenderam proceder à sua formalização dada a obrigatoriedade da escritura pública, tendo, nessa altura, descoberto que o prédio se encontrava inscrito a favor da ré.

Tal causa grave prejuízo aos autores uma vez que tinham outorgado um negócio válido com quem de direito não o podendo inscrever a seu favor.

Grave prejuízo é também causado aos herdeiros de Henrique que se veem impedidos de vender os bens pela atitude da ré.

Regularmente citada, a ré contestou, alegando que os autores são parte ilegítima para a presente lide.

Os autores nenhum interesse têm na presente lide. Nos arts. 34º e ss da petição inicial alegam que são promitentes-compradores de uma quota-parte pertencente, alegadamente, aos herdeiros de Henrique.

Porém, os alegados proprietários ou herdeiros não intervém nos autos, sendo certo que, sendo a compra e venda um negócio formal a sua realização de modo verbal acarreta necessariamente a sua invalidade.

Os interessados na presente lide serão os titulares do direito que afirmam ter sido usurpado.

Com base na causa de pedir alegada na petição inicial, os proprietários seriam os herdeiros de Henrique, sendo que a sua herança se encontra, por ora, indivisa.

Acresce que, nos artigos 4º a 28º, da petição inicial, os autores arrogam-se defensores dos alegados direitos dos herdeiros de Sandra e de Manuel, sem que esbocem qualquer interesse legítimo para o efeito.

Os autores não invocam qualquer mandato para representarem os herdeiros de Sandra e de Manuel.

Na situação dos autos os interessados seriam as heranças ilíquidas e indivisas que têm de ser representadas em juízo por todos os herdeiros.

Invoca a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, pugnando pela sua absolvição da instância.

Em sede de defesa por exceção vem ainda a ré arguir a nulidade da doação feita aos autores pelos herdeiros de João, uma vez que o negócio efetivamente celebrado foi uma compra e venda, a fim de dissuadir o direito de preferência da ré.

Deduz reconvenção em que reafirma a titularidade do direito de propriedade, e ainda pretende exercer o direito de preferência em relação à alegada venda simulada.

Conclui pela procedência das exceções deduzidas ou pela improcedência da ação.

Peticiona, ainda que a reconvenção seja julgada procedente por provada e, em consequência: - Seja a reconvinte declarada dona e legitima comproprietária, na proporção de 15/16 do prédio urbano composto de habitação e rés-do-chão sito no …, freguesia de …, concelho de Chaves, com a área de 7 m2, inscrito na matriz predial da freguesia de … sob o art. 66º, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 77; - Seja a escritura pública de doação levada a cabo no dia 8 de Novembro de 2016 declarada nula e de nenhum efeito; - Sejam cancelados os registos que os reconvindos fizeram a seu favor ou de quaisquer terceiros adquirentes na Conservatória do Registo Predial; - Sejam os reconvindos condenados a reconhecer que na qualidade de comproprietária do prédio, lhe asiste o direito de preferir na venda do prédio urbano descrito; - Sejam os reconvindos condenados a, após o trânsito em julgado da sentença informarem a reconvinte do preço e condições do negócio.

Replicaram os autores, concluindo pela improcedência das exceções suscitadas, assim como a reconvenção apresentada, por inadmissibilidade, ou caso assim não se entenda deverão ser julgadas improcedentes quer as exceções quer a reconvenção, por não provadas.

Na sequência, foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu: “ (…) Em face do exposto, julgo procedente a excepção da ilegitimidade activa dos autores para a presente lide e, em consequência, absolvo a ré da instância.” Inconformada com o assim decidido, vieram os autores António e Fernanda interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES 1. O Tribunal “a quo”, por despacho que põe termo à ação, julgou procedente a exceção de ilegitimidade ativa, tendo absolvido a Ré da instância.

  1. A legitimidade processual reconduz-se à qualidade ou posição juridicamente relevante da parte em relação ao objeto do processo.

  2. No mesmo sentido, o artigo 101º do Código do Notariado refere que “se algum interessado impugnar em juízo o facto justificado” devendo entender-se por interessado quem seja titular de qualquer relação jurídica que possa ser afetada pelo facto justificado.

  3. No caso em concreto, a causa de pedir tem também por base a defesa dos interesses privados dos Apelantes, sendo estes comproprietários do imóvel justificado na proporção de 1/16, e tendo-se vistos impedidos de inscrever na sua esfera jurídica uma outra aquisição de 1/16 desse mesmo prédio, em virtude da escritura de justificação levada a cabo pela Ré/Apelada.

  4. Tal conduta da Ré/Apelada causa-lhes prejuízo.

  5. Os Autores/Apelantes têm assim um interesse direto em ver julgados procedentes os pedidos que...

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