Acórdão nº 396/14.7T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Dezembro de 2017
Magistrado Responsável | RAQUEL BAPTISTA TAVARES |
Data da Resolução | 18 de Dezembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório O Banco A, intentou a presente acção de processo comum contra MANUEL e mulher, Manuela, e José, peticionando que se declare a simulação e consequente nulidade do negócio de compra e venda, celebrado entre os Réus por escritura pública de 3 de Fevereiro de 2014 e descrito no artigo 7º da petição inicial, ordenando-se, em consequência, o cancelamento do registo de aquisição do prédio transmitido a favor do Réu José a que se refere a Ap. 605 de 2014.02.03 sobre o prédio descrito sob o nº … da Conservatória do Registo Predial, ou, subsidiariamente, a procedência da impugnação pauliana desse negócio, reconhecendo-se o direito da Autora à restituição do prédio transmitido na medida do seu interesse, podendo executá-lo no património do Réu José.
Para tanto e em síntese, alega que detém créditos sobre os Réus Manuel e Manuela no valor global de €156.956,62 e que o negócio de compra e venda não correspondeu à vontade real das partes tendo sido celebrado formalmente apenas para ludibriar a Autora, impossibilitando que esta se fizesse pagar por esse bem.
Mais alega que os Réus Manuel e Manuela são amigos do Réu José há mais de dez anos, convivendo regularmente, estando, por isso a par dos negócios de uns e outro, sabendo este último do empréstimo celebrado com a Autora e das dificuldades económicas da sociedade DF – Centro de Britagem, Lda., que os primeiros Réus eram avalistas da dita sociedade no dito empréstimo.
Alega que sabedor destes factos o Réu José aceitou figurar nesse negócio como comprador apesar de nada ter querido comprar, apenas tendo declarado o que declarou para ludibriar a Autora e impedir que esta se fizesse pagar através do prédio transmitido.
Que os primeiros Réus, para além do prédio transmitido através do negócio impugnado, têm imóveis, no valor global de €200.000,00, onerados com penhoras e hipotecas a favor da Fazenda Nacional, Segurança Social e vários bancos, sendo que as dívidas correspondentes aos ónus registados sobre esses imóveis ultrapassam €300.000,00.
O Réu José regularmente citado não contestou.
O Réu Manuel regularmente citado contestou a acção defendendo-se por impugnação e por impugnação motivada, concluindo de modo diverso pelo que o fez a Autora na petição inicial.
A Ré Manuela foi citada editalmente e, ao abrigo do disposto no artigo 21º do Código de Processo Civil, o Ministério Público, na assunção da sua defesa, aderiu à contestação do Réu Manuel.
Foi realizada a audiência prévia tendo sido proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e seleccionados os temas da prova.
Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento e após a conclusão da mesma a Autora veio desistir do pedido quanto à declaração de nulidade, com fundamento em simulação.
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e absolveu os Réus dos pedidos contra si deduzidos.
Inconformada, apelou a Autora da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: 1.ª - O tribunal a quo não só não se pronunciou sobre a desistência do pedido de simulação, como proferiu sentença de mérito relativamente a esse concreto pedido de nulidade, sendo, por isso, a sentença nula, nesta parte - cfr. al. d) do n.º 1 art.º 615.º, n.º 1 art.º 285.º, n.º 2 art.º 286.º e n.º 1 art.º 289.º do CPC; 2.ª - O tribunal a quo, não podia considerar provado que o administrador da insolvência resolveu o negócio descrito na alínea f), uma vez que, decorre de fls. 225 v., 251 e 371 e ss. que a ré Manuela não recepcionou as cartas registadas que lhe foram enviadas para esse fim e, portanto, essa resolução não produziu efeitos, devendo por isso, eliminar-se a factualidade provada na al. j) dos factos provados - vd. art.º 5.º, n.ºs 1 e 2 art.º 412.º e 662.º CPC; 3.ª - O réu José não apresentou contestação, considerando-se por isso confessados os factos alegados pela autora relativamente ao mesmo - vd. n.º 2 art.º 574.º CPC; 4.ª - Os réus nunca juntaram os documentos requeridos pela autora a final da petição inicial, nem apresentaram qualquer justificação válida para isso, sendo, pois, manifesta a sua falta de colaboração, impossibilitando assim, de forma culposa, a prova por parte da autora - vd. n.º 2, art.º 417.º CPC e n.º 2 art.º 344.º CC; 5.ª - Resultando provado que o prédio vale €222.804,00, que o réu José nem sequer fez qualquer prova de ter sido pago o preço declarado de €39.791,30, e incidindo sobre o mesmo duas hipotecas registadas no valor global de €260.000,00, extrai-se a intenção dos réus de subtrair esse prédio da esfera patrimonial dos réus vendedores; 6.ª - De fls. 181 e 182 resulta que o réu José é primo do réu Manuel, tendo este reconhecido na sua contestação que aquele sabia das dificuldades económicas da sociedade “DF, Lda.” e, por via disso, das dificuldades dos réus Manuel e Manuela, avalistas dessa sociedade, sendo, por isso, legítimo presumir que o réu José estava ciente, no mínimo, que a alienação do prédio, implicava a diminuição do património dos réus vendedores e prejudicava os seus credores, pelo que devem considerar-se “como provados” os seguintes factos: - o réu José sabia que os demais réus estavam em dívida para com a autora (ponto 33.º da petição inicial) - os réus tinham consciência que a transmissão do prédio misto referido no ponto 7.º diminuía a garantia patrimonial do crédito da autora e que, por tal efeito, a autora ficava impossibilitada de recuperar o seu crédito (ponto 40.º da petição inicial) - vd. n.º 1 art.º 662.º e art.º 640.º CPC 7.ª - Não existem nos autos elementos factuais que permitam concluir qual o concreto valor actual das dívidas subjacentes às hipotecas registadas sobre o prédio e os réus não lograram provar a existência de outros bens penhoráveis de valor igual ou superior ao crédito da autora, implicando, por isso, a compra e venda impugnada a impossibilidade da autora obter a satisfação integral do seu crédito, ou, pelo menos, o agravamento dessa impossibilidade - vd. art.º 611.º e al. b) do art.610.º CC 8.ª - Tendo o empréstimo sido concedido em 25.11.2009 e sendo a escritura de compra e venda de 03.02.2014, ressalta a anterioridade do crédito da autora - vd. al. a) art.º 610.º CC 9.ª - Os réus agiram de má-fé, estando pois cientes que a alienação do prédio misto implicava a diminuição do património dos réus Manuel e Manuela e, consequentemente, não podiam deixar de ter consciência que essa diminuição prejudicava os credores destes, designadamente a autora - vd. n.º 2 art.º 612.º CC Pugnou a Recorrente pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida, validando-se a desistência do pedido de nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda e julgando-se procedente a impugnação pauliana, reconhecendo-se o direito da Autora à restituição do prédio misto na medida do seu interesse, podendo executá-lo no património do réu José.
O Ministério Público, representando a Ré Manuela contra alegou pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Pelo tribunal a quo foi proferido o despacho nos termos do disposto no artigo 617º n.º 1 do Código de Processo Civil, em face da nulidade invocada pela Recorrente, reconhecendo-lhe razão e rectificando a sentença, da qual passou a constar no que concerne à parte dispositiva o seguinte: “Em face do exposto: · Em consequência da desistência do pedido formulada pela Autora, absolvo os Réus do pedido de declaração de nulidade, por simulação, do negócio descrito na alínea f), do ponto II.1.; e · Julgo a acção proposta por Banco A, contra Manuel, e mulher, Manuela e José, improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolvo os Réus do pedido de ineficácia desse mesmo negócio com fundamento no disposto nos artigos 610, 612º e 615º do Código Civil.
Custas pela Autora.
Registe e notifique”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes: 1 - Saber se a sentença é nula nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 615° do Código de Processo Civil; 2 – Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto; 3 – Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
***III. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância: a) Em 25 de Novembro de 2013, a Autora intentou no Tribunal Judicial de Monção a execução ordinária nº 591/13.6TBCMN contra a sociedade DF – Centro de Britagem, Lda. e contra Manuel, Manuela e Joaquim; b) Essa execução tem por objecto o contrato de empréstimo nº …, celebrado com a sociedade indicada na alínea a), em 25 de Novembro de 2009, e avalizados pessoalmente em livranças pelos Réus Manuel e Manuela, na data da celebração, nos termos do qual a aqui exequente emprestou à sociedade indicada a quantia de € 175.000,00, quantia que seria reembolsada à Autora, mais juros e acessórios do crédito, em 94 prestações mensais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 25 de Dezembro de 2009; c) A mutuária e os avalistas, entre os quais os Réus Manuel e Manuela, não pagaram a prestação do empréstimo que se venceu em 25 de Janeiro de 2013; d) Em 25 de Novembro de 2013, o total em dívida pelos primeiros Réus à Autora ascendia a € 141.779,02; e) À data de 15 de Março de 2017 o valor em dívida ascendia ao montante de € 150.869,75; f) No dia 3 de Fevereiro de 2014, na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Arcos de Valdevez, perante o oficial público JJ, notário afecto, Manuel e mulher, Manuela, declararam vender, e José declarou comprar, o prédio misto, composto de casa de dois pavimentos para habitação, com logradouro e terreno de vinha, sito na...
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